Na camarata do dormitório - Minas da Panasqueira
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Eu apenas queria constituir família, casar e assentar de vez. Mas precisava primeiro, para isso, de um emprego fixo, conforme vinha idealizando desde muito novo, sendo esse o principal motivo que me levara a oferecer-me voluntário para a tropa apesar de plenamente consciente também que seria quase certo ir (...) para a guerra comer o pão que o diabo amassou e com forte possibilidade de lá deixar ficar a pele (...)
(...) tive que “emigrar à força” e ir embora para as Minas da Panasqueira, no coração da Beira Baixa, onde permaneci nos cinco anos seguintes até 1979, ano em que ingressei definitivamente nas forças de segurança. E a principal causa da minha necessidade de partir para tão longe à procura de trabalho não foi apenas a falta de oferta de emprego por estas bandas. Foi também e sobretudo o partidarismo analfabeto e vesgo que se transformou em fanatismo puro e duro para muito boa gente, pessoas que até ali considerava excelentes amizades de toda a vida mas que não toleravam o meu livre e democrático direito de optar por “cores” diferentes das suas.
Cedo percebi, por isso, que os cravos de abril nos libertaram de facto da velha e caduca ditadura do estado novo, mas, paralelamente, para muitos democratas-aprendizes e sem qualquer formação, em aldeias como a minha, no Portugal profundo, quem não militasse na sua “cor” partidária é porque era contra. Logo, um potencial alvo a abater, fosse de que maneira fosse. Democratas tão inteligentes e bem formados que, sem se darem conta, estavam a praticar exatamente e na íntegra a odiosa política totalitária de Salazar e do lema fasciszoide do “quem não é por mim, é contra mim”.
Sofri bastante com tudo isso àquela época, confesso. Nunca desejei mal nenhum a quem tentou por diversas formas, algumas delas bem sujas e cobardes, fazer-mo a mim. A vida encarregou-se de colocar todas as coisas no seu devido lugar. E eu fui compensado com o privilégio sem tamanho de conhecer e conviver com a gente boa da Beira, de trabalhar cinco belíssimos anos ao lado de íntegros e generosos beirões que tudo quanto levavam para o seu almoço repartiam comigo no fundo da mina. Com eles aprendi o inexplicável valor da solidariedade e da verdadeira amizade, aquela que só os mais nobres corações sabem oferecer sem nada esperarem em troca.
Ah e aprendi também a ser grato na mais bela linguagem beirã. Bem hajam!
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Do Livro Histórias do Cota