Foto by José Coelho
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Já agora um pouco de história ainda que reduzida à dimensão dos meus humildes conhecimentos. Chamava-se à jorna o trabalho que era pago ao dia sem qualquer outro vínculo que não fosse apenas os dias e o ordenado ajustados pelas duas partes, trabalhador e patrão. Tanto podia ser um dia só como uma semana, ou duas, ou três, dependendo do tempo necessário para fazer o serviço. Normalmente eram tarefas exclusivamente agrícolas e sazonais. Cavar ou semear um quintal, uma horta ou uma vinha, arrancar ou recolher legumes, sachar um jardim ou uma belga de qualquer coisa, ceifar uma seara, gadanhar uma tapada...
Por sua vez os trabalhadores com vínculos mais duradouros recebiam ao mês não só o ordenado combinado com o patrão como também as comedias ajustadas. Não, não confundam com comédias. Eram mesmo comedías com acento agudo no i por se tratar de coisas de comer - géneros alimentares - que eram pagos juntamente com o ordenado e do qual faziam parte integrante. A estes assalariados permanentes chamava-se os "justos" e os ajustes destes homens eram apenas verbalmente firmados e aceites por ambas as partes, sendo tão ou mais respeitados do que são hoje os que se fazem por escrito. Tinham normalmente a duração de um ano que se iniciava e terminava de S. Pedro a S. Pedro, ou seja, de 29 de Junho do ano do ajuste a 28 de Junho do ano seguinte mas eram sucessivamente renovados por igual período de tempo enquanto as partes assim o quisessem. O meu avô José Lourenço e os meus tios maternos enquanto solteiros tiveram sempre esse vínculo de justos e assim se mantiveram assalariados por anos sucessivos, décadas até e quase sempre por conta do mesmo patrão.
Os ordenados eram pequenos porque cada lavrador pagava o menos que conseguia. Para compensar depois essas fracas pagas e serem capazes de manter por meses ou anos os guardadores dos gados, os ganhões do amanho das terras, os carreteiros das carretas de vacas e os carreiros dos carros de bestas, acresciam os ordenados das tais comedías que normalmente se compunham de um saco de centeio em grão para moagem e fabrico do pão - só os patrões comiam pão de trigo - uma almotolia com azeite, alguns litros de grão de bico ou de feijão frade - normalmente um alqueire - e dois ou três queijos secos. Sei isso porque eram essas as comedías que o meu avô trazia para casa no fim do mês, juntamente com a sua mesada de justo, no Matinho.
Logo no dia seguinte lá tinham que as mulheres ir de talêgo de centeio à cabeça a caminho dos moinhos no rio Sever para trazerem a farinha do pão que alimentava a família todo o mês seguinte. Curiosamente as pessoas eram aparentemente felizes e não faltava trabalho a ninguém um pouco por toda a parte. Bem diferente dos dias de hoje. Todas as casas em todos os lugares por mais ermos que fossem eram habitadas...
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Do Livro Histórias do Cota