Aos 07 de Março de 2015 nasce este blogue que tal como o seu antecessor TocadosCoelhos pretende apenas ser um ponto de encontro e de entretenimento pautando-se sempre pelas regras da isenção, da boa educação e do civismo em geral. Sejam bem-vindos.
quarta-feira, 31 de maio de 2023
terça-feira, 30 de maio de 2023
(sobre)Vivi...
segunda-feira, 29 de maio de 2023
Mineiro
Em 1975 as
Minas da Panasqueira pareciam ser no fim do mundo. Tinha de ir de autocarro da
Beirã até Portalegre. Ali mudava para outro que ia até Nisa. Em Nisa mudava
para outro que ia para Castelo Branco. Em Castelo Branco apanhava o comboio até
ao Fundão. No Fundão tinha de esperar pelo autocarro que ia para São Jorge da
Beira e fazia todas aquelas aldeias, passando na Barroca Grande onde estava
sedeada a empresa mineira inglesa Beralt Tin & Wolfram que suponho ainda
hoje detém aquela exploração mineira, embora mais reduzida.
Dez horas de viagem! Uma pessoa chegava lá mais moída que carne picada, mas valeu a pena. E como valeu! Foi o lugar onde mais gostei de estar em toda a minha vida porque as pessoas eram simplesmente fabulosas. O primo João Gaspar, a esposa Maria José e os seus dois rapazes, o António e o Zé Manel. O primo Antero, a esposa e as filhas. O José Mouro e toda a sua família. E muitos outros, tudo gente de bem e profundamente solidária que me receberam e acarinharam como se de mais um filho seu se tratasse.
Há coisas que nunca mais se esquecem na vida e favores que jamais conseguiremos retribuir, por mais anos que vivamos.
O trabalho era duro e arriscado. Mas esse pormenor era irrelevante perante o cenário que me trazia tudo quanto eu mais necessitava naquela altura. Estabilidade. Trabalho certo e bem remunerado, um vencimento mensal três vezes superior àquele que se praticava no concelho de Marvão, além da verdadeira amizade, camaradagem, solidariedade de toda aquela boa gente. Vivia plenamente feliz cada dia. Os mineiros eram uma enorme e imensa família e eu sentia-me como se lá tivesse vivido sempre.
Naquele tempo éramos mais de dois mil os trabalhadores da Beralt Tin & Wolfram, entre os mineiros que trabalhávamos no interior da terra, os operários da lavaria – mecanismo de lavagem dos minérios à boca da mina – os camionistas e maquinistas exteriores, os escriturários dos escritórios, os funcionários do hospital particular da empresa, do clube de recreio, das cozinhas e refeitórios e de toda a panóplia no apoio logístico que era um autêntico luxo, tendo em conta a precaridade de condições existentes noutra qualquer empresa nacional desse tempo. Os ingleses não brincavam em serviço e cuidavam primorosamente do bem-estar de todos os seus funcionários, desde o administrador da empresa até às senhoras das limpezas.
A mina e a lavaria laboravam 24 sobre 24 horas em 3 turnos rotativos de 8 horas. E todos fazíamos os 3 turnos à semana. Um, das zero às oito da manhã, outro das oito às dezasseis e outro das dezasseis às zero. Nas encostas envolventes da Barroca Grande tinham sido construídos um moderno hospital, uma igreja, uma escola, um clube recreativo com campo de futebol e ringue de patinagem, além de vários e excelentes bairros habitacionais onde residiam mais de quinhentas famílias dos mineiros. No vale adjacente foram implantados um refeitório self-service e quatro imensos dormitórios, cada um com vinte quartos, cada quarto com capacidade para quatro mineiros, tudo devidamente equipado com aquecimento central e instalações sanitárias individuais com duche de água quente para acomodar os mineiros que como eu lá não tinham a família, mas usufruíam na mesma maneira de todas as comodidades.
Até ao dia em que comecei a ser mineiro pensava que o trabalho mais duro que existia no mundo era o trabalho do campo onde cada camponês tem de levantar-se de madrugada e só se deita alta noite. Por tudo quanto conhecia dessa minha anterior vida, fiquei pasmado com a aspereza do trabalho mineiro, muito mais perigoso sujo e imprevisível do que qualquer serviço agrícola. Nas primeiras semanas quando laborava nas profundezas da terra a mais de três mil metros da boca da mina iluminado apenas pelo pequeno farol encaixado no capacete e alimentado por uma pilha presa ao cinto das calças, mais de uma vez senti o desconforto claustrofóbico de todos os principiantes mineiros no meio daquela humidade e escuridão, habituado que estava ao ar puro dos campos onde eu sempre vivera até então.
Comecei por ser ajudante de marteleiro na abertura de chaminés.
E o que eram essas chaminés?
Nada mais nada menos do que poços com 100 metros de altura, porque abertos de baixo para cima, afim de ligarem verticalmente as galerias do nível 3 às do nível 2 ou do nível 2 às do nível 1. As Minas da Panasqueira têm dezenas de quilómetros de galerias em níveis sobrepostos a cada 100 metros de profundidade, o que quer dizer que o nível 3 se encontra à profundidade vertical de 200 metros e cada um desses níveis tem depois uma imensa rede de galerias paralelas ligadas entre si que avançam serra adentro por mais de cinco quilómetros na horizontal.
Marcadas pelos topógrafos no local exato onde era preciso abrir a nova ligação ao “andar” de cima, começava por se abrir um buraco redondo no teto da galeria com um martelo pneumático vertical movido a ar comprimido. Depois de todos os buracos abertos com as brocas de 1,20m, eram carregados pelo marteleiro e por mim com velas de dinamite previamente preparadas com detonadores ligados entre si e cujo fio condutor ligávamos depois já longe da chaminé a um sistema elétrico central que a uma pré-determinada hora iria ser explodido por controle remoto.
Assim avançavam de baixo para cima, aqueles poços ao contrário.
À medida que íamos subindo em direção à galeria superior onde ia certeiramente terminar 100 metros mais acima, tínhamos de ir todos os dias chumbando à parede de um dos lados do poço as grades de aço com cremalheira lateral onde encaixava e subia metro a metro o elevador dobrável movido também a ar comprimido e onde levávamos sempre tudo de uma só vez. O martelo-compressor, as brocas, a grade para acrescentar o novo metro de ascensão ao elevador, a dinamite para depois carregarmos os novos furos, os detonadores e os fios elétricos para os armadilhar.
Cada equipa, em cada frente, trabalhava sempre e só no mesmo sector. Não havia misturas por questões óbvias de segurança.
O pequeno elevador era de plataforma redonda como a chaminé (ou poço) e com o diâmetro adequado para ir subindo sem problemas pelo buraco acima. Tinha um “chapéu” metálico tipo sombrinha que se abria e nos protegia dos calhaus que ficavam suspensos no rebentamento dos explosivos e se iam desprendendo do teto pela trepidação causada pelo elevador à medida que este ia subindo. O estrépido dos calhaus a baterem na chapa de ferro a um palmo das nossas cabeças era ensurdecedor. E atemorizante também, apesar de todo aquele equipamento ter sido pensado para proteger quem lá tinha de trabalhar.
Chegados lá acima, a primeira coisa que tínhamos de fazer era chumbar a nova grade do elevador para ele subir e nos aproximar mais do teto e podermos escombrar convenientemente as pedras ainda meio soltas até ficar só a rocha firme para furar de novo e voltar a carregar. Confesso que pensei algumas vezes que tendo-me “safo” no Maiombe, corria agora ali o risco de acabar os meus dias nas entranhas da terra. Pelo sim pelo não era meu hábito proteger sempre com o meu corpo as velas de dinamite e os detonadores debruçando-me sobre eles, não fosse alguma pedra ao soltar-se do teto, fazer ricochete na parede do poço e cair-lhes em cima, provocando o seu rebentamento.
O camarada marteleiro ria, ria, ria, divertidíssimo com os meus receios pois andava naquilo há 3 ou 4 anos e tratava as pedras, os explosivos e o perigo, por tu. Provavelmente por isso morreu, coitado! O excesso de confiança fez com que menosprezasse a sua segurança e pereceu esmagado debaixo de um bloco (liso) que se despegou subitamente do teto poucos meses depois de eu ter ingressado na GNR. O calhau era de tão grande dimensão que tiveram de usar explosivos para diminuírem o seu volume para conseguirem retirar os restos mortais do infeliz Zé Maria.
Não sendo por aí além muito frequentes, não deixam por isso de acontecer os acidentes fatais de vez em quando em todas as minas, tendo eu próprio presenciado alguns, nos cinco anos que por lá andei...
José Coelho in Histórias do Cota
A verdadeira amizade é para sempre
Para ler e aprender
Eram 10 horas da manhã quando um
turista entrou numa estação de metro de Estocolmo, capital da Suécia. O homem
ficou surpreendido com a ordem como as pessoas transitavam e respeitavam sinais
e placas. Mas o que mais chamou a sua atenção, foi que, na entrada para o
comboio, um dos acessos giratórios dava passagem livre e gratuita.
Intrigado, perguntou à encarregada da estação:
- Porque é aquele acesso livre?”
E ela respondeu:
- Aquela passagem é destinada a pessoas que não tenham dinheiro para pagar, alguém que tenha alguma emergência, que esqueceu a carteira em casa, ou que não tenha dinheiro em espécie naquele momento”.
Surpreendido, o turista perguntou:
- E o que acontece se uma pessoa tiver dinheiro e não quiser pagar?
A funcionária respondeu de pronto:
- Mas porque é que alguém faria isso? Qual seria o motivo?
O turista ficou em silêncio por alguns segundos sem se dar conta que não havia uma resposta. Atrás dele uma fila de gente ia pagando o bilhete e deixando o acesso da passagem livre, completamente vazio.
O turista entrou no comboio e ficou a pensar sobre como se comporta a sociedade de uma maneira geral. Uma das chaves para se ter um país desenvolvido são os valores dos seus cidadãos, sendo o mais importante deles, a honestidade.
Quando um povo é honesto, liberta-se. E ao transformar esse valor em algo natural, entra num estado de desenvolvimento superior. Por isso os países mais desenvolvidos são os que mais se preocupam com a educação e em formar cidadãos de bem.
O mundo transforma-se através de pequenas condutas, por isso uma sociedade formada de valores vai ter melhores cidadãos que a irão ajudar a prosperar. Neste mundo tão corrompido pelo poder, a honestidade e a honra passaram para segundo plano…
Você não precisa de dinheiro para ser uma boa pessoa, para ser pontual, para ser ético, digno. Gostar do que faz e ter uma boa conduta, custa zero. E com muito pouco se pode transformar o mundo. Nenhum legado é tão rico como a honestidade.
Autor desconhecido
domingo, 28 de maio de 2023
Ad Omnia Apt
Boa tarde, camaradas d’Armas no BCav3871 e meus estimados amigos. De coração cheio pelo nosso encontro de ontem em Alpalhão e depois de uma noite mal dormida - porque rever-vos a todos de novo, mexe muito, mesmo muito, comigo - quero aqui deixar algumas palavras de muita amizade, de muito apreço, de muito respeito e de consideração por todos vós.
Quando o camarada Torres ontem me
chamou para anunciar a todos vós quem seriam os organizadores do 50º
Aniversário do nosso regresso a casa no próximo ano, dei conta de alguns
comentários a interrogarem-se “quem é o Coelho?” e com razão, porque andei
desaparecido dos anteriores 47 convívios e só compareci pela primeira vez no
48º em Peniche, assim como ontem no 49º em Alpalhão.
Não para justificar, mas para
tentar explicar essa minha permanente ausência, publiquei em 31 de maio de 2022
nesta “nossa” Página FAMÍLIA FETOMAN um pequeno texto explicativo que alguns de
vós terão lido, outros provavelmente não e tem por título “Não é desculpa, é a
verdade”, entendo por isso não ser necessário voltar a repetir os mesmos
argumentos, deixando ao vosso critério acederem ou não a esse registo, se assim
o entenderem.
Fui assim ontem convidado a tomar
parte integrante na organização do 50º Aniversário em 2024 conjuntamente com o
Camarada do Pelotão das Transmissões da CCS Alberto Ramalho, convite que
aceitei sem hesitar, pronto a dar o meu melhor para que esse Dia Comemorativo seja
repleto do brilho e de toda a dignidade que merece na Casa-Mãe, o Regimento de
Cavalaria 3 em Estremoz.
A divisa do BCav3871 foi desde
1971, um dos principais incentivos na minha vida:
Ad Omnia Apti - Prontos para
tudo.
Ideias não faltarão, oxalá os
camaradas compareçam em força porque comemoraremos, 50 anos desta Amizade, desta
Fraternidade, mas, sobretudo, da Memória pelos que não voltaram connosco, pelos
que ainda estamos e pelos que tendo voltado connosco já não se encontram entre
nós.
Obrigado ao Adelino Torres pela
confiança que tudo farei por merecer, obrigado também à sua esposa pelo
incansável entusiasmo e sempre pronta colaboração, obrigado ao Fernando Pereira
e ao Manuel Lopes, espinhas dorsais desta fantástica união com meio século de
longevidade, obrigado ao Luís Pinto pela
excelência como ontem nos recebeu a todos na Tapada das Safras.
Propositadamente não fiz fotos,
porque estimo a todos e entendi não dar primazia a ninguém em especial. Família
é Família, do primeiro ao último e por isso todos merecem de igual modo a minha
enorme consideração.
Bem-hajam!
José Manuel
Lourenço Coelho
1º Cabo
Transmissões de Infª
CCS/BCav3871
Compromisso aceite e grato pela confiança
sexta-feira, 26 de maio de 2023
Aproveitando uma "aberta"...
Já choveu, já trovejou e agora que o sol espreitou, vamos lá aproveitar p'ra caminhar. Bora...
De festa em festa
quinta-feira, 25 de maio de 2023
Parabéns, Manel!
quarta-feira, 24 de maio de 2023
terça-feira, 23 de maio de 2023
Não é Alentejano quem quer
Palavra mágica que começa no
Além e termina no Tejo, o rio da portugalidade. O rio que divide e une Portugal
e que à semelhança do Homem Português, fugiu de Espanha à procura do mar.
O Alentejo molda o carácter de um homem. A
solidão e a quietude da planície dão-lhe a espiritualidade, a tranquilidade e a
paciência do monge; as amplitudes térmicas e a agressividade da charneca
dão-lhe a resistência física, a rusticidade, a coragem e o temperamento do guerreiro.
Não é alentejano quem quer. Ser alentejano não é um dote, é um dom. Não se
nasce alentejano, é-se alentejano.
Portugal nasceu no Norte mas foi no
Alentejo que se fez Homem. Guimarães é o berço da Nacionalidade, Évora é o
berço do Império Português. Não foi por acaso que D. João II se teve de
refugiar em Évora para descobrir a Índia. No meio das montanhas e das serras um
homem tem as vistas curtas; só no coração do Alentejo, um homem consegue ver ao
longe.
Mas foi preciso Bartolomeu Dias regressar
ao reino depois de dobrar o Cabo das Tormentas, sem conseguir chegar à Índia
para D. João II perceber que só o costado de um alentejano conseguia suportar
com o peso de um empreendimento daquele vulto. Aquilo que para o homem comum
fica muito longe, para um alentejano fica já ali. Para um alentejano não há
longe, nem distância porque só um alentejano percebe intuitivamente que a vida
não é uma corrida de velocidade, mas uma corrida de resistência onde a
tartaruga leva sempre a melhor sobre a lebre.
Foi, por esta razão, que D.
Manuel decidiu entregar a chefia da armada decisiva a Vasco da Gama. Mais de
dois anos no mar... E, quando regressou, ao perguntar-lhe se a Índia era longe,
Vasco da Gama respondeu: «Não, é já ali.». O fim do mundo, afinal, ficava ao
virar da esquina.
Para um alentejano, o caminho faz-se
caminhando e só é longe o sítio onde não se chega sem parar de andar. E Vasco
da Gama limitou-se a continuar a andar onde Bartolomeu Dias tinha parado. O
problema de Portugal é precisamente este: muitos Bartolomeu Dias e poucos Vasco
da Gama. Demasiada gente que não consegue terminar o que começa, que desiste
quando a glória está perto e o mais difícil já foi feito. Ou seja, muitos
portugueses e poucos alentejanos.
D. Nuno Álvares Pereira, aliás, já tinha
percebido isso. Caso contrário, não teria partido tão confiante para
Aljubarrota. D. Nuno sabia bem que uma batalha não se decide pela quantidade
mas pela qualidade dos combatentes. É certo que o Rei de Castela contava com um
poderoso exército composto por espanhóis e portugueses, mas o Mestre de Avis
tinha a vantagem de contar com meia-dúzia de alentejanos. Não se estranha,
assim, a resposta de D. Nuno aos seus irmãos, quando o tentaram convencer a
mudar de campo com o argumento da desproporção numérica: «Vocês são muitos? O
que é que isso interessa se os alentejanos estão do nosso lado?»
Mas os alentejanos não servem só as grandes
causas, nem servem só para as grandes guerras. Não há como um alentejano para
desfrutar plenamente dos mais simples prazeres da vida. Por isso, se diz que
Deus fez a mulher para ser a companheira do homem. Mas, depois, teve de fazer
os alentejanos para que as mulheres também tivessem algum prazer. Na cama e na
mesa, um alentejano nunca tem pressa. Daí a resposta de Eva a Adão quando este,
intrigado, lhe perguntou o que é que o alentejano tinha que ele não tinha: «Tem
tempo e tu tens pressa.» Quem anda sempre a correr, não chega a lado nenhum. E
muito menos ao coração de uma mulher. Andar a correr é um problema que os
alentejanos, graças a Deus, não têm. Até porque os alentejanos e o Alentejo
foram feitos ao sétimo dia, precisamente o dia que Deus tirou para descansar.
E até nas anedotas, os alentejanos revelam
a sua superioridade humana e intelectual. Os brancos contam anedotas dos
pretos, os brasileiros dos portugueses, os franceses dos argelinos... só os
alentejanos contam e inventam anedotas sobre si próprios. E divertem-se imenso
ao mesmo tempo que servem de espelho a quem as ouve.
Mas para que uma pessoa se ria de si
própria não basta ser ridícula porque ridículos todos somos. É necessário ter
sentido de humor. Só que isso é um extra só disponível nos seres humanos topo
de gama.
Não se confunda, no entanto, sentido de
humor com alarvice. O sentido de humor é um dom da inteligência; a alarvice é o
tique da gente bronca e mesquinha. Enquanto o alarve se diverte com as
desgraças alheias, quem tem sentido de humor ri-se de si próprio. Não há maior
honra do que ser objeto de uma boa gargalhada. O sentido de humor humaniza as
pessoas, enquanto a alarvice diminui-as. Se Hitler e Estaline se rissem de si
próprios, nunca teriam sido as bestas que foram.
E as anedotas alentejanas são autênticas
pérolas de humor: curtas, incisivas, inteligentes e desconcertantes, revelando
um sentido de observação, um sentido crítico e um poder de síntese notáveis.
Não resisto a contar a minha anedota
preferida. Num dia em que chovia muito, o revisor do comboio entrou numa
carruagem onde só havia um passageiro. Por sinal, um alentejano que estava todo
molhado, em virtude de estar sentado num lugar junto a uma janela aberta. «Ó
amigo, porque é que não fecha a janela?», perguntou-lhe o revisor.
«Isso queria eu, mas a janela está
estragada.», respondeu o alentejano. «Então porque é que não troca de lugar?»
«Eu trocar, trocava... Mas com quem?»
Como bom alentejano que me prezo de ser,
deixei o melhor para o fim. O Alentejo, como todos sabemos, é o único sítio do
mundo onde não é castigo uma pessoa ficar a pão e água. Água é aquilo por que
qualquer alentejano anseia. E o pão... Mas há melhor iguaria do que o pão
alentejano? O pão alentejano come-se com tudo e com nada. É aperitivo, refeição
e sobremesa. E é o único pão do mundo que não tem pressa de ser comido. É tão bom
no primeiro dia como no dia seguinte ou no fim da semana. Só quem come o pão
alentejano está habilitado para entender o mistério da fé. Comê-lo faz-nos
subir ao Céu!
É por tudo isto que, sempre que passeio
pela charneca numa noite quente de verão ou sinto no rosto o frio cortante das
manhãs de Inverno, dou graças a Deus por ser alentejano. Que maior bênção
poderia um homem almejar?
Vou mas éi comer a açorda que
tenho mais que fazer.
João Mário Caldeira - Professor de História
Angola, Março de 1972 - Junho de 1974
segunda-feira, 22 de maio de 2023
Em memória de um bom camarada e grande amigo
Todas as baixas do BCav3871 foram
dolorosas para os Cavaleiros do Maiombe. Todas. Porém houve uma delas que me
afetou muito particularmente. E nem sequer foi uma baixa em combate mas um
acidente de viação nas imediações de uma tranquila povoação chamada Dinge na
estrada que liga o Belize a Cabinda e relativamente afastada já da zona de
maior perigosidade na altura.
Como todos os seus antecessores foram sempre fazendo, também o Comando do nosso Batalhão quis ir melhorando as condições de conforto e de habitabilidade do aquartelamento para os seus militares. Para isso eram necessários materiais de construção, nomeadamente areias que se iam carregar a Lândana, uma pequena vila no litoral do enclave.
E foi numa dessas programadas viagens que me calhou, pela escala, o serviço de operador-rádio da coluna que iria escoltar as Berliet’s que transportariam a areia. Nenhuma patrulha ou escolta saía nunca à porta d’armas de qualquer quartel sem levar um operador de transmissões porque era esse o único elo possível de ligação à base, naquele cenário de permanentes conflitos.
Ao aperceber-se que ia haver uma saída para Lândana e que o operador de serviço à escolta era eu, o meu camarada e amigo Soldado Transmissões Luís Manuel Oliveira Borges, fazendo valer a boa amizade que nos unia, massacrou-me insistentemente a cabeça para o deixar ir no meu lugar.
Na vida civil o Borges era pescador da Afurada - Gaia. E a praia mais próxima do Belize ficava exatamente em Lândana, a cerca de 200 km. E naquele dia, não por minha expressa vontade mas pela escala de serviço, tocara-me a mim ser o operador-radio da coluna auto. As trocas de serviço eram permitidas em qualquer repartição, desde que por motivo justificado, depois de devidamente autorizadas.
O habitual era precisamente o contrário. Sendo eu o cabo mais antigo da equipa de Transmissões, era também quem ia muitas vezes de operador-rádio no lugar de qualquer um deles, pois éramos oito. Porque o camarada que estava escalado queria ir jogar futebol coisa que eu não apreciava, ou porque ia ser transmitido algum relato de jogo importante do Puto e a que eu também não ligava nada, ou por outra qualquer plausível razão, inúmeras vezes fui no lugar de todos eles, sem exceção.
E também assim, naquele dia, incapaz de ficar indiferente aos insistentes rogos do meu camarada pescador, até porque, sendo Alentejano raiano do lado oposto ao litoral português, gosto muito mais da serra do que do mar, lá fomos os dois ter com o nosso Alferes Amaral Dias que sem qualquer hesitação – como sempre, porque confiava em todos nós – autorizou imediatamente a troca de serviço.
E lá foi o camarada Borges matar
saudades do seu mar, tão contente, tão animado,
tão feliz! Em má hora o fez. Gravemente ferido quando a viatura em que seguia com
o radio capotou num aparatoso despiste nas imediações do Dinge, teve de ser
evacuado para Luanda por via aérea e dali para Lisboa. Não mais voltou ao
Maiombe e não mais nos voltámos a ver.
Consegui saber, anos mais tarde, que ele já não se encontrava entre nós, porque falecera de doença grave. Que descanse em paz na eterna glória.
Até hoje não compreendi as voltas que o destino de todos nós às vezes dá. O camarada Borges só queria matar saudades de algo que também amava. O oceano. Vê-lo, ouvi-lo, tocar-lhe, sentir o seu odor salgado, quiçá imaginando que a oito mil quilómetros de distância, na Afurada, os seus pais, algum dos seus três filhos ou a sua esposa, estariam também à beira-mar, com saudades iguais às que o atormentavam a ele…
José Coelho in Histórias do Cota
domingo, 21 de maio de 2023
Apanhados
sábado, 20 de maio de 2023
Boa noite, até amanhã. Fiquem bem...
"Que o amor cure. Que a vontade supere. Que a coragem resista. Que o medo desista. E que, apesar de tudo, a paz sempre prevaleça."
Tocam os sinos, na torre da igreja...
Eucaristia Vespertina da Ascensão do Senhor, seguida de Procissão das Velas em Honra da Virgem de Fátima, na Beirã. Venham daí...
Foto José Coelho - 20. 05. 2023
sexta-feira, 19 de maio de 2023
Recado
Amigo,
tu
que choras uma angústia qualquer
e
falas de coisas mansas como o luar
e
paradas
como
as águas de um lago adormecido,
acorda!
Deixa
de vez
as
margens do regato solitário
onde
te miras
como
se fosses a tua namorada.
Abandona
o jardim sem flores
desse
país inventado
onde
tu és o único habitante.
Deixa
os desejos sem rumo
de
barco ao deus-dará
e
esse ar de renúncia
às
coisas do mundo.
Acorda,
amigo,
liberta-te
dessa paz podre de milagre
que
existe
apenas
na tua imaginação.
Abre
os olhos e olha,
abre
os braços e luta!
Amigo,
antes
da morte vir
nasce
de vez para a vida.
Manuel
da Fonseca