Tapada da Lagem Alta -Beirã
Percorro, desde que me conheço, estas paisagens. A saltar paredes, a subir ou descer canchos, embrenhado pelos matagais de silvas e giestais na companhia do canto da passarada e do murmúrio do vento. É um mundo muito meu, capaz de apaziguar qualquer desassossego. Tudo o que por lá nos rodeia é harmonia, paz e natureza em estado puro, obra de arte única por nos oferecer em simultâneo música ao vivo, cores incríveis e odores divinos.
Na Primavera o amarelo vistoso das maias das giestas negrais ao desafio com a alvura das maias das giestas alveirinhas e das rendilhadas flores dos pilriteiros – por aqui mais conhecidos por carapeteiros – inundam o ambiente com o inebriante perfume que exalam e para o qual contribui também o abundante rosmaninho, associado a uma infindável variedade de lírios e de muitas outras flores silvestres.
Não há templo mais belo onde nos possamos sentir mais próximos do Criador e parte integrante do Universo.
Foi por aqui que os meus saudosos avós viveram e foram felizes, os meus queridos pais se conheceram e se uniram para o resto das suas vidas. Por estes campos a minha avó, mãe, tias e primas mondaram trigos, sacharam milhos, cantaram quando felizes ou choraram quando tristes, derramando neste chão as gotas do seu suor e cansaço, ou as lágrimas dos seus olhos quando magoados por alguma dor.
Foi por aqui que o meu avô, pai, tios e primos foram guardadores de rebanhos, lavraram a terra à força de braços com as charruas e arados puxados por juntas de bois ou parelhas de machos e mulas, semearam e colheram pão, frutos e legumes.
Estas paisagens fazem parte de mim como a minha pele. Por isso sou rústico como elas. Desde sempre e nos momentos mais complicados da minha vida me refugiei na sua benfazeja solidão em busca de paz de espírito, de equilíbrio emocional ou das respostas que só o seu silêncio consegue dar-nos.
Passei horas a caminhar sem destino por cabeços e vales, sem muitas vezes me dar sequer conta do passar do tempo. Outras vezes sentado no cimo de algum cancho a ouvir o pasto a estalar pela correria de algum assustadiço animal bravio dos muitos que desde que me conheço abundam por estas paragens.
Lá longe, na guerra, quando senti que podia não voltar para casa depois de ver tombados alguns camaradas, prometi a mim mesmo que, se voltasse, nunca mais de cá sairia. E quase cumpri a minha promessa. Assim que voltei – e darei graças até ao fim da minha vida – fui inúmeras vezes revisitar todos estes lugares para de novo deles desfrutar e matar saudades.
Só tive de ausentar-me de novo para poder cumprir a missão de chefe da família que entretanto constituí, já que por aqui não foi possível.
Mas voltava amiúde.
E assim que pude, regressei definitivamente e por cá continuo apesar de tudo estar hoje muito diferente, porque quase tudo a vida de cá levou. Entes queridos, bons vizinhos, até o quotidiano de outrora se extinguiu irreversivelmente.
Resta-me pouco mais do que as memórias. E aquele silêncio que antigamente só se “ouvia” nos locais ermos, invadiu as casas e as ruas por todos os povoados desta região e passou a residir dia e noite conosco. Ainda assim e no que depender de mim, é por aqui que desejo terminar os meus dias e continuar a deslumbrar-me com cada por do sol, a enternecer-me com o eterno trru-trru das rolas pela alvorada, a encantar-me com a ousadia dos melros, pintassilgos e outros alados “vizinhos” que teimam em encher de ninhos as árvores do nosso quintal sem receio de poderem ser incomodados.