sexta-feira, 5 de junho de 2020

Se...



Se podes conservar o teu bom senso e a calma,

num mundo a delirar, para quem o louco és tu.

Se podes crer em ti, com toda a força de alma,

quando ninguém te crê. Se vais faminto e nu,

trilhando sem revolta um rumo solitário.

Se à torva intolerância, à negra incompreensão,

tu podes responder, subindo o teu calvário,

com lágrimas de amor e bênçãos de perdão!

 

Se podes dizer bem de quem te calunia,

se dás ternura em troca aos que te dão rancor;

(Mas sem a afectação de um santo que oficia,

nem pretensões de sábio a dar lições de amor).

Se podes esperar, sem fatigar a esperança,

sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho.

Fazer do pensamento um arco de aliança,

entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho!

 

Se podes encarar com indiferença igual,

o triunfo e a derrota, eternos impostores.

Se podes ver o bem, oculto em todo o mal,

e resignar sorrindo, o amor dos teus amores.

Se podes resistir, à raiva e à vergonha,

de ver envenenar, as frases que disseste.

E que um velhaco emprega, eivadas de peçonha,

com falsas intenções, que tu jamais lhes deste!

 

 Se podes ver por terra, as obras que fizeste,

vaiadas por malsins, desorientando o povo.

E sem dizeres palavra, e sem um termo agreste,

voltares ao princípio, a construir de novo.

Se puderes obrigar o coração e os músculos,

a renovar um esforço há muito vacilante.

Quando no teu corpo, já eivado em crepúsculos,

só exista a vontade a comandar avante!

 

Se vivendo entre o povo, és virtuoso e nobre.

Se vivendo entre os reis, conservas a humildade.

Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre,

são iguais para ti, à luz da eternidade.

Se quem conta contigo, encontra mais do que conta.

Se podes empregar os sessenta segundos,

do minuto que passa, em obra de tal monta,

que o minuto se espraia em séculos fecundos!

 

Então, ó ser sublime, o mundo inteiro é teu!

Já dominaste os reis, os tempos, os espaços,

mas ainda para além, um novo sol rompeu,

abrindo o infinito ao rumo dos teus passos,

pairando numa esfera acima deste plano!

Sem receares jamais que os erros te retomem,

quando já nada houver em ti que seja humano,

alegra-te, meu filho, então serás um homem!

 

Rudyard Kipling