sexta-feira, 12 de junho de 2020

Tempo de recuperar afectos...

Liberdade! - Foto Pedro Coelho

Com as netas a encher a nossa Toca de luz e de contagiante alegria desde o princípio do mês, não tem sobrado tempo para escrita porque a prioridade mesmo tem sido recuperar do isolamento imposto a todas as famílias em cumprimento das restrições sanitárias por mor do Covid 19. As pequenitas respiram um alívio e felicidade totais depois de mais de dois meses sem poderem sair à rua, fartas de verem a toda a hora os semblantes preocupados e as conversas em surdina dos adultos sobre “o bicho” que anda à solta e escondido por todo o lado, contagiando pessoas e coisas. Por isso e para ele não entrar nas nossas casas, tivemos de ficar fechados muitos dias longe uns dos outros e sem nos podermos visitar nem dar abracinhos.

Depois, em casa dos avós, normalmente, as regras e horários são muito mais flexíveis, o que torna a estadia ainda mais saborosa e descontraída. Não há horários fixos para levantar nem para deitar, porque já basta ter de madrugar e deitar cedo em tempos normais de escola, para elas, e de trabalho, para os papás. Na casa dos avós cada um levanta-se quando acorda e raramente antes das nove da manhã, só se vai para a cama quando chega o sono e também raramente antes das onze da noite. Com as comidas, cada uma escolhe o que mais lhe apetece e gosta para o almoço ou para o jantar, além de muitos mimos extra, brincadeiras cúmplices, abracinhos e guloseimas, tudo à mistura.

Para os avós é igualmente uma bênção! O confinamento obrigatório foi algo inimaginável porque nunca conhecemos nada assim. E, se na aldeia, um espaço naturalmente protegido pelo escasso número de habitantes, casa sim, casa não, é mau, imagino na cidade entre quatro paredes sem quintais ou jardins onde espairecer ou apanhar algum sol e ar puro. Obviamente para as crianças foi ainda pior. Foi como cortar as asas aos passaritos habituados a voarem em liberdade de ramo em ramo. E aquelas famílias com os pais em teletrabalho e os filhos em teleescola todos em simultâneo, nem dá para imaginar…

Felizmente o pior parece já ir de vela e, embora ainda com mil cuidados e preceitos para cumprir, pudemos finalmente reunir para o almoço familiar da Páscoa em vésperas de Santo António. Curiosamente somos quase o número exacto – menos um – de convivas autorizado para as primeiras reuniões de grupo.  Como somos nove, ainda podia vir outro. Fartas de estar confinadas em casa, as netas decidiram, por sua exclusiva iniciativa, ficarem connosco na Toca, enquanto os papás foram cada um ao seu trabalho. A Francisca prometeu ficar cinco meses e a Mariana trinta dias. Já lá vão quinze e tem sido uma festa permanente, vamos ver como vai ser no próximo domingo quando os papás regressarem de novo a casa.

Esta Família herdou dos seus antepassados o gosto por reunir-se frequentemente e sempre que possível com todos os seus ramos. Bisavós e bisnetos, avós e netos, pais e filhos, irmãs e irmãos, cunhadas e cunhados, sobrinhas e sobrinhos, tios e primos. Muitas vezes nos juntámos à mesa mais de trinta. É seguramente a nossa mais valiosa herança, só que, infelizmente, cada vez vai sendo mais difícil de realizar, porque cada vez vamos sendo menos. E dos poucos que restamos, alguns tiveram de rumar a outras longínquas paragens em busca de melhores condições de vida para si e para os seus.

São, por isso, actualmente, menos concorridos os encontros, resumido-se a pequenos núcleos de cada um dos ramos desta velha árvore. Eu com os meus filhos, noras e netas, as minhas irmãs com os seus. Dos avós e tios maternos ou paternos pouco mais resta do que as suas queridas e inesquecíveis memórias, assim como tudo aquilo que de bom nos ensinaram e deixaram nesta herança imaterial que procuramos preservar e transmitir aos mais novos. Mas, com tudo o que de espantoso tem sucedido ultimamente, é impossível prever seja o que for.

Vamos por isso viver um dia de cada vez, procurar usufruí-lo o melhor que consigamos em união com os que amamos, vamos acreditar também que a nossa normalidade tão abruptamente interrompida vai regressar. Oxalá, entretanto, tenhamos compreendido melhor o que ou quem amamos verdadeiramente, o que ou quem mais conta nas nossas vidas, o que ou quem é de facto imprescindível para nosso equilíbrio físico e emocional. E, finalmente, que tenhamos ainda também entendido que nada é certo ou seguro, porque basta uma microscópica criação da Natureza para nos reduzir à nossa humana insignificância e fazer parar o mundo…

José Coelho
12.o6.2020