Liberdade! - Foto Pedro Coelho
Com
as netas a encher a nossa Toca de luz e de contagiante alegria desde o
princípio do mês, não tem sobrado tempo para escrita porque a prioridade mesmo tem
sido recuperar do isolamento imposto a todas as famílias em cumprimento das restrições
sanitárias por mor do Covid 19. As pequenitas respiram um alívio e felicidade totais
depois de mais de dois meses sem poderem sair à rua, fartas de verem a toda a
hora os semblantes preocupados e as conversas em surdina dos adultos sobre “o bicho”
que anda à solta e escondido por todo o lado, contagiando pessoas
e coisas. Por isso e para ele não entrar nas nossas casas, tivemos de ficar fechados muitos dias longe uns dos outros e sem nos podermos visitar nem dar abracinhos.
Depois,
em casa dos avós, normalmente, as regras e horários são muito mais flexíveis, o
que torna a estadia ainda mais saborosa e descontraída. Não há horários fixos
para levantar nem para deitar, porque já basta ter de madrugar e deitar cedo em
tempos normais de escola, para elas, e de trabalho, para os papás. Na casa dos avós cada um
levanta-se quando acorda e raramente antes das nove da manhã, só se vai para a cama
quando chega o sono e também raramente antes das onze da noite. Com as comidas, cada uma
escolhe o que mais lhe apetece e gosta para o almoço ou para o jantar, além de muitos
mimos extra, brincadeiras cúmplices, abracinhos e guloseimas, tudo à mistura.
Para
os avós é igualmente uma bênção! O confinamento obrigatório foi algo
inimaginável porque nunca conhecemos nada assim. E, se na aldeia, um espaço
naturalmente protegido pelo escasso número de habitantes, casa sim, casa não, é
mau, imagino na cidade entre quatro paredes sem quintais ou jardins onde
espairecer ou apanhar algum sol e ar puro. Obviamente para as crianças foi ainda
pior. Foi como cortar as asas aos passaritos habituados a voarem em liberdade
de ramo em ramo. E aquelas famílias com os pais em teletrabalho e os filhos em teleescola
todos em simultâneo, nem dá para imaginar…
Felizmente
o pior parece já ir de vela e, embora ainda com mil cuidados e preceitos para
cumprir, pudemos finalmente reunir para o almoço familiar da Páscoa em vésperas
de Santo António. Curiosamente somos quase o número exacto – menos um – de convivas
autorizado para as primeiras reuniões de grupo. Como somos nove, ainda podia vir outro. Fartas
de estar confinadas em casa, as netas decidiram, por sua exclusiva iniciativa, ficarem connosco na Toca, enquanto os papás foram cada um ao seu trabalho. A Francisca
prometeu ficar cinco meses e a Mariana trinta dias. Já lá vão quinze e tem sido
uma festa permanente, vamos ver como vai ser no próximo domingo quando os papás regressarem de novo a casa.
Esta Família herdou dos seus antepassados o gosto por reunir-se frequentemente e sempre
que possível com todos os seus ramos. Bisavós e bisnetos, avós e netos, pais e
filhos, irmãs e irmãos, cunhadas e cunhados, sobrinhas e sobrinhos, tios e
primos. Muitas vezes nos juntámos à mesa mais de trinta. É seguramente a nossa
mais valiosa herança, só que, infelizmente, cada vez vai sendo mais difícil de realizar,
porque cada vez vamos sendo menos. E dos poucos que restamos, alguns tiveram de
rumar a outras longínquas paragens em busca de melhores condições de vida para
si e para os seus.
São, por isso, actualmente, menos concorridos os encontros, resumido-se a pequenos
núcleos de cada um dos ramos desta velha árvore. Eu com os meus filhos, noras e
netas, as minhas irmãs com os seus. Dos avós e tios maternos ou paternos pouco
mais resta do que as suas queridas e inesquecíveis memórias, assim como tudo aquilo
que de bom nos ensinaram e deixaram nesta herança imaterial que procuramos
preservar e transmitir aos mais novos. Mas, com tudo o que de espantoso tem
sucedido ultimamente, é impossível prever seja o que for.
Vamos
por isso viver um dia de cada vez, procurar usufruí-lo o melhor que consigamos em
união com os que amamos, vamos acreditar também que a nossa normalidade tão
abruptamente interrompida vai regressar. Oxalá, entretanto, tenhamos compreendido
melhor o que ou quem amamos verdadeiramente, o que ou quem mais conta nas nossas vidas, o que ou quem é de facto imprescindível para nosso equilíbrio físico e emocional. E, finalmente, que tenhamos ainda também entendido que nada é certo ou seguro, porque basta uma microscópica criação da Natureza para nos reduzir à nossa humana insignificância e fazer parar o mundo…
José
Coelho
12.o6.2020