segunda-feira, 15 de junho de 2020

Coisas que li e gostei...


Por do sol na auto-estrada na zona de Vendas Novas 
 Foto José Coelho

Por vezes é preciso parar 

Aqueles que fazem a pausa-análise percebem que toda a sua vida, até àquele dia, foi passada caminhando pelos passos dos outros e pelas vontades dos outros. Percebem que aquela vida não foi (na sua maioria) escolhida por eles mas por uma sociedade que os rodeia

Há um momento na vida em que temos de parar. Um momento em que temos de largar todos os companheiros de estrada, libertarmo-nos de todos pesos e amarras, sentar calmamente e analisar a nossa vida e a nós próprios.

Desde muito cedo que seguimos caminhos já trilhados por outros, caminhos pré-definidos. Os caminhos da nossa vida encontram-se traçados, praticamente, desde o nascimento. Quatro meses após abrir os olhos para o mundo e a maior parte de nós já entrou na rotina. Começamos pelo berçário, infantário, pré-escola, primeiro, segundo e terceiro ciclos, ensino secundário e, se a tanto nos chegar a vontade, a universidade. Rotinas pré-definidas desde o início. Pelo meio surgirão alguns namorados e, quando a idade for aquela que é considerada adequada, surgirá um namorado que permanecerá na nossa vida mais tempo do que o habitual e seguiremos o caminho natural que é o casamento. A seu tempo surgirão a casa, os filhos, o carro, quem sabe até o cão. A completar este quadro está um emprego que, grande parte das vezes, é rotineiro. Um emprego e uma vida que nos fazem contar os dias que medeiam entre a segunda e a sexta-feira, os dias para o próximo feriado, os dias para as próximas férias, ou os dias para ser realmente feliz.

E, um dia, acordamos e pensamos que a vida não tem sido mais que uma vagarosa sucessão de dias: dias que decorrem lentamente à espera de um “ser feliz” que não acontece. Percebemos que a vida se está a tornar rapidamente insípida e sem cor. Percebemos que não sabemos bem quem somos — nem quem fomos. Não sabemos para onde vamos. E é nesse momento em que acordamos para a realidade que percebemos que parar é essencial. Parar para pensar, parar para analisar, parar para fazer o balanço do que tem sido a nossa vida, parar para nos encontrarmos ou, quem sabe, reencontrarmo-nos.

Algumas pessoas percebem essa necessidade à medida que vão atingido a maturidade. Outros há, porém, que nunca irão dar esse espaço para parar e, como tal, nunca irão dar espaço para encontrar o seu verdadeiro eu.

Aqueles que fazem a pausa-análise percebem que toda a sua vida, até àquele dia, foi passada caminhando pelos passos dos outros e pelas vontades dos outros. Percebem que aquela vida não foi (na sua maioria) escolhida por eles mas por uma sociedade que os rodeia. E é nessa tomada de consciência que muitas vezes as pessoas param e atiram uma vida de segurança pela janela, mudando radicalmente a sua existência. Mudam de emprego, divorciam-se, mudam de cidade ou até de país. Criam grandes alterações na sua vida, a nível pessoal, profissional ou a todos os níveis. Por isso a sociedade das regras, a sociedade dos caminhos trilhados e seguros considera, muitas vezes, que aquela pessoa enlouqueceu. Só a loucura poderia explicar esse acto de audácia e coragem! E poucos percebem que aquela pessoa não enlouqueceu. Poucos percebem que ela apenas decidiu parar (porque sentiu essa imperativa necessidade), para pensar e analisar a sua vida. E foi precisamente nesse momento que percebeu que não estava a viver a sua vida mas a vida que outros tinham pensado para ela. E revoltou-se contra esta situação. Decidiu oferecer-se tempo para pensar e tomar as atitudes necessárias a fim de se soltar dos pesos e amarras que lhe pesavam e começar a trabalhar, todos os dias, para ser feliz.

Tomada esta atitude, percebe-se que se adquiriu tempo e vontade para observar os caminhos que se quer seguir, as encruzilhadas que se poderá encontrar. Sabe-se que a vida foi tomada nas próprias mãos. A pessoa percebe que já não vive de acordo com as regras de uma sociedade bacoca mas de acordo com as suas próprias regras. Trilha caminhos desconhecidos. Só o poder de tomar esta decisão já lhe traz calma e felicidade. É serena. Não sabe se é feliz a 100% mas sabe que trabalha todos os dias para isso. Não se deixa cair na rotina e no marasmo.

A essa pessoa, e a todas aquelas que perceberam que é preciso parar, que tiveram a coragem de reflectir nesse momento de pausa e de mudar aquilo que não lhes fazia bem, apresento a minha maior admiração. Merecem a felicidade que possuem nas mãos.

Estefânia Barroso - 11/10/2017 - Jornal Público