domingo, 27 de maio de 2018

Excertos...

Almoçarada nas Amendoeiras com a família materna
onde estão todos os personagens desta "estória"

(...)

"Lembro-me como se fosse hoje daquele sôcho enorme coberto de piornos e xaras que fazia de cozinha e de sala de jantar onde comíamos castanhas secas cozidas em leite de cabra, uma perfeita delícia. E do outro sôcho mais pequeno onde dormíamos. Felicidade das felicidades, o meu tio e primos espanhóis tinham uma panóplia de animais amestrados que vinham comer à nossa mão e faziam parte da família! Uma cegonha que se chamava Adriana. Um corvo que se chamava Vicente. Um mocho que se chamava Carrilho. Não sei quantos gatos e cães. Rolas bravas. Cabras e cabritos. Era um paraíso para mim, tudo aquilo.

E foi quando me preparava para regressar a casa no fim de umas dessas férias que o meu tio Joaquin - que Deus o tenha - por ver que eu tinha tanto afeto à bicharada, foi buscar uma rolita nova que ainda quase nem voava e me a ofereceu dizendo:

 - Toma! Lheva-la contigo e toma-te cuenta della...

Louco de felicidade agarrei a rolita e apertei-a contra o peito dando pulos de alegria. Em seguida fui ter com o meu primo Raimundo que tinha lá ido buscar-me para me acompanhar no regresso a casa e mostrei-lhe o presente adorado exclamando no meu "portunhol":

 - Mira, mira, la rolita que tu padre me dió, qué bonita...

Qual não foi o meu espanto quando de repente a cabeça da rola tombou inerte. Estava morta. De tanta alegria e felicidade que senti, apertei com tanto carinho e tanta força a pobre ave que a sufoquei. Escusado seria dizer-vos que passei todo o caminho das  Gagas até às Amendoeiras a chorar desconsolado enquanto o Raimundo ria a bandeiras despregadas e repetia olhando-me divertidíssimo:

- Oooohhh! Mira, mira, la rolita tan bonita…

E ria como um desalmado. Ainda este ano em Agosto veio de novo visitar-me como faz regularmente todos os anos há décadas e voltou a falar disso com o riso do costume: 

- Pobrecita la rolita Rosémanué...

É caso para dizer como diz o ditado:

Tanto bem quer o diabo à mãe, que lhe tira os olhos!"

(...)

Do livro Histórias do Cota