Almoçarada nas Amendoeiras com a família materna
onde estão todos os personagens desta "estória"
(...)
"Lembro-me
como se fosse hoje daquele sôcho enorme coberto de piornos e xaras que fazia de
cozinha e de sala de jantar onde comíamos castanhas secas cozidas em leite de
cabra, uma perfeita delícia. E do outro sôcho mais pequeno onde dormíamos. Felicidade
das felicidades, o meu tio e primos espanhóis tinham uma panóplia de animais
amestrados que vinham comer à nossa mão e faziam parte da família! Uma cegonha
que se chamava Adriana. Um corvo que se chamava Vicente. Um mocho que se
chamava Carrilho. Não sei quantos gatos e cães. Rolas bravas. Cabras e cabritos.
Era um paraíso para mim, tudo aquilo.
E
foi quando me preparava para regressar a casa no fim de umas dessas férias que
o meu tio Joaquin - que Deus o tenha - por ver que eu tinha tanto afeto à bicharada, foi
buscar uma rolita nova que ainda quase nem voava e me a ofereceu dizendo:
- Toma! Lheva-la contigo e toma-te cuenta della...
Louco
de felicidade agarrei a rolita e apertei-a contra o peito dando pulos de
alegria. Em seguida fui ter com o meu primo Raimundo que tinha lá ido buscar-me
para me acompanhar no regresso a casa e mostrei-lhe o presente adorado exclamando
no meu "portunhol":
- Mira, mira, la rolita que tu padre me dió, qué bonita...
Qual
não foi o meu espanto quando de repente a cabeça da rola tombou inerte. Estava morta. De
tanta alegria e felicidade que senti, apertei com tanto carinho e tanta força a pobre
ave que a sufoquei. Escusado seria dizer-vos que passei todo o caminho das Gagas até às
Amendoeiras a chorar desconsolado enquanto o Raimundo ria a bandeiras
despregadas e repetia olhando-me divertidíssimo:
-
Oooohhh! Mira, mira, la rolita tan bonita…
E
ria como um desalmado. Ainda este ano em Agosto veio de novo visitar-me como faz regularmente todos os anos há décadas e voltou a falar disso com
o riso do costume:
- Pobrecita la rolita Rosémanué...
É caso para dizer como diz o ditado:
Tanto
bem quer o diabo à mãe, que lhe tira os olhos!"
(...)
Do livro Histórias do Cota