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(...)
E
foi num desses dias que, não sei como nem porquê, se partiu inesperadamente a
ponte em titânio “inquebrável” dos meus óculos. A gente só se apercebe da falta
que essas coisas nos fazem quando ficamos sem elas. E assim me aconteceu a mim, que
pareço logo um cegueta sem o dito cujo acessório. Ou não transportasse em
mim os malandros genes da geração Lourenço, quase todos a braços com sérios
problemas de falta de visão.
Fiquei pois sem conseguir enxergar nada! Nem as letras do jornal, nem as do computador
ou os números do telemóvel. E em Setúbal nenhuma óptica tinha a marca daquelas
armações caríssimas todas xpto porque dinamarquesas, no tal titânio que segundo a
publicidade que lhes é feita para justificar o elevado preço as apelida de
inquebráveis, quase à prova de bomba.
Por conseguinte, não havia também em nenhuma
óptica da capital do Sado os acessórios para substituir aquele que se partira.
Eis senão quando um excelente amigo dos Caçulas que trabalha nos Restauradores, sabendo que no dia seguinte iríamos a Santa Maria, nos indicou uma óptica onde
talvez me resolvessem o problema.
Assim
fizemos. Mal nos despachámos da consulta médica rumámos à baixa pombalina onde sem
grande dificuldade encontrámos a casa indicada. Começámos logo por ser impecavelmente
atendidos. Posto em seguida o problema, prontamente foi resolvido, uma vez que,
ali sim, trabalhavam também com a tal marca de fabrico dinamarquês. Foi só
mesmo esperar o tempo necessário para substituir a ponte partida por outra nova.
Trabalho
executado paguei, obviamente aliviado já de novo “equipado” com os "quatro
olhos" e muitíssimo satisfeito, pois faziam-me mais falta os óculos na
cara do que as notas na carteira.
Entretanto,
o senhor que tão impecavelmente me atendeu, informou-me ainda cordialmente que os óculos eram mesmo
de titânio supostamente inquebrável e não uma cópia fatela, ou uma falsificação, como eu
estava a suspeitar, e que, por serem daquela prestigiadíssima marca, ia enviar a
peça partida para a fábrica na Dinamarca. Mais disse ainda que provavelmente eles iriam reenviar-lhe
gratuitamente a peça para substituição. Logo que tal se verificasse, ele iria devolver-me o montante
que eu acabara de liquidar. E, para esse efeito, solicitou-me o meu contacto
telefónico bem como o endereço postal dos quais tomou a devida nota.
Passaram-se
3 meses. Nunca mais eu me lembrei de tal coisa até ao dia em que através de
chamada telefónica o senhor da óptica de quem eu nem sabia sequer o nome – e
agora sei porque vinha no cheque – pediu a confirmação dos meus dados a fim de
emitir o cheque com o valor a devolver, tal como tinha previsto e prometido.
Nos
tempos que correm, em meu entender, tal atitude é uma completa excepção à regra!
Jamais eu pensei que alguma vez aquele dinheiro me iria ser devolvido, não só
pela raridade da situação, como também pelo facto de os intervenientes não se
conhecerem de lado nenhum, pois que, se não fosse a necessidade de consertar um
par de óculos, nunca se teriam cruzado nas suas vidas.
São
estes louváveis e extremamente belos comportamentos humanos que me surpreendem pela
positiva e me fazem gostar de ser gente
porque acredito sinceramente que haverá mais pessoas com
esta lisura de carácter e indescritível idoneidade, merecedoras por isso da nossa confiança
e do mais profundo respeito.
Fiquei tão sensibilizado que no minuto seguinte estava a escrever àquele
ilustre senhor para lhe agradecer o seu honrado gesto, muito mais valioso para mim do que propriamente o montante do cheque, apesar de não ser assim uma quantia tão
pequena, tão pequena, que a tornasse insignificante. Eram umas dezenas de
euros.
(...)
Do livro Histórias do Cota
Post
Scriptum:
Isto
aconteceu e foi escrito há já mais de dez anos. Eu e o Ivo – é como se chama o Exmº
Senhor – somos dois amigos que se estimam e respeitam mutuamente desde aquela
data até hoje.