quarta-feira, 30 de maio de 2018

Excertos...

Imagem copiada do Google


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E foi num desses dias que, não sei como nem porquê, se partiu inesperadamente a ponte em titânio “inquebrável” dos meus óculos. A gente só se apercebe da falta que essas coisas nos fazem quando ficamos sem elas. E assim me aconteceu a mim, que pareço logo um cegueta sem o dito cujo acessório. Ou não transportasse em mim os malandros genes da geração Lourenço, quase todos a braços com sérios problemas de falta de visão.

Fiquei pois sem conseguir enxergar nada! Nem as letras do jornal, nem as do computador ou os números do telemóvel. E em Setúbal nenhuma óptica tinha a marca daquelas armações caríssimas todas xpto porque dinamarquesas, no tal titânio que segundo a publicidade que lhes é feita para justificar o elevado preço as apelida de inquebráveis, quase à prova de bomba. 

Por conseguinte, não havia também em nenhuma óptica da capital do Sado os acessórios para substituir aquele que se partira. Eis senão quando um excelente amigo dos Caçulas que trabalha nos Restauradores, sabendo que no dia seguinte iríamos a Santa Maria, nos indicou uma óptica onde talvez me resolvessem o problema.

Assim fizemos. Mal nos despachámos da consulta médica rumámos à baixa pombalina onde sem grande dificuldade encontrámos a casa indicada. Começámos logo por ser impecavelmente atendidos. Posto em seguida o problema, prontamente foi resolvido, uma vez que, ali sim, trabalhavam também com a tal marca de fabrico dinamarquês. Foi só mesmo esperar o tempo necessário para substituir a ponte partida por outra nova.

Trabalho executado paguei, obviamente aliviado já de novo “equipado” com os "quatro olhos" e muitíssimo satisfeito, pois faziam-me mais falta os óculos na cara do que as notas na carteira.

Entretanto, o senhor que tão impecavelmente me atendeu, informou-me ainda cordialmente que os óculos eram mesmo de titânio supostamente inquebrável e não uma cópia fatela, ou uma falsificação, como eu estava a suspeitar, e que, por serem daquela prestigiadíssima marca, ia enviar a peça partida para a fábrica na Dinamarca. Mais disse ainda que provavelmente eles iriam reenviar-lhe gratuitamente a peça para substituição. Logo que tal se verificasse, ele iria devolver-me o montante que eu acabara de liquidar. E, para esse efeito, solicitou-me o meu contacto telefónico bem como o endereço postal dos quais tomou a devida nota.

Passaram-se 3 meses. Nunca mais eu me lembrei de tal coisa até ao dia em que através de chamada telefónica o senhor da óptica de quem eu nem sabia sequer o nome – e agora sei porque vinha no cheque – pediu a confirmação dos meus dados a fim de emitir o cheque com o valor a devolver, tal como tinha previsto e prometido.

Nos tempos que correm, em meu entender, tal atitude é uma completa excepção à regra! Jamais eu pensei que alguma vez aquele dinheiro me iria ser devolvido, não só pela raridade da situação, como também pelo facto de os intervenientes não se conhecerem de lado nenhum, pois que, se não fosse a necessidade de consertar um par de óculos, nunca se teriam cruzado nas suas vidas.

São estes louváveis e extremamente belos comportamentos humanos que me surpreendem pela positiva e me fazem gostar de ser gente porque acredito sinceramente que haverá mais pessoas com  esta lisura de carácter e indescritível idoneidade, merecedoras por isso da nossa confiança e do mais profundo respeito.

Fiquei tão sensibilizado que no minuto seguinte estava a escrever àquele ilustre senhor para lhe agradecer o seu honrado gesto, muito mais valioso para mim do que propriamente o montante do cheque, apesar de não ser assim uma quantia tão pequena, tão pequena, que a tornasse insignificante. Eram umas dezenas de euros.


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                                                                           Do livro Histórias do Cota

Post Scriptum: 
Isto aconteceu e foi escrito há já mais de dez anos. Eu e o Ivo – é como se chama o Exmº Senhor – somos dois amigos que se estimam e respeitam mutuamente desde aquela data até hoje.