segunda-feira, 21 de maio de 2018

Excertos...

O comboio TER numa foto de Paulo Ferreira


(...) 

O elegante comboio azul TER chegou por fim à estação de Castelo de Vide, a penúltima antes da Beirã. Faltava um quarto para as onze. A paisagem tão querida e tão familiar começou a desenrolar-se diante dos meus extasiados olhos. Que delícia! Que saudades eu tivera das minhas pedras, dos meus sobreiros e giestas, daquele aroma cálido e perfumado dos campos secos do início do verão, longe do húmido, pegajoso e interminável verde, da floresta tropical.

Parecia ainda quase um sonho mas ali estava Castelo de Vide de um lado da linha e do outro os canchais pontilhados de carvalhos, sobreiros, oliveiras, hortas e casas brancas isoladas, aqui e além.
Era mesmo verdade. Ia no comboio que me levava finalmente para casa, para junto de todos os entes queridos e sem aquele habitual aperto no peito causado pela expectativa de ouvir tiros ou explosões a qualquer instante. Tudo isso ficara definitivamente para trás.

Passámos a Ponte das Águas e mais além avistei o Monte da Broca, com a grande e cuidada horta do meu pai.

Ufff…

Ainda hoje me arrepio com essa recordação!

Logo a seguir o campo da bola e a passagem de nível do Penedo da Rainha. E ele lá vinha, quase a correr pela estrada do Pereiro antes da passagem de nível. O meu pai! E a porra da janela do comboio que não abria! O comboio era climatizado por isso as janelas eram de vidros fixos! Fiz-lhe adeus. Ele viu-me, conheceu-me e fez-me adeus também. Depois de tanto tempo. Depois de ter temido tantas vezes não voltar a abraçá-lo.

Finalmente a estação da Beirã e uma dúzia de braços abertos correram para mim, gritos, risos, lágrimas, soluços, beijos e longos, apertados abraços. Manas, tias, primos, vizinhos, amigos. Tanta gente à minha espera…

Pouco depois, especado à porta da nossa casa e ofegante ainda da correria desde a horta, aguardava-me, lavado em lágrimas, o meu velho amigo e querido Pai.

- Até que enfim estás em casa, filho! Graças a Deus…

E ali ficámos fortemente abraçados um ao outro a soluçar como duas madalenas arrependidas, como se ainda receássemos que fosse mentira. 

(…)


Do livro Histórias do Cota