O comboio TER numa foto de Paulo Ferreira
(...)
O
elegante comboio azul TER chegou por fim à estação de Castelo de Vide, a
penúltima antes da Beirã. Faltava um quarto para as onze. A paisagem tão
querida e tão familiar começou a desenrolar-se diante dos meus extasiados
olhos. Que delícia! Que saudades eu tivera das minhas pedras, dos meus
sobreiros e giestas, daquele aroma cálido e perfumado dos campos secos do
início do verão, longe do húmido, pegajoso e interminável verde, da floresta
tropical.
Parecia
ainda quase um sonho mas ali estava Castelo de Vide de um lado da linha e do
outro os canchais pontilhados de carvalhos, sobreiros, oliveiras, hortas e
casas brancas isoladas, aqui e além.
Era
mesmo verdade. Ia no comboio que me levava finalmente para casa, para junto de
todos os entes queridos e sem aquele habitual aperto no peito causado pela
expectativa de ouvir tiros ou explosões a qualquer instante. Tudo isso ficara
definitivamente para trás.
Passámos a Ponte das Águas e mais além avistei o Monte da Broca, com a grande e cuidada horta do meu pai.
Ufff…
Ainda
hoje me arrepio com essa recordação!
Logo
a seguir o campo da bola e a passagem de nível do Penedo da Rainha. E ele lá
vinha, quase a correr pela estrada do Pereiro antes da passagem de nível. O meu
pai! E a porra da janela do comboio que não abria! O comboio era climatizado
por isso as janelas eram de vidros fixos! Fiz-lhe adeus. Ele viu-me,
conheceu-me e fez-me adeus também. Depois de tanto tempo. Depois de ter temido
tantas vezes não voltar a abraçá-lo.
Finalmente
a estação da Beirã e uma dúzia de braços abertos correram para mim, gritos,
risos, lágrimas, soluços, beijos e longos, apertados abraços. Manas, tias,
primos, vizinhos, amigos. Tanta gente à minha espera…
Pouco
depois, especado à porta da nossa casa e ofegante ainda da correria desde a
horta, aguardava-me, lavado em lágrimas, o meu velho amigo e querido Pai.
-
Até que enfim estás em casa, filho! Graças a Deus…
E
ali ficámos fortemente abraçados um ao outro a soluçar como duas madalenas
arrependidas, como se ainda receássemos que fosse mentira.
(…)
Do livro Histórias do Cota