quinta-feira, 31 de maio de 2018

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Excertos...

Imagem copiada do Google


(...)

E foi num desses dias que, não sei como nem porquê, se partiu inesperadamente a ponte em titânio “inquebrável” dos meus óculos. A gente só se apercebe da falta que essas coisas nos fazem quando ficamos sem elas. E assim me aconteceu a mim, que pareço logo um cegueta sem o dito cujo acessório. Ou não transportasse em mim os malandros genes da geração Lourenço, quase todos a braços com sérios problemas de falta de visão.

Fiquei pois sem conseguir enxergar nada! Nem as letras do jornal, nem as do computador ou os números do telemóvel. E em Setúbal nenhuma óptica tinha a marca daquelas armações caríssimas todas xpto porque dinamarquesas, no tal titânio que segundo a publicidade que lhes é feita para justificar o elevado preço as apelida de inquebráveis, quase à prova de bomba. 

Por conseguinte, não havia também em nenhuma óptica da capital do Sado os acessórios para substituir aquele que se partira. Eis senão quando um excelente amigo dos Caçulas que trabalha nos Restauradores, sabendo que no dia seguinte iríamos a Santa Maria, nos indicou uma óptica onde talvez me resolvessem o problema.

Assim fizemos. Mal nos despachámos da consulta médica rumámos à baixa pombalina onde sem grande dificuldade encontrámos a casa indicada. Começámos logo por ser impecavelmente atendidos. Posto em seguida o problema, prontamente foi resolvido, uma vez que, ali sim, trabalhavam também com a tal marca de fabrico dinamarquês. Foi só mesmo esperar o tempo necessário para substituir a ponte partida por outra nova.

Trabalho executado paguei, obviamente aliviado já de novo “equipado” com os "quatro olhos" e muitíssimo satisfeito, pois faziam-me mais falta os óculos na cara do que as notas na carteira.

Entretanto, o senhor que tão impecavelmente me atendeu, informou-me ainda cordialmente que os óculos eram mesmo de titânio supostamente inquebrável e não uma cópia fatela, ou uma falsificação, como eu estava a suspeitar, e que, por serem daquela prestigiadíssima marca, ia enviar a peça partida para a fábrica na Dinamarca. Mais disse ainda que provavelmente eles iriam reenviar-lhe gratuitamente a peça para substituição. Logo que tal se verificasse, ele iria devolver-me o montante que eu acabara de liquidar. E, para esse efeito, solicitou-me o meu contacto telefónico bem como o endereço postal dos quais tomou a devida nota.

Passaram-se 3 meses. Nunca mais eu me lembrei de tal coisa até ao dia em que através de chamada telefónica o senhor da óptica de quem eu nem sabia sequer o nome – e agora sei porque vinha no cheque – pediu a confirmação dos meus dados a fim de emitir o cheque com o valor a devolver, tal como tinha previsto e prometido.

Nos tempos que correm, em meu entender, tal atitude é uma completa excepção à regra! Jamais eu pensei que alguma vez aquele dinheiro me iria ser devolvido, não só pela raridade da situação, como também pelo facto de os intervenientes não se conhecerem de lado nenhum, pois que, se não fosse a necessidade de consertar um par de óculos, nunca se teriam cruzado nas suas vidas.

São estes louváveis e extremamente belos comportamentos humanos que me surpreendem pela positiva e me fazem gostar de ser gente porque acredito sinceramente que haverá mais pessoas com  esta lisura de carácter e indescritível idoneidade, merecedoras por isso da nossa confiança e do mais profundo respeito.

Fiquei tão sensibilizado que no minuto seguinte estava a escrever àquele ilustre senhor para lhe agradecer o seu honrado gesto, muito mais valioso para mim do que propriamente o montante do cheque, apesar de não ser assim uma quantia tão pequena, tão pequena, que a tornasse insignificante. Eram umas dezenas de euros.


(...)

                                                                           Do livro Histórias do Cota

Post Scriptum: 
Isto aconteceu e foi escrito há já mais de dez anos. Eu e o Ivo – é como se chama o Exmº Senhor – somos dois amigos que se estimam e respeitam mutuamente desde aquela data até hoje.

terça-feira, 29 de maio de 2018

Ainda que já um pouco atrasados, votos de boa semana...

O painel de azulejos pintado à mão do nosso alpendre.

Trovoada...

Foto by José Coelho

Já sabia que se aproximava a "tormenta" como lhe chamava a minha avó Amélia. Quem nasceu e viveu sempre no campo sabe interpretar os inconfundíveis sinais da natureza. Aprendi com o meu avô Zé Lourenço exímio mestre, mas também com o meu pai, outro mestre não menos exímio que o seu bondoso sogro. Qual dos dois amei mais e de qual dos dois tenho mais saudades, nem eu sei. Espero bem voltar a encontrá-los um dia e que seja para nunca mais nos separarmos.

A manhã de hoje até começou cálida e serena. Mas com o aproximar do meio dia grossos limbos negros de nuvens começaram a surgir na linha do horizonte vindos do lado da Lagem Alta. E em surdina, ainda longínquo, o resmungar de trovões. Sempre tive um profundo respeito (mais medo que respeito) por essa manifestação tonitroante dos fenómenos elétricos que depois de se degladiarem nos céus se precipitam sobre a terra na forma de potentes e destruidores raios.

O sinal mais evidente da sua aproximação é o silêncio que se instala repentinamente ao nosso redor. Só se ouve o murmúrio do vento nos ramos das árvores porque até os melros e a outra passarada se calam subitamente, buscando cada um, cautelosos, o abrigo das copas mais densas de folhas. É espantoso como todos os seres vivos pressentem o perigo e tentam proteger-se. Não é para menos, porque além dos relâmpagos e trovões, estas tempestades trazem no seu ventre muitas vezes o pedrisco que tudo "esnoca" e derruba.

Coitada da mãe verdelhão que fez ninho na nossa latada e tenho tentado ajudar como posso. Primeiro foi a pedriscada que caiu na outra semana e quase "despiu" de parras os renovos que cobriam o ninho. Depois, a semana passada, um pé de vento que tombou a parreira e quase despejou os ovos para o canteiro. Só não se concretizou o colapso porque eu vi na hora e corri em busca de ráfia para a endireitar e prender, o que safou o ninho.

Por isso hoje, mal começou a dita-cuja, assentei arraial na varanda qual bombeiro pronto a acudir àqueles fragilizados amigos em caso de necessidade. Aproveitei para ir batendo umas fotos entre as quais escolhi a que ilustra este escrito. Do abrigado alpendre avista-se toda a região norte e nordeste da freguesia, aquela onde nasceu a minha mãe e todos os seus sete irmãos e irmãs, meus tios. E a Cavalinha, onde era (e ainda é) a casa dos meus avós.  

É um privilégio sem tamanho avistar tudo o que foi o chão dos meus entes queridos, os lugares onde cresci e fui muito amado por todos eles. Sem querer veio-me à lembrança a trovoada que me fez perder o meu primeiro emprego de pastor do rebanho de ovelhas do tio José Maroco, que Deus tem. Era Maio, duas da tarde, estava sozinho com o rebanho no Monte Velho quando se desencadeou uma pavorosa trovoada bem mais assustadora que a de hoje.

Tentei dominar o medo e afastei-me dos altos sobreiros como me aconselhou sempre o meu avô. Começou a chover a cântaros e as ovelhas abrigaram-se em redor de um pedregulho côncavo. E eu, à falta de melhor companhia, fui para junto delas. Subitamente o estampido ensurdecedor de uma faísca a cair num velho sobreiro do caminho a poucos metros de mim seguido de um portentoso trovão. Foi demais para a minha ousadia. Ainda o sobreiro fumegava e já eu tocava o rebanho caminho abaixo em direção à Beirã.

Cheguei ao bardo e fechei as ovelhas lá dentro, antes das três da tarde. A seguir corri apavorado para casa, de onde não mais saí esse dia. Os meus pais não deram por nada porque estavam a trabalhar também no campo e só regressaram à noite. A trovoada passou e o sol da tarde voltou. E o tio José Maroco foi dar com as ovelhas fechadas no bardo a meio da tarde. No dia seguinte quando manhã cedo me apresentei no posto de trabalho, lá estava ele à minha espera:

- Então Zé Manel, o que se passou ontem para "ensarrares" as ovelhas quase ao meio dia? Perguntou-me.

- Tive medo da trovoada e fugi. Respondi-lhe com verdade.

- Ai sim? Então e fugiste para onde? Voltou a perguntar o tio José Maroco com cara de poucos amigos.

- Fugi para a minha casa!

- Ai fugiste? Então é para a tua casa que vais voltar agora mesmo porque já não te quero para  pastor das minhas ovelhas. 

- E diz ao teu pai que eu depois falo com ele.

A trovoada de hoje também já passou e sem grande alarido. Mas serviu ao menos para trazer-me de volta grandes lembranças. Muito maiores que o medo...

PS
Esqueci-me de vos dizer: Foi em Maio de 1963 e tinha só 11 anos!

Recordando coisas q'escrevi no extinto TocadosCoelhos ...

Foto by José Coelho



 O resto é (mesmo) paisagem...

Ao sobrevoar, há dias, os céus de Lisboa e tendo a sorte de ocupar um lugar junto a uma vigia da aeronave, tive o raro privilégio, dada a luminosidade daquela esplêndida manhã, de desfrutar da magnífica paisagem que se vislumbra lá do alto, enquanto ganhávamos altitude na nossa rota rumo ao Funchal.

E não pude deixar de compreender, assim de uma assentada só e sem mais explicações, porque é que o meu concelho de Marvão e as suas aldeias estão semi-vazias de gente, com inúmeras casas fechadas e sem perspectivas de futuro. Não vale a pena tapar o sol com a peneira.

Falo de Marvão que é o profundo Portugal onde moro, mas sei que toda a faixa interior que vai de Bragança a Vila Real de Santo António enferma do mesmo mal.

E porquê? Fácil!

Porque, de Abrantes até ao Oceano Atlântico, as vilas e cidades pegam quase umas nas outras e é visto assim, lá do alto, que isso melhor se percebe. Daquela janelita do avião, parecia uma só cidade, até onde o meu olhar alcançava, numa extensão incalculável de litoral, até que por fim a altitude não permitiu que se vislumbrasse mais do que um maravilhoso e único tapete de nuvens brancas e aparentemente fofas como algodão, mesmo por baixo de nós.

É completamente impensável já reverter tal situação. Somos poucos por cá já hoje. Seremos cada vez menos, não o duvido, no futuro. Vão restando alguns jovens resistentes e os reformados como eu que dão ainda alguma vida às aldeias e criam alguns empregos nessa nova indústria que são os lares e centros de dia. Quando forem actualizados os censos, aposto que seremos menos 30 ou 40% de cidadãos marvanenses, do que os contabilizados na última vez...

No litoral, pelo contrário, há demasiada gente. Mas ali há também oferta de quase tudo o que as famílias necessitam. Eu próprio já pouco conto com os meios daqui. Quase tudo o que preciso ali encontro com precisão, eficiência e rapidez e está à distância de duas horas de viagem no meu velhinho Corsa. Chatices para quê? Bairrismo? Uma ova! Isso era dantes.

Na terra do bom viver, faz sempre o que vires fazer. E eu assim faço mesmo. Santos de casa não fazem milagres e os de Marvão então, é um descalabro. Uma vergonha. Aqui só se cuida e trata bem quem de cá não é. Turistas? Não! Modernices...

Um dos meus filhos já se foi de vez e diz sem papas na língua que não quer para cá voltar. O outro, não sei bem ainda, mas provavelmente seguirá o mesmo caminho, porque aqui só nos conhecem e dão alguma atenção em época de eleições. Passados os votos... Quem és tu?

Uma vergonha. Porém se calhar também só temos o que merecemos, porque continuamos estupidamente a votar neles. E resmungamos, resmungamos, mas lá vamos andando e achando que talvez as coisas mudem ou melhorem...

Porém, velho que também já vou sendo, já deduzi há algum tempo que o melhor é esperarmos sentados, para não cansar tanto as pernas!

E, cada vez mais, aquela conhecida máxima, oriunda do (algo já saudoso) tempo do António de Santa Comba, vai sendo de novo uma realidade nua e crua...

Portugal é Lisboa e o resto...

Quando viajarem de avião olhem bem cá para baixo e com certeza verão dissipadas as vossas dúvidas. Se por acaso as tiverem ainda.


José Coelho in "http://tocadoscoelhosbeira.blogspot.com" 
Março de 2010 

domingo, 27 de maio de 2018

Chove ou não chove?!...

 Fonte da Celorica na encosta norte da serra de Marvão

Excertos...

Almoçarada nas Amendoeiras com a família materna
onde estão todos os personagens desta "estória"

(...)

"Lembro-me como se fosse hoje daquele sôcho enorme coberto de piornos e xaras que fazia de cozinha e de sala de jantar onde comíamos castanhas secas cozidas em leite de cabra, uma perfeita delícia. E do outro sôcho mais pequeno onde dormíamos. Felicidade das felicidades, o meu tio e primos espanhóis tinham uma panóplia de animais amestrados que vinham comer à nossa mão e faziam parte da família! Uma cegonha que se chamava Adriana. Um corvo que se chamava Vicente. Um mocho que se chamava Carrilho. Não sei quantos gatos e cães. Rolas bravas. Cabras e cabritos. Era um paraíso para mim, tudo aquilo.

E foi quando me preparava para regressar a casa no fim de umas dessas férias que o meu tio Joaquin - que Deus o tenha - por ver que eu tinha tanto afeto à bicharada, foi buscar uma rolita nova que ainda quase nem voava e me a ofereceu dizendo:

 - Toma! Lheva-la contigo e toma-te cuenta della...

Louco de felicidade agarrei a rolita e apertei-a contra o peito dando pulos de alegria. Em seguida fui ter com o meu primo Raimundo que tinha lá ido buscar-me para me acompanhar no regresso a casa e mostrei-lhe o presente adorado exclamando no meu "portunhol":

 - Mira, mira, la rolita que tu padre me dió, qué bonita...

Qual não foi o meu espanto quando de repente a cabeça da rola tombou inerte. Estava morta. De tanta alegria e felicidade que senti, apertei com tanto carinho e tanta força a pobre ave que a sufoquei. Escusado seria dizer-vos que passei todo o caminho das  Gagas até às Amendoeiras a chorar desconsolado enquanto o Raimundo ria a bandeiras despregadas e repetia olhando-me divertidíssimo:

- Oooohhh! Mira, mira, la rolita tan bonita…

E ria como um desalmado. Ainda este ano em Agosto veio de novo visitar-me como faz regularmente todos os anos há décadas e voltou a falar disso com o riso do costume: 

- Pobrecita la rolita Rosémanué...

É caso para dizer como diz o ditado:

Tanto bem quer o diabo à mãe, que lhe tira os olhos!"

(...)

Do livro Histórias do Cota

sábado, 26 de maio de 2018

Bom fim de semana...

Altar-mor da igreja da Beirã em noite de procissão 


O interior do templo que fotografei do ambão. Simples, discreto, de uma brancura imaculada, a cor-rainha do Alentejo. Aqui levo já 60 anos da minha vida.  A participar e a ajudar nas celebrações desde os 6 anos de idade. A cuidar deste abençoado património com todo o meu empenho desde 2002. Aqui casaram os meus pais, as minhas irmãs, eu e os meus filhos. Aqui fui batizado assim como as minhas irmãs, filhos, netas e sobrinhos. Como não amar este lugar bendito que guarda tantas e tão boas memórias?

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Esclarecendo porquês...


Na impossibilidade de satisfazer os pedidos que me têm chegado para aquisição do livro, estou aqui a (re)publicar alguns excertos dele. Grato pelo interesse manifestado, fica esta hipótese para quem possa estar interessado em dar uma olhadela...

Excertos...

A cumprir a minha obrigação

(...)

Quando nasci o meu pai contava já 42 anos. Casou tarde, aos 36, pese embora a minha mãe tivesse apenas 20. Tão mais jovem que ele, deduzo que provavelmente ter-se-á deixado encantar por aquele modo meigo e afável que o caracterizavam e com o qual conquistava o respeito e a amizade de quase toda a gente. Cresci por isso a ver surgirem no seu rosto as primeiras rugas e no seu farto cabelo os primeiros fios prateados.

13 anos mais tarde fui integrar a sua equipa de trabalho na pedreira da Lajem do Sapato da qual ele era subempreiteiro e também ali todos os seus camaradas eram já cinquentões como ele. Foi com eles que aprendi o ofício de cabouqueiro e foi também seguramente neles que colhi muitos dos ensinamentos que me moldaram para a vida adulta.

Influenciado por essa sã vivência com gente madura e de muito bom senso, habituei-me a estimar e a respeitar os mais velhos. Aqueles a quem, por ser mais fino, e, argumenta-se ainda, por ser menos agressivo, apelidam hoje de idosos. Mas eu continuo a chamar-lhes velhos como sempre chamei porque entendo que a velhice não é e nunca foi um castigo. Pelo contrário, entendo que é um privilégio negado a muitos, uma bênção inestimável para quem consegue alcançá-la.

As rugas de qualquer anciã ou ancião, os seus cabelos prateados e a sabedoria adquirida no decorrer das suas vidas, merecem de mim e deveriam merecer de todos nós, o maior respeito e consideração. Admiro sinceramente a sua dignidade, a sua paciência, o seu conformismo, e, sobretudo, a generosidade com que aceitam tantas vezes ser esquecidos, a nobreza e bondade como desculpam quase sempre os familiares que passam meses sem os visitar nos lares onde por conveniência própria os internaram para ali viverem o resto das suas vidas.

É comum ouvir alguns dos seus gentis argumentos:

- Coitados! Não podem cá vir porque têm lá a vida deles...

Não só desculpam  como ainda lhes parece que "coitados" são os que se esquecem que eles ainda existem, que continuam vivos e a amá-los apesar das suas injustificáveis ausências! Generosidade pura, acho eu. E acho também que o abandono de uma mãe, de um pai, de um irmão, de uns avós ou de outros parentes próximos, é… Uma vergonha! Um desmazelo! Uma ingratidão! Uma falta de amor, de solidariedade e de respeito por quem muitos sacrifícios fez quase sempre para lhes dar o melhor que tinha e podia.

(...)

Do livro Histórias do Cota

O incentivo de familiares e amigos...




Um grande obrigado a toda a minha família e amigos, particularmente à minha nora Ana Batista pela impecável organização de todo o evento, o qual, pelo seu profissionalismo e inexcedível empenho desde o primeiro ao último detalhe, superou todas as expectativas.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Excertos...


Eucaristia na igreja matriz de Nisa 
Imagem que encontrei na net

(…)

Sem saber para onde me virar e como muitas vezes fiz ao longo da minha vida sempre que disso tive necessidade, procurei a ajuda do divino. Num dia e hora completamente aleatórios e sem prévia programação, dirigi-me à igreja matriz para me recolher em silêncio na retemperadora paz do seu interior em busca de alguma transcendente inspiração que me aquietasse o espírito e indicasse um caminho. Entrei quando estava a começar uma missa e a celebração envolvia atividades com crianças da catequese.

Deixei-me ficar ao fundo da igreja discretamente rodeado pela assembleia anónima com a deliberada intenção de passar despercebido mas logo a minha comadre Natária, (madrinha de crisma do meu filho Manel) uma das mais competentes e ativas colaboradoras daquela comunidade há muitos anos, reparou em mim e foi ter comigo para me dizer:

- Ainda bem que aqui estás, compadre. Queres ir fazer uma das leituras da missa?

- Sim, posso fazer, respondi sem pensar duas vezes, porque também na minha paróquia-mãe sempre colaborei nessas atividades quando me foi solicitado.

E assim sem nada ter sido preconcebido estava já a ser parte interveniente naquela celebração eucarística que nem sabia estar prestes a começar quando me dirigi à igreja. Senti logo naquele convite um sinal de acolhimento do Senhor. É muito difícil traduzir por palavras esses sentimentos íntimos da nossa alma, mas dir-vos-ei que à luz da minha fé senti assim como que um “fizeste bem vir procurar-Me”.

Presunção e água benta cada um toma a que quer diz a sabedoria popular, mas sem que me ocorra melhor forma de o explicar, senti efetivamente que aquele convite para ir fazer uma das leituras mais não era que um invisível sinal de boas vindas. A igreja estava repleta de gente, porque fui eu o escolhido?

A celebração começou.

Fui fazer a leitura que me tinha sido indicada e voltei discretamente de novo para o meu lugar ao fundo do templo. A dado momento durante o ofertório realizado pelas crianças, enquanto uma delas estendia o cestinho para recolher as ofertas, outra criança oferecia a cada pessoa uma pequena tira de papel que trazia escrita uma frase de conteúdo litúrgico. E lá veio uma delas estender-me o cesto onde coloquei a minha oferta enquanto a outra me entregava “o recado” numa tirinha de papel que aceitei e guardei (até hoje) mas não sem primeiro ler a curta mensagem nele contida e que dizia assim:


Fiquei a olhar com alguma surpresa para o minúsculo papel que me pareceu ser outro sinal, só que desta vez bastante mais óbvio e visível. Involuntariamente estremeci, sentindo que me invadia um sentimento da mais profunda gratidão e apenas consegui murmurar um “bendito sejas Senhor”.

Quando saí da igreja pouco depois o meu coração navegava num mar de serenidade porque ali fora abençoado pela inabalável certeza de que as minhas súplicas tinham sido atendidas. E aquele papelito que levava no bolso era um prenúncio de esperança que ia muito além do que alguma vez imaginara encontrar.

(…)

Do livro Histórias do Cota

Apresentação pública...





Infinitamente grato sou eu pela generosidade das suas palavras,
Exmª Senhora  Drª Dulce Mota.
                                                                                                  
                                                                                                   José Coelho

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Excertos...

Foto antiga da Beirã que encontrei na net

(...) 

Cheguei a casa em vésperas dos santos populares e das fogueiras de rosmaninho que cada família fazia à sua porta num alegre convívio de sardinhadas e caldo verde, à mistura com o inevitável pezinho de dança ao som de música de gira-discos ou gravador de cassetes. Tudo o que eu necessitava para reencontrar o equilíbrio e a paz de espírito. A Beirã desse tempo tinha um grande grupo de jovens da minha idade e não só. Era uma comunidade muito viva, atuante e participativa.

Aos serões a “malta” de ambos os sexos juntavam-se em grupos no Clube ou na Sociedade Recreativa, no Largo da Fonte ou à porta da Loja Grande. Havia quem tivesse viola, havia até quem cantasse muito bem, havia enfim, um estilo de vida completamente salutar onde a amizade, a camaradagem e o espírito de grupo imperavam, fazendo de todos nós uma juventude muito unida  e feliz.

Ninguém ou quase ninguém tinha ainda televisão em casa. Qualquer programa de maior interesse era televisionado nas salas públicas já referidas que tinham esse equipamento para utilização coletiva, o que, de algum modo, também contribuía muito para a juventude reunir e conviver diariamente.

Os ecos da Revolução de Abril iam cá chegando mais ou menos ruidosos e com eles começaram infelizmente as tendências agressivas do partidarismo que subtilmente dividiu em claques a malta simpatizante de cada uma das diferentes opções políticas. E alguns amigos de uma vida inteira começaram a olhar-se como rivais.

Iniciou-se dessa forma a nova era conquistada na recente manhã de abril e que, em meu modesto entender, não trouxe, nem pouco mais ou menos, o que se perspetivava em termos de bem-estar coletivo e mesmo em termos de futuro. Muito e muito pelo contrário. Sem que ninguém o previsse ou pudesse imaginar, a Beirã começou a ruir num efeito dominó imparável e demolidor. A menina dos olhos do concelho de Marvão iniciou ali o inexorável e irreversível processo da sua lenta agonia.

Primeiro foram os agentes da Pide que fugiram ou foram presos e as suas famílias tiveram que regressar às origens, deixando para trás as primeiras casas desabitadas. Vizinhos e amigos, independentemente do que os ligava ao anterior regime ou ao que faziam no exercício da sua profissão, eram famílias inteiras que davam vida à aldeia e ajudavam a sustentar a economia local.

Depois foi o processo de integração de Portugal na União Europeia. A alfândega fechou e a circulação ferroviária reduziu tanto que mais de dois terços dos funcionários da CP foram colocados noutras estações longe da Beirã. Os escritórios dos despachantes oficiais também deixaram de ser necessários e a sombra do desemprego começou a pairar sem deixar lugar a dúvidas sobre muitas famílias que ali tinham o seu ganha-pão há décadas.  (...) foi extinta a Guarda-Fiscal. 

Os que não eram de cá foram pura e simplesmente embora também para as suas terras em busca das suas raízes para ali reconstruírem ou começarem de novo as suas vidas. E para trás deixaram mais casas desabitadas um pouco por todas as ruas da Beirã.

(...)

                                                                   Do livro Histórias do Cota

Excertos...

O comboio TER numa foto de Paulo Ferreira


(...) 

O elegante comboio azul TER chegou por fim à estação de Castelo de Vide, a penúltima antes da Beirã. Faltava um quarto para as onze. A paisagem tão querida e tão familiar começou a desenrolar-se diante dos meus extasiados olhos. Que delícia! Que saudades eu tivera das minhas pedras, dos meus sobreiros e giestas, daquele aroma cálido e perfumado dos campos secos do início do verão, longe do húmido, pegajoso e interminável verde, da floresta tropical.

Parecia ainda quase um sonho mas ali estava Castelo de Vide de um lado da linha e do outro os canchais pontilhados de carvalhos, sobreiros, oliveiras, hortas e casas brancas isoladas, aqui e além.
Era mesmo verdade. Ia no comboio que me levava finalmente para casa, para junto de todos os entes queridos e sem aquele habitual aperto no peito causado pela expectativa de ouvir tiros ou explosões a qualquer instante. Tudo isso ficara definitivamente para trás.

Passámos a Ponte das Águas e mais além avistei o Monte da Broca, com a grande e cuidada horta do meu pai.

Ufff…

Ainda hoje me arrepio com essa recordação!

Logo a seguir o campo da bola e a passagem de nível do Penedo da Rainha. E ele lá vinha, quase a correr pela estrada do Pereiro antes da passagem de nível. O meu pai! E a porra da janela do comboio que não abria! O comboio era climatizado por isso as janelas eram de vidros fixos! Fiz-lhe adeus. Ele viu-me, conheceu-me e fez-me adeus também. Depois de tanto tempo. Depois de ter temido tantas vezes não voltar a abraçá-lo.

Finalmente a estação da Beirã e uma dúzia de braços abertos correram para mim, gritos, risos, lágrimas, soluços, beijos e longos, apertados abraços. Manas, tias, primos, vizinhos, amigos. Tanta gente à minha espera…

Pouco depois, especado à porta da nossa casa e ofegante ainda da correria desde a horta, aguardava-me, lavado em lágrimas, o meu velho amigo e querido Pai.

- Até que enfim estás em casa, filho! Graças a Deus…

E ali ficámos fortemente abraçados um ao outro a soluçar como duas madalenas arrependidas, como se ainda receássemos que fosse mentira. 

(…)


Do livro Histórias do Cota

Fim de semana inesperadamente feliz...

Foto by Avó Manuela 

Às vezes levamos meses a combinar uma ajuntada. Nem sempre é fácil. Longe uns dos outros, cada qual com os seus compromissos profissionais e pessoais, quando calha a uns não dá jeito aos outros, quando calha a outros não dá jeito a uns, enfim, a vida a decorrer na sua normalidade numa família que se dividiu em três há já bastante tempo, sendo que dessa também natural divisão resultou a chegada das pimpolhas reguilas e amorosas que estamos sempre desejosos de ver e abraçar. 

A Francisca, a Mariana e também a sua mana Filipa.

E não é que, subitamente, sem nada previamente pensado ou combinado, nos juntámos todos cá em casa um fim de semana inteiro? Que alegria a Toca dos Coelhos cheia de vida e reboliço num sábado e num domingo seguidos! As pequenas a virarem tudo de pantanas, a chamarem em coro pelo avô e pela avó, a grelha e o fogão a bombarem velhos e apetecidos petiscos, toda a azáfama inerente a uma família de nove pessoas que veio reativar um movimento já pouco habitual por este condomínio.

Diz o povo na sua sabedoria que "quem se quer bem sempre se encontra" e é bem verdade. Bom seria que pudesse ser assim todas as semanas porque a vida é tão breve que qualquer dia alguns de nós já não estaremos cá. Sem quaisquer dramatismos. É inevitável. Como esta casa foi, a pulular de gente e azáfama durante décadas e reduzida agora a dois inquilinos, que melhor exemplo é necessário para reflectirmos o quanto a vida é curta, passageira e finita? Apesar de grande e espaçosa, não cabem já nela tantas e tão gratas memórias.

Foi por isso um fim de semana de todo especial. Não há nada que mais goste nesta vida do que ver-me assim rodeado pela minha gente. Sejam os filhos, noras e netas, sejam as minhas irmãs, cunhados e sobrinhas/os. Herdei isso do senhor meu pai, sempre presente na minha memória. As "piquenas" crescem a olhos vistos e em velocidade de cruzeiro, a mesma que simultaneamente vai encarquilhando e enchendo de rugas os rostos da avó e do avô, embranquecendo aqui e ali já também alguns cabelos nas cabeças dos seus papás no seu percurso de candidatos a Cotas.

Em resumo, a vida a decorrer na sua normalidade como referi no primeiro parágrafo. Fica para mais tarde recordar esta imagem captada pela avó Manuela do momento em que a Francisca perdeu o pavor que sentia pela pachorrenta e meiga Suri, a nossa rafeira alentejana, e decidiu finalmente passar para o outro lado da varanda para ir com a afilhada Mariana fazer uns miminhos à dita-cuja que as adora. Foi por iniciativa própria e sem que ninguém interferisse, dado que já tínhamos pura e simplesmente desistido de tentar convencê-la que a cadela era sua amiga.

Soube (mesmo) a pouco. Venham mais fins de semana assim...