A primeira foto no posto de sargento
E não houve duas, sem três
No
dia quinze de Junho do ano de 1983 por volta das onze horas da manhã recebi em
cerimónia pública e das mãos do então Comandante do Centro de Instrução da
Guarda, na Calçada da Ajuda, o diploma de promoção ao posto de cabo.
Regressámos
nesse mesmo dia cada um à unidade a que pertencia, com direito ao gozo de cinco
dias de licença concedidos normalmente no final de cada curso de formação. A
seguir entrei com 30 dias de licença de férias mas dos quais só pude gozar 10 em
virtude de ser o cabo mais novo da guarda e ter sido nomeado para monitor do
segundo alistamento que iria começar em 1 de Julho em Reguengos de Monsaraz.
Ainda hoje lá moram os restantes 20 dias de férias que não pude gozar por
motivo daquela nomeação de serviço e por não haver nesse tempo a benesse que há
hoje de as poder transferir para o ano seguinte.
Entretanto
aproveitei aqueles escassos dias para me autopropor aos exames nacionais do 6º
ano na Mousinho da Silveira em Castelo de Vide, aproveitando os conhecimentos
adquiridos no curso de cabos. Fui submetido a exame e obtive o diploma sem
dificuldade de maior.
Marchei
para Reguengos no início de Julho indo então integrar a equipa de graduados que
iríamos ministrar o 2º CFP de 1983. E por ser o cabo mais maçarico
impingiram-me logo a messe e as funções de vagomestre que mais ninguém quis e
eu não pude recusar. Foi uma experiência gratificante, completamente diferente
de tudo aquilo que eu tinha conhecido até ali. O relacionamento entre o oficial,
sargentos e cabos era excelente, sem qualquer vestígio de arrogância ou
prepotência quer de um, quer dos outros. Muito pelo contrário. Exigentes quando
tinham que ser e firmes a ensinar, mas muito humanos, educados e atenciosos
para com os alistados, preocupando-se particularmente com aqueles que tinham
maiores e mais dificuldades.
Foi
uma excelente escola de aprendizagem para nós, os dois cabos novatos que
estávamos prestes a ingressar também no curso de sargentos que iria começar logo
a seguir.
Nunca
como até ali tinha pensado o quanto valera a pena teimar e não desistir. E como
tinham sido sábios e oportunos os bons conselhos do camarada Marques na Senhora
da Penha. Depois, a proximidade e convívio diário com um senhor capitão tão
humano e sociável, sem manias de grandeza e que respeitava quer o soldado quer
o cabo ou o sargento e para todos tinha sempre uma atenção ou palavra de incentivo.
Particularmente para mim foi a certificação do quanto a Guarda é composta por
gente muito diversa no trato e na atitude. E que todos aqueles meus problemas
no inicio da carreira tinham sido um mero acaso.
Terminou
a minha primeira missão como graduado já muito perto do Natal. A despedida foi
memorável. Criaram-se amizades e uma camaradagem sem precedentes quer entre os
graduados quer com os novos guardas, gratificante e duradoura. Enriquecedora. O
relacionamento entre todos os efetivos da Guarda devia ser sempre assim em
qualquer unidade. O capitão chegou a coronel e sempre ouvi dizer muito bem dele
no seu longo percurso profissional. O sargento mais antigo chegou a Mor da
Brigada 3. O segundo sargento do pelotão concorreu a oficial pouco depois e
chegou a tenente-coronel. Os furriéis atingiram também todos o topo da carreira
de sargentos. Acho que isso ilustra bem a categoria de profissionais e de
homens de todos eles.
O
primeiro ano do curso de sargentos decorreu na maior normalidade e na mesma
rotina do curso anterior, com a vantagem de muitas das matérias serem já por
nós conhecidas e apenas agora um pouco mais aprofundadas. Curiosamente, os três
instruendos que pertencíamos a Portalegre e que tínhamos transitado também do
curso anterior ficámos todos na turma B e parceiros de carteira na sala de
aulas.
Fomos
depois estagiar em postos um pouco por todo o país não nos sendo permitido
estagiar na unidade de colocação. Assim, o meu camarada de carteira foi parar a
Pinhel e eu a S. João da Madeira. Foi uma experiência excelente e não tive
qualquer dificuldade em me adaptar.
O
efectivo do quartel que era simultaneamente posto, secção e companhia, era
composto por um punhado de muito bons camaradas e excelentes profissionais. Encostado
à Estrada Nacional Nº1 entre Lisboa e Porto, era um corrupio de gente todo o
dia e toda a noite. E o flagelo principal os inúmeros acidentes de trânsito
diários que obrigavam a uma quase permanente presença na estrada. Depois, numa
zona tão densamente povoada, as solicitações das mais diversas diligências por
parte dos tribunais empatavam quase o resto do efectivo. Em resumo, ali não
havia tempo para jogar cartas como em Castelo de Vide. Pelo contrário. Vezes
sem conta terminávamos o nosso serviço e tínhamos que “acudir” a outros que
entretanto surgiam, por não haver mais ninguém que os fosse resolver.
Fiz
mais serviço e aprendi na prática mais coisas nesses dois meses, do que nos três
anos que permaneci no meu posto de origem. Desde tomar conta de assaltos a
fiscalizar estabelecimentos ou investigar furtos, elaborar autos de tudo e de mais
qualquer coisa, foi um nunca mais parar. Nem dei pelo passar do tempo. Tive
ainda a sorte de ter por comandante de posto um grande amigo, um sargento
recém-promovido do curso anterior ao meu e que era de Castelo Branco e tinha
conhecido no curso de cabos quando ele estava já a terminar o de sargentos.
De
15 em 15 dias vinha passar o fim-de-semana sem obedecer à regra da folga
semanal que não me daria jeito nenhum, em virtude da distância a que estava de
casa e da complexidade de transportes nesse tempo. Uma ou outra vez, dada a
proximidade a que estava do Porto, ia visitar o meu compadre, o padrinho do meu
filho mais velho que esteve comigo em Angola e que mora ainda hoje em Santa
Cruz do Bispo. Ia à tarde no autocarro e voltava no outro dia de manhã cedo,
pois havia transportes de e para o Porto, de meia em meia hora.
A
meio de Agosto regressámos às nossas unidades e entrámos com 30 dias de licença
de férias até meio de Setembro, após o
que regressámos de novo à Ajuda para início do novo ano lectivo.
Fomos
pouco depois graduados em furriel. Ascendíamos assim à classe de sargentos
provisoriamente – coisa esquisita – não fosse dar-se o caso de chumbarmos por
falta de aproveitamento, pois, se assim fosse, voltaríamos a ser desgraduados e
passaríamos de cavalo a burro, ou seja, de furriel a cabo.
Não
sei até que ponto isso era legal e constitucional e várias vezes nos
questionámos uns com os outros. Mas depois que o vimos acontecer a um dos nossos
camaradas, nunca mais ousámos duvidar. Só mesmo na Guarda aconteciam aquelas
insólitas “graduações” porque nas forças armadas o posto de furriel era o
primeiro da classe de sargentos e em situação alguma seria despromovido
de furriel para regressar ao posto de cabo. Felizmente, fruto de muito empenho, trabalho, e a preciosa ajuda de alguns camaradas que nunca esquecerei, logrei alcançar com êxito, o final do curso.
Reza
o diploma que tenho pendurado no meu pequeno escritório em casa e em escrita
gótica, o seguinte:
Guarda Nacional
Republicana
Centro de Instrução
Faz-se saber que José
Manuel Lourenço Coelho, filho de António Maria Coelho e de Florinda da
Conceição Lourenço, nascido na freguesia de Beirã, concelho de Marvão, concluiu
no ano lectivo de 1984-1985 com a classificação final de 12,39 valores, o curso
de Formação de Sargentos estabelecido pelo Decreto-Lei nº465/83 de 31 de
Dezembro. Para constar onde convier e poder o interessado gozar de todas as
regalias que legalmente lhe pertencerem, se lhe passa o presente Diploma, que
vai assinado pelo Comandante, e firmado com selo branco deste Centro de
Instrução.
Lisboa, aos vinte dias do
mês de Junho de mil novecentos e oitenta e cinco.
O Comandante
José
Coelho in Histórias do Cota
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