terça-feira, 9 de maio de 2017

Coisas q'escrevi...

A primeira foto no posto de sargento 



E não houve duas, sem três


No dia quinze de Junho do ano de 1983 por volta das onze horas da manhã recebi em cerimónia pública e das mãos do então Comandante do Centro de Instrução da Guarda, na Calçada da Ajuda, o diploma de promoção ao posto de cabo.

Regressámos nesse mesmo dia cada um à unidade a que pertencia, com direito ao gozo de cinco dias de licença concedidos normalmente no final de cada curso de formação. A seguir entrei com 30 dias de licença de férias mas dos quais só pude gozar 10 em virtude de ser o cabo mais novo da guarda e ter sido nomeado para monitor do segundo alistamento que iria começar em 1 de Julho em Reguengos de Monsaraz. Ainda hoje lá moram os restantes 20 dias de férias que não pude gozar por motivo daquela nomeação de serviço e por não haver nesse tempo a benesse que há hoje de as poder transferir para o ano seguinte.

Entretanto aproveitei aqueles escassos dias para me autopropor aos exames nacionais do 6º ano na Mousinho da Silveira em Castelo de Vide, aproveitando os conhecimentos adquiridos no curso de cabos. Fui submetido a exame e obtive o diploma sem dificuldade de maior.

Marchei para Reguengos no início de Julho indo então integrar a equipa de graduados que iríamos ministrar o 2º CFP de 1983. E por ser o cabo mais maçarico impingiram-me logo a messe e as funções de vagomestre que mais ninguém quis e eu não pude recusar. Foi uma experiência gratificante, completamente diferente de tudo aquilo que eu tinha conhecido até ali. O relacionamento entre o oficial, sargentos e cabos era excelente, sem qualquer vestígio de arrogância ou prepotência quer de um, quer dos outros. Muito pelo contrário. Exigentes quando tinham que ser e firmes a ensinar, mas muito humanos, educados e atenciosos para com os alistados, preocupando-se particularmente com aqueles que tinham maiores e mais dificuldades.

Foi uma excelente escola de aprendizagem para nós, os dois cabos novatos que estávamos prestes a ingressar também no curso de sargentos que iria começar logo a seguir.

Nunca como até ali tinha pensado o quanto valera a pena teimar e não desistir. E como tinham sido sábios e oportunos os bons conselhos do camarada Marques na Senhora da Penha. Depois, a proximidade e convívio diário com um senhor capitão tão humano e sociável, sem manias de grandeza e que respeitava quer o soldado quer o cabo ou o sargento e para todos tinha sempre uma atenção ou palavra de incentivo. Particularmente para mim foi a certificação do quanto a Guarda é composta por gente muito diversa no trato e na atitude. E que todos aqueles meus problemas no inicio da carreira tinham sido um mero acaso.

Terminou a minha primeira missão como graduado já muito perto do Natal. A despedida foi memorável. Criaram-se amizades e uma camaradagem sem precedentes quer entre os graduados quer com os novos guardas, gratificante e duradoura. Enriquecedora. O relacionamento entre todos os efetivos da Guarda devia ser sempre assim em qualquer unidade. O capitão chegou a coronel e sempre ouvi dizer muito bem dele no seu longo percurso profissional. O sargento mais antigo chegou a Mor da Brigada 3. O segundo sargento do pelotão concorreu a oficial pouco depois e chegou a tenente-coronel. Os furriéis atingiram também todos o topo da carreira de sargentos. Acho que isso ilustra bem a categoria de profissionais e de homens de todos eles.

O primeiro ano do curso de sargentos decorreu na maior normalidade e na mesma rotina do curso anterior, com a vantagem de muitas das matérias serem já por nós conhecidas e apenas agora um pouco mais aprofundadas. Curiosamente, os três instruendos que pertencíamos a Portalegre e que tínhamos transitado também do curso anterior ficámos todos na turma B e parceiros de carteira na sala de aulas.
Fomos depois estagiar em postos um pouco por todo o país não nos sendo permitido estagiar na unidade de colocação. Assim, o meu camarada de carteira foi parar a Pinhel e eu a S. João da Madeira. Foi uma experiência excelente e não tive qualquer dificuldade em me adaptar.

O efectivo do quartel que era simultaneamente posto, secção e companhia, era composto por um punhado de muito bons camaradas e excelentes profissionais. Encostado à Estrada Nacional Nº1 entre Lisboa e Porto, era um corrupio de gente todo o dia e toda a noite. E o flagelo principal os inúmeros acidentes de trânsito diários que obrigavam a uma quase permanente presença na estrada. Depois, numa zona tão densamente povoada, as solicitações das mais diversas diligências por parte dos tribunais empatavam quase o resto do efectivo. Em resumo, ali não havia tempo para jogar cartas como em Castelo de Vide. Pelo contrário. Vezes sem conta terminávamos o nosso serviço e tínhamos que “acudir” a outros que entretanto surgiam, por não haver mais ninguém que os fosse resolver.

Fiz mais serviço e aprendi na prática mais coisas nesses dois meses, do que nos três anos que permaneci no meu posto de origem. Desde tomar conta de assaltos a fiscalizar estabelecimentos ou investigar furtos, elaborar autos de tudo e de mais qualquer coisa, foi um nunca mais parar. Nem dei pelo passar do tempo. Tive ainda a sorte de ter por comandante de posto um grande amigo, um sargento recém-promovido do curso anterior ao meu e que era de Castelo Branco e tinha conhecido no curso de cabos quando ele estava já a terminar o de sargentos.

De 15 em 15 dias vinha passar o fim-de-semana sem obedecer à regra da folga semanal que não me daria jeito nenhum, em virtude da distância a que estava de casa e da complexidade de transportes nesse tempo. Uma ou outra vez, dada a proximidade a que estava do Porto, ia visitar o meu compadre, o padrinho do meu filho mais velho que esteve comigo em Angola e que mora ainda hoje em Santa Cruz do Bispo. Ia à tarde no autocarro e voltava no outro dia de manhã cedo, pois havia transportes de e para o Porto, de meia em meia hora.

A meio de Agosto regressámos às nossas unidades e entrámos com 30 dias de licença de férias até meio de Setembro,  após o que regressámos de novo à Ajuda para início do novo ano lectivo.

Fomos pouco depois graduados em furriel. Ascendíamos assim à classe de sargentos provisoriamente – coisa esquisita – não fosse dar-se o caso de chumbarmos por falta de aproveitamento, pois, se assim fosse, voltaríamos a ser desgraduados e passaríamos de cavalo a burro, ou seja, de furriel a cabo.

Não sei até que ponto isso era legal e constitucional e várias vezes nos questionámos uns com os outros. Mas depois que o vimos acontecer a um dos nossos camaradas, nunca mais ousámos duvidar. Só mesmo na Guarda aconteciam aquelas insólitas “graduações” porque nas forças armadas o posto de furriel era o primeiro da classe de sargentos e em situação alguma seria despromovido de furriel para regressar ao posto de cabo. Felizmente, fruto de muito empenho, trabalho, e a preciosa ajuda de alguns camaradas que nunca esquecerei, logrei alcançar com êxito, o final do curso.

Reza o diploma que tenho pendurado no meu pequeno escritório em casa e em escrita gótica, o seguinte:


Guarda Nacional Republicana
Centro de Instrução

Faz-se saber que José Manuel Lourenço Coelho, filho de António Maria Coelho e de Florinda da Conceição Lourenço, nascido na freguesia de Beirã, concelho de Marvão, concluiu no ano lectivo de 1984-1985 com a classificação final de 12,39 valores, o curso de Formação de Sargentos estabelecido pelo Decreto-Lei nº465/83 de 31 de Dezembro. Para constar onde convier e poder o interessado gozar de todas as regalias que legalmente lhe pertencerem, se lhe passa o presente Diploma, que vai assinado pelo Comandante, e firmado com selo branco deste Centro de Instrução.

Lisboa, aos vinte dias do mês de Junho de mil novecentos e oitenta e cinco.

O Comandante



José Coelho in Histórias do Cota

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