Primeiro acto público como cmdt do PTNisa - Condecorar um Soldado da Paz
(Os então Ministro Dr Miranda Calha e Gov. Civil Dr Casal Ribeiro presentes na cerimónia)
Quem se quer bem sempre se
encontra!
(Vai lá vai)
O comandante de posto que eu ia substituir em virtude de
ele ter sido nomeado para o curso de ajudantes, era o meu velho “amigo” sargento
que no alistamento me tinha feito a vida negra e tratado abaixo de cão. Longe
de me intimidar tal facto dava-me imensa força. Ia ser bom “esfregar” no seu nariz as
minhas divisas de sargento, classe agora igual à dele.
Nunca me passou pela cabeça hostilizá-lo ou usar de qualquer atitude menos correcta pois entendia que se entrasse por esse caminho estaria a imitá-lo, a ser igual ou pior que ele. Levava o meu coração em paz ainda que também cheio de determinação de não lhe permitir nem só mais um enxovalho. As coisas tinham mudado de figura. E se no alistamento tivera que ouvir e calar para não lhe dar azo a expulsar-me por rebeldia, agora as coisas piavam mais fino.
Nunca me passou pela cabeça hostilizá-lo ou usar de qualquer atitude menos correcta pois entendia que se entrasse por esse caminho estaria a imitá-lo, a ser igual ou pior que ele. Levava o meu coração em paz ainda que também cheio de determinação de não lhe permitir nem só mais um enxovalho. As coisas tinham mudado de figura. E se no alistamento tivera que ouvir e calar para não lhe dar azo a expulsar-me por rebeldia, agora as coisas piavam mais fino.
No
fundo eu também entendia que ele era fruto da época obscura a que o 25 de
Abril ditara o fim e tinha plena consciência que muita gente não se adaptara à
mudança, que provavelmente não se adaptaria nunca. Mas o tempo do ouvir e calar para mim tinha terminado.
Não sou de me meter em guerras mas tampouco as temi alguma vez. E nunca jamais ou em tempo algum eu iria permitir que um superior hierárquico, fosse ele um sargento mais graduado ou antigo, fosse ele um oficial de que patente fosse, me voltassem a enxovalhar ou a injuriar como aqueles dois o fizeram nos meus primeiros meses de guarda.
Não sou de me meter em guerras mas tampouco as temi alguma vez. E nunca jamais ou em tempo algum eu iria permitir que um superior hierárquico, fosse ele um sargento mais graduado ou antigo, fosse ele um oficial de que patente fosse, me voltassem a enxovalhar ou a injuriar como aqueles dois o fizeram nos meus primeiros meses de guarda.
Jamais!
Não era vaidade, não era arrogância, nem sequer porque as divisas douradas que trazia agora nos ombros me tivessem subido à cabeça. Nada disso. Era a consciência
plena de ter adquirido à minha esforçada custa todos os inalienáveis direitos de cidadão livre e responsável do meu país.
O
tratamento que aquele senhor oficial comandante do pelotão e o agora meu
camarada de posto me infligiram durante o alistamento fora, sem mais nem
menos, sabia-o agora, um crime continuado de discriminação previsto na Constituição da República Portuguesa e que já em Janeiro de 1979 era punido pela legislação penal portuguesa.
Isso tinha aprendido na minha excelente e longa formação. E que, por me interessar
tanto, estudei ao pormenor até o saber de cor e salteado, pedindo as explicações que julguei
necessárias e tirando todas as dúvidas até à exaustão. E claro, aprendi. Como eu
aprendi, para toda a minha vida!
Na minha nova função estava à minha espera uma tarefa gigantesca para os mais que limitados recursos de qualquer
comandante de posto. Aquilo a que pomposamente chamavam de Comando
da Secção Territorial de Nisa da Guarda Nacional Republicana era, em simultâneo com o Posto misto de Infantaria/Cavalaria, um casarão enorme praticamente em ruínas que não
dignificava nem a Guarda, nem aqueles que, sendo comandantes e usufrutuarios
directos das instalações, as tinham deixado chegar a tal ponto de
degradação e ruína. A única dependência que ostentava alguma apresentação e
conforto era, lamentavelmente, a que menos falta lá fazia. O gabinete do senhor
oficial comandante da secção que pouco uso lhe dava, entretido permanentemente nos seus hobbies de pesca e caça, dia sim, dia sim.
O
gabinete do comandante de posto também não era tão mau como as restantes
instalações que albergavam quem ali trabalhava e tinha que permanecer, inclusivamente dormir
alguns deles, diariamente. Os soldados e os cabos. A caserna era um tugúrio escuro e mal cheiroso quer pela proximidade da cavalariça, quer pelo desmazelo de conservação das
paredes salitrosas, do sobrado todo partido e cheio de buracos por onde furtivamente pontuavam os ratos, para além das portas e janelas a cair de velhas e podres. Aquilo a que
chamavam “a cozinha” era um compartimento sem luz natural iluminado por uma
lâmpada suja e opaca de tantas cagadelas de moscas. O chão, os armários, a pia
de pedra para lavar a louça, eram uma nódoa pegada de gordura entranhada com
décadas de uso e desmazelo.
O
posto de rádio era um anexo indecente para ser habitado por homens que ali
tinham que permanecer 24 sobre 24 horas, 30 dias por mês. A arrecadação do
material de guerra, era, a par do gabinete do senhor oficial, outra das dependências
mais bem conservadas, quer em manutenção, quer em isolamento de humidades,
pintura e arrumação. Pois! É que (se calhar, digo eu) as espingardas e as munições mereciam muito
mais cuidados dos responsáveis pela sua conservação, do que os seres humanos que ali
prestavam serviço permanentemente dia e noite de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro, ano após ano.
Mentalidades…
Por
sua vez, a residência do comandante de posto, talvez por ter sempre uma senhora a
cuidar dela, não estava suja. Mas estava tão velha, tão velha, tão necessitada
de obras de restauro e conservação, que me recusei a ir habitá-la enquanto não
tivesse as condições mínimas de habitabilidade e conforto.
Entretanto
e para ajudar, as relações entre a Guarda e as restantes autoridades civis do
concelho e comarca, eram de um quase confronto ou oposição mútuos. Os eleitos municipais
eram da CDU, os tais famosos comunistas que o meu antecessor e
agora camarada de posto tanto odiava e hostilizava. Não havia, por isso, qualquer diálogo nem aquela
colaboração e respeito institucionais mútuos que são normais entre todas as entidades públicas
de qualquer concelho, seja qual for a cor política dos seus eleitos.
Não
cabe à Guarda, nunca coube em tempo algum, hostilizar seja que entidade for,
muito pelo contrário. Descobri ali e sem querer que aquele “ódio” que o meu
ilustre camarada sargento me devotara no alistamento era exactamente o mesmo
que devotava ao presidente da câmara de Nisa desse tempo e à maior parte dos
nisenses que pública e manifestamente votavam CDU. Achava-se provavelmente um ser superior e
distinto, não cabendo na sua iluminada mentalidade a nova pluralidade
democrática.
Porém,
com as outras entidades civis infelizmente, as coisas não estavam mais famosas, em termos de relacionamento com a Guarda local. Olhavam-nos de lado com pouca
simpatia e ainda menos espírito colaborante.
Longe
de me intimidar com tal panorama senti-me interiormente
incentivado a mudar aquele estado de coisas até onde me fosse possível, ainda que
com plena consciência que ia cutucar um ninho de vespas que tentariam ferrar-me pela ousadia. Sem nada dizer a ninguém porque sabia de antemão
que não iria encontrar apoio interno por parte de quem deixara abandalhar aquilo
tudo ao ponto em que se encontrava, tomei várias iniciativas que me pareciam
prioritárias.
A
primeira foi redigir um ofício timbrado oficial e endereçá-lo a todas as
entidades locais. Presidente da Câmara Municipal, Juiz de Direito da Comarca,
Delegado do Ministério Público, Chefe da Secretaria do Tribunal, Chefe do
Serviço de Finanças, Delegado de Saúde, Gerentes das entidades bancárias,
Bombeiros Voluntários e demais entidades públicas, a todos me identificando
como o novo comandante do posto de Nisa e solicitando autorização para
pessoalmente me ir apresentar e cumprimentar a cada um para me dar a conhecer, ao mesmo
tempo que manifestava também toda a minha disponibilidade para uma estreita
colaboração institucional dali em diante...
José
Coelho in Histórias do Cota