A tomar café na novíssima sala de convívio do PTNisa após o almoço.
A minha mulher tinha ao colo o Rafael, filho de um dos guardas.
Ousadia para mudar
Foi
uma enorme pedrada no charco! E um sucesso inesperado com o qual nem eu próprio
contava. Sucessivamente, umas atrás das outras, todas as entidades me
responderam quase no imediato, agradadas com a minha disponibilidade e abrindo
as portas dos seus gabinetes para me receberem e melhor conhecerem. Parecia que
toda a gente queria restabelecer a relação amigável e institucional que nunca
deveria ter sido posta em causa. Virou até conversas de rua e de cafés que os
guardas por ali captavam e me transmitiam com agrado.
E
eu fui visitá-los a todos, à vez. Sem subserviência alguma, sem nunca deixar de
frisar o prestígio da minha nobre instituição, a todos me apresentei com humildade,
mas também com a dignidade que o meu cargo exigia. E de todos recebi uma palavra
amiga, de incentivo e de boa amizade, em simultâneo com os parabéns pela minha iniciativa,
seguido quase sempre de um “conte connosco”.
O
primeiro e mais importante passo estava dado. Mas muito mais havia para fazer e
eu não cruzei os braços nem me deixei adormecer à sombra dos elogios. Pelo
contrário. Comecei a “chatear” quem podia dar-nos apoio para melhorar as condições
de habitabilidade das velhas e decrépitas instalações. E para que percebessem a
urgência em meter mãos à obra, nada melhor que convidar todas as entidades a
visitarem o posto para que pudessem verificar com os seus próprios olhos a
indignidade que era aquele edifício e as precárias condições que oferecia a
quem necessitava de ali trabalhar para manter a ordem, a paz e tranquilidade públicas, em benefício de toda a comunidade.
Retribuí
com a mesma abertura e cordialidade para com todas as entidades que não se
fizeram rogadas e responderam ao meu convite. E uma vez ali, sem quaisquer
complexos, mostrei-lhes tudo aquilo a que chamavam pomposamente o quartel da
GNR da vila de Nisa. Evidentemente todos ficaram surpreendidos com tão avançado
estado de degradação do edifício que pela sua aparência exterior denunciava de
facto alguma velhice, mas não tanto como a do seu interior. Estando presente o
senhor presidente da câmara municipal acompanhado de alguns dos vereadores,
imediatamente apelei à sua sensibilidade para que, dentro daquilo que lhes fosse
possível, me ajudassem no restauro das divisões mais carenciadas que
infelizmente eram quase todo o edifício, pois sem a sua ajuda não seria
possível avançar.
Numa
resposta quase imediata uma equipa composta por pedreiros, carpinteiros e
pintores, na semana seguinte “assentaram praça” no quartel e começaram a
restaurar o mais urgente. O telhado que metia água e em alguns sítios ameaçava
ruir. Foram substituídas quase todas as traves e barrotes, bem como centenas de
telhas partidas causadoras de infiltrações. Depois foi a cozinha que levou
azulejos brancos nas paredes, um armário moderno e lavável, um lava-louça inox
e um chão de mosaicos, bem como uma adequada iluminação interior. O velho e
sujo buraco escuro e gordurento transformou-se numa higiénica e funcional
cozinha, indispensável aos militares que eram de longe e ali tinham que confecionar
as suas refeições diariamente. E como estava ali mesmo ao lado, foi também completamente
remodelado o posto de rádio que ficou muito mais digno e funcional. Depois, uma
a uma, todas as dependências do velho edifício foram sendo restauradas a
expensas exclusivas da câmara municipal de Nisa.
Adaptaram-se
as divisões dentro do possível. Separou-se o posto da secção. Do lado direito
ficou o gabinete do oficial comandante e a respectiva secretaria, do lado
esquerdo o gabinete do plantão e o gabinete do comandante de posto e as
restantes dependências afectas ao posto. Adaptou-se também um velho
compartimento em frente á arrecadação do material de guerra que conseguimos alindar usando para isso pouco
mais que umas dezenas de rústicas tábuas costaneiras dos desperdícios da
serração e cedidas gratuitamente que depois de devidamente aparadas dos lados e
envernizadas fizeram uma acolhedora sala de convívio que servia simultaneamente
para os dias de instrução semanal e para uso diário com uma bonita lareira feita
de raiz para aquecer a lenha o ambiente nos dias frios de inverno, uns cómodos sofás
e até mesmo também um pequeno bar para o qual a Delta nos cedeu uma máquina de
café e onde se podiam tomar ainda algumas bebidas leves, sumos e aperitivos.
Construiu-se de raiz um corredor em tijolo para se poder atravessar todo o edifício sem ter
que se passar pelo interior da caserna que entretanto foi também toda
restaurada assim como a casa de banho anexa a ela que foi toda equipada com
louças sanitárias novas, azulejos nas paredes e chuveiros de água quente. O
velho piso de tábuas partidas e habitat seguro de ratos foi substituído por um
bonito e funcional parquet de corticite lavável que deu logo um aspecto muito
digno e acolhedor àquele compartimento, local de resguardo e de repouso por
excelência para quem ali permanecia dia e noite por motivo de ter a sua residência
e família afastados e por isso só podia
ir visitar na folga semanal. Era o mínimo dos mínimos que se lhes podia
conceder. Condições dignas de higiene, conforto e privacidade.
Também
a residência que me era destinada levou uma volta completa. A casa de banho só
tinha uma sanita e um lavatório. Não tinha chuveiro nem banheira. Os meus
antecessores deviam com certeza tomar banho num balde porque nem águas quentes
canalizadas a residência possuía. Depois a instalação eléctrica era do tempo da
guerra de catorze com aqueles tubos primitivos em chumbo a despegarem-se das
paredes. Mais uma vez, a expensas da câmara municipal, tudo isso foi providenciado
e consegui ao fim de um mês ter casa para habitar com um mínimo de condições.
O único contributo da guarda em toda essa remodelação eram os dois militares que estando de piquete 24 horas consecutivas vestiam um fato de zuarte para auxiliarem os mestres da câmara naquilo que era necessário entre as oito e as dezassete, assegurando eu e o meu motorista tomarmos conta de todas as ocorrências que houvesse naquele período de tempo. Era fraco o contributo, mas era o possível e de muito boa vontade. Todo o efectivo se regozijava com aquelas obras de restauro que tardaram em chegar. Por isso, voluntariamente, cada um se prontificava para fazer o que sabia.
O único contributo da guarda em toda essa remodelação eram os dois militares que estando de piquete 24 horas consecutivas vestiam um fato de zuarte para auxiliarem os mestres da câmara naquilo que era necessário entre as oito e as dezassete, assegurando eu e o meu motorista tomarmos conta de todas as ocorrências que houvesse naquele período de tempo. Era fraco o contributo, mas era o possível e de muito boa vontade. Todo o efectivo se regozijava com aquelas obras de restauro que tardaram em chegar. Por isso, voluntariamente, cada um se prontificava para fazer o que sabia.
Os
guardas electricistas ajudavam os elecrticistas, os guardas pedreiros
auxiliavam os pedreiros, os guardas canalizadores idem idem, aspas aspas -
porque os guardas são também grandes profissionais de todas essas
especialidades que muitos desempenhavam antes de ingressarem na guarda - e
aqueles que nenhum desses ofícios sabiam davam serventia onde era preciso. Seis
meses depois o quartel de Nisa não parecia o mesmo. Gastou a câmara, nesse
tempo - 1985-1986 - cerca de setecentos contos que hoje parece assim uma
pequena quantia de dinheiro, mas que naquele tempo dava para pagar um ano de
salários a qualquer funcionário público. E não se contabilizaram nesse montante
as madeiras do telhado e as telhas porque foram recolhidas no estaleiro municipal
e reaproveitadas de outros restauros de edifícios públicos, bem como muitos
outros materiais sobrantes nessas mesmas condições e que foram utilizados no
restauro do quartel sem ser necessário adquiri-los...
José
Coelho in Histórias do Cota
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