domingo, 30 de abril de 2017

Saudades de ti...

Foto by Pedro Coelho


Quando Eu For Pequeno


Quando eu for pequeno, mãe,
quero ouvir de novo a tua voz
na campânula de som dos meus dias
inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
com a certeza dócil de que só o empedrado
e o cansaço da subida
me entregarão ao sossego do sono.

 Quando eu for pequeno, mãe,
 os teus olhos voltarão a ver
 nem que seja o fio do destino
 desenhado por uma estrela cadente
 no cetim azul das tardes
 sobre a baía dos veleiros imaginados.

 Quando eu for pequeno, mãe,
 nenhum de nós falará da morte,
 a não ser para confirmarmos
 que ela só vem quando a chamamos
 e que os animais fazem um círculo
 para sabermos de antemão que vai chegar.

 Quando eu for pequeno, mãe,
 trarei as papoilas e os búzios
 para a tua mesa de tricotar encontros,
 e então ficaremos debaixo de um alpendre
 a ouvir uma banda a tocar
 enquanto o pai ao longe nos acena,
 lenço branco na mão com as iniciais bordadas,
 anunciando que vai voltar porque eu sou
                                                        [pequeno
 e a orfandade até nos olhos deixa marcas.


José Jorge Letria