A nossa casa no Cipresteiro entre 1979 e 1986
Foto by José Coelho
Família junta, finalmente
O
Posto da minha nova colocação era, logo à primeira vista, situado numa
aprazível Avenida da Aramenha na bonita e acolhedora vila de Castelo de Vide – terra do meu pai e avós paternos como já disse – que tem, mesmo em frente do
quartel, o jardim principal, autêntico oásis de frescura e de beleza. Era comandado por um cabo e tinha um efetivo
de catorze guardas alguns dos quais meus conterrâneos de freguesia e
concelho, e, quase todos, com um percurso profissional já de vários anos de
serviço.
Durante
mais de um ano fui o guarda mais maçarico de todos eles. Era um lote de guardas
que, como me tinha mencionado o comandante de companhia, podia quase
considerar-se um efetivo de luxo tal era a sua compostura e cuidado na
apresentação, quer no posto, quer no exterior. Curiosamente, eram quase todos
gente muito afável e simpática que nada tinham em comum com os que eu conhecera
antes. Receberam-me
com manifesta curiosidade. Sentia-me observado como se fosse uma ave rara, mas
senti-me de facto e em simultâneo também, muitíssimo bem recebido. Ainda hoje
mantenho laços afectivos com alguns deles, já como eu todos aposentados há anos. Ainda assim, faço questão de os considerar como família.
Entretanto
passaram-se os dois últimos meses daquele ano de 1979.
Nas minhas folgas ia pintando a casa nova para onde iríamos brevemente morar,
fui fazendo a mudança de algumas mobílias e outros canecos sem grandes pressas, uma vez que a mulher só se desligaria definitivamente do seu emprego no fim de
Dezembro. E fui-me adaptando também gradualmente ao serviço e aos novos camaradas.
O
dia tão esperado de reunir finalmente a família aconteceu exactamente no último
dia desse ano, 31 de Dezembro.
A
casa estava um brinco. Tinha sido toda reconstruída, era pequena mas suficiente, ficara muito confortável porque eu a pintara de ponta a ponta e a mandara também alcatifar para ficar aquele verdadeiro e acolhedor ninho familiar. Para somar à alegria que sentíamos por
finalmente estarmos juntos de vez, tivemos também nessa noite a nossa primeira e
muito simpática surpresa preparada por dois dos meus novos camaradas d’armas.
Não
tínhamos previsto celebrar o fim de ano de forma especial. Não tinha sido um
ano bom para mim e estávamos cansados com as ultimas arrumações da nova casa. Jantámos normalmente os três, a Manuela arrumou a cozinha e
sentámo-nos no sofá da bonita e confortável salinha a ver o programa – ainda a
preto e branco – do fim de ano na televisão.
De
súbito alguém nos bateu à porta.
-
Quem seria, àquela hora?
Fui
ver.
E deparei de caras com os meus dois camaradas e vizinhos mais próximos. Um
que é dos Besteiros - Alegrete e morava na Rua Nova ali perto e o outro
que é do Chão da Velha – Nisa e morava na Rua da Judiaria, também a dois passos do
Largo do Cipresteiro.
Sorridentes e acompanhados das respetivas famílias ainda mais sorridentes e
simpáticas. Um trazia consigo a mulher e as duas filhas pequenitas, o outro
trazia a mulher e os dois filhos também pequenitos ainda! E traziam também caixas de bolos, uvas e vinho espumante.
-
Como vocês são cá novos e não conhecem ainda ninguém, pensámos vir fazer-vos
companhia para festejarmos todos juntos a entrada do ano novo - comentou um deles.
Fiquei,
obviamente, encantado.
O
que mais gosto nesta vida é de cultivar a sã amizade, partilhar a verdadeira amizade, viver a autêntica amizade.
E
aquele gesto foi ouro sobre azul que me tocou mesmo cá dentro.
Exclamei encantado:
-
Ora façam o favor de entrar e sejam todos muito bem-vindos!
Feitas
as respectivas apresentações, fomo-nos acomodando, conversando, trocando
impressões e ao fim de uma hora parecia já tudo gente da mesma família.
Foi
uma das melhores noites de fim-de-ano da minha vida. Pelo gesto. Pela simpatia.
Pela óbvia e implícita solidariedade. Coisas que passaram de moda e hoje já se não usam. A
minha Manuela que sempre foi algo tímida e reservada encontrou ali duas
amigas para toda a vida. Até hoje, passados que vão já quarenta anos. Quando nos
encontramos por aí, é como se o tempo parasse e voltamos sempre àquele tempo.
Porque a amizade permanece. Intacta. E só pode, claro. Foi mesmo um gesto de
camaradagem muito bonito, inesperado e generoso.
E
que simpáticas eram aquelas famílias. Para a minha companheira foi um gesto de
boas vindas muito acolhedor. Para o meu Manel quatro instantâneos e inesperados
amigos todos pequenos como ele, caídos do céu. E para mim… Bem, para mim, fez
toda a diferença, entre o Antes em Portalegre e o Agora nesta nova colocação.
Nessa já longínqua primeira madrugada do ano de 1980 eu senti mais uma vez que Deus era meu amigo.
E
agradeci:
-
Por me ter mandado aquele camarada de Alpalhão que me aconselhou a ir falar com
o comandante de companhia;
-
Pela transferência quase imediata;
- Por me der ajudado a conseguir também sem dificuldades aquela acolhedora casinha;
-
Pelo gesto simpático daqueles camaradas e das suas bonitas famílias;
-
Pela minha família finalmente reunida;
-
Pela esposa a meu lado adormecida e pelo filho também adormecido na caminha ali
junto a mim com boas perspectivas de assim continuarmos para o resto das nossas vidas.
E
pensei ainda, antes de adormecer também.
- O Ano de 1979 é um ano para esquecer, mas… Já
passou, já lá vai.
Hoje é dia de Ano Novo!
Viva
1980.
José
Coelho in Histórias do Cota