Agosto de 1981
Contra ventos e marés, batalha vencida
O
teste de topografia que me desclassificou, o ultimo do curso, correra-me
muito bem. Tenho ainda hoje e passados todos estes anos, porque tais injustiças
nunca se esquecem, a noção exata daquilo que fiz. Não deixara uma só pergunta sem resposta e mais palavra menos conta, tudo correcto. Quis muitos anos mais tarde o destino que a última década da minha carreira
fosse passada como instrutor de futuros guardas. Ali tive oportunidade de ver
em pormenor os justos e muito imparciais critérios da classificação de qualquer
teste ou prova escritos. Cada um deles é sempre concebido para, no seu todo,
resultar numa média aritmética na escala de 0 a 20 valores, distribuindo-se os
mesmos equitativamente pelas questões a solucionar, raramente ultrapassando a
fasquia de 1,5 valores cada pergunta.
Corrigi
milhares de testes nesses dez anos e por isso sei que naquele em que fui passado de 17 para 13 valores inopinadamente, tendo, como tenho ainda hoje, a noção exacta
do teste que fiz, jamais poderia haver uma quebra de 4 valores, exactamente os
que seriam necessários para que o outro camarada – que nada teve
a ver com isso como já referi – passasse de 2º para 1º classificado. Foi tão óbvio
que toda a gente se deu conta, a começar pelo visado que nunca tal 1º lugar o
honrou e sempre fez questão de repudiar.
Sei,
pelo que já aqui escrevi, mas também pelo muito que ainda hei-de escrever, as
filha-de-putices de que muita gente é capaz. Sei também o que se sente quando
somos humilhados, injustiçados, perseguidos e caluniados por pessoas que não
demonstram em nada serem melhores do que nós, sendo a razão da sua força apenas o
poder institucional de que estão investidos, os galões, divisas ou cargos que
ostentam, dos quais fazem incorrecto e impune uso.
Quem
me dera que muitos dos novos e inexperientes guardas e polícias que há por esse
país fora conseguissem ser fortes e aguentar a pressão tremenda de muitas injustiças, como eu consegui aguentar. E capazes de agir também
como eu consegui agir, de cabeça fria, ainda que à custa de muitas almofadas humedecidas de choro pela calada da noite. Preocupa-me imenso o que
vejo e ouço nos telejornais acerca do suicídio inexplicável de tantos homens
das forças de segurança e estremeço sempre que me lembro de tudo aquilo por que
passei também.
Ainda
assim e apesar de tão desumanamente ter sido tratado quando ingressei no ilustre e digno Corpo Especial de Tropas que é a Guarda Nacional Republicana, não necessitei de grande esforço
para me dedicar completamente ao pleno exercício das funções que abracei
com empenho e total entrega, na vasta e complexa Missão que no meu Compromisso
de Honra aceitei em alta voz e publicamente cumprir. Nunca sequer me passou pela cabeça que
aqueles “fulanos” que me destrataram nos meus primeiros passos enquanto candidato,
reproduziam o que seria no seu todo a nobre Instituição.
Nem
pouco mais ou menos.
Portalegre
ficava como fica ainda, muito longe de Lisboa. Naquele tempo então, era a um
dia de viagem. Atrevo-me a afirmar que muitas coisas que aconteciam – não sei
se não acontecerão ainda – por esse país fora e no género daquelas que me
fizeram a mim, são completamente desconhecidas logo no escalão de comando
imediatamente superior que fica mesmo ali ao lado, quanto mais nos gabinetes do
Comando Geral.
Pensando pois dessa maneira, em vez de cultivar no meu coração qualquer desânimo, qualquer
semente de revolta, de retaliação ou de vingança, levantei a cabeça com
dignidade e procurei, desde a primeira hora, aperfeiçoar-me ao máximo profissionalmente.
Continuei
a esforçar-me por aprender mais e melhor no meu dia-a-dia através de muito
trabalho e empenho, de uma postura digna e correta perante a comunidade, tudo isso aliado
ao estudo incansável de cada código, de cada lei, de cada preceito militar, de
cada pasta do arquivo do Posto e de cada NEP – Normas de Execução Permanente –
pois entendia que só dessa forma algum dia atingiria o nível que almejava alcançar
para me sentir um competente e responsável profissional da GNR.
Tomava
notas de tudo, fazia dossiês de apontamentos sobre o armamento, legislação
penal, regulamentos policiais, deveres militares ou manutenção da ordem
pública, estudava e fazia cópias dos autos de toda a natureza, ao mesmo tempo
que tentava entender as leis que lhes davam origem, em suma, fui trabalhando
lenta e decididamente sempre mais e mais para conseguir formar-me e assim
atingir o patamar que a mim mesmo tinha proposto alcançar.
A
minha maior e mais secreta ambição era ser capaz de demonstrar a todos aqueles
“trastes” que me quiseram prejudicar, o quanto eu continuava a ser capaz de fazer mais e
melhor, assim como ainda espetar-lhes naquelas trombas que
era um homem de bem, exactamente o contrário daquilo que tão injustamente eles
me consideravam...
José
Coelho in Histórias do Cota