quarta-feira, 8 de março de 2017

Coisas q'escrevi...

Agosto de 1981



 Contra ventos e marés, batalha vencida



O teste de topografia que me desclassificou, o ultimo do curso, correra-me muito bem. Tenho ainda hoje e passados todos estes anos, porque tais injustiças nunca se esquecem, a noção exata daquilo que fiz. Não deixara uma só pergunta sem resposta e mais palavra menos conta, tudo correcto. Quis muitos anos mais tarde o destino que a última década da minha carreira fosse passada como instrutor de futuros guardas. Ali tive oportunidade de ver em pormenor os justos e muito imparciais critérios da classificação de qualquer teste ou prova escritos. Cada um deles é sempre concebido para, no seu todo, resultar numa média aritmética na escala de 0 a 20 valores, distribuindo-se os mesmos equitativamente pelas questões a solucionar, raramente ultrapassando a fasquia de 1,5 valores cada pergunta.

Corrigi milhares de testes nesses dez anos e por isso sei que naquele em que fui passado de 17 para 13 valores inopinadamente, tendo, como tenho ainda hoje, a noção exacta do teste que fiz, jamais poderia haver uma quebra de 4 valores, exactamente os que seriam necessários para que o outro camarada – que nada teve a ver com isso como já referi – passasse de 2º para 1º classificado. Foi tão óbvio que toda a gente  se deu conta, a começar pelo visado que nunca tal 1º lugar o honrou e sempre fez questão de repudiar.

Sei, pelo que já aqui escrevi, mas também pelo muito que ainda hei-de escrever, as filha-de-putices de que muita gente é capaz. Sei também o que se sente quando somos humilhados, injustiçados, perseguidos e caluniados por pessoas que não demonstram em nada serem melhores do que nós, sendo a razão da sua força apenas o poder institucional de que estão investidos, os galões, divisas ou cargos que ostentam, dos quais fazem incorrecto e impune uso.

Quem me dera que muitos dos novos e inexperientes guardas e polícias que há por esse país fora conseguissem ser fortes e aguentar a pressão tremenda de muitas injustiças, como eu consegui aguentar. E capazes de agir também como eu consegui agir, de cabeça fria, ainda que à custa de muitas almofadas humedecidas de choro pela calada da noite. Preocupa-me imenso o que vejo e ouço nos telejornais acerca do suicídio inexplicável de tantos homens das forças de segurança e estremeço sempre que me lembro de tudo aquilo por que passei também.

Ainda assim e apesar de tão desumanamente ter sido tratado quando ingressei no ilustre e digno Corpo Especial de Tropas que é a Guarda Nacional Republicana, não necessitei de grande esforço para me dedicar completamente ao pleno exercício das funções que abracei com empenho e total entrega, na vasta e complexa Missão que no meu Compromisso de Honra aceitei em alta voz e publicamente cumprir. Nunca sequer me passou pela cabeça que aqueles “fulanos” que me destrataram nos meus primeiros passos enquanto candidato, reproduziam o que seria no seu todo a nobre Instituição.

Nem pouco mais ou menos.

Portalegre ficava como fica ainda, muito longe de Lisboa. Naquele tempo então, era a um dia de viagem. Atrevo-me a afirmar que muitas coisas que aconteciam – não sei se não acontecerão ainda – por esse país fora e no género daquelas que me fizeram a mim, são completamente desconhecidas logo no escalão de comando imediatamente superior que fica mesmo ali ao lado, quanto mais nos gabinetes do Comando Geral.

Pensando pois dessa maneira, em vez de cultivar no meu coração qualquer desânimo, qualquer semente de revolta, de retaliação ou de vingança, levantei a cabeça com dignidade e procurei, desde a primeira hora, aperfeiçoar-me ao máximo profissionalmente.

Continuei a esforçar-me por aprender mais e melhor no meu dia-a-dia através de muito trabalho e empenho, de uma postura digna e correta perante a comunidade, tudo isso aliado ao estudo incansável de cada código, de cada lei, de cada preceito militar, de cada pasta do arquivo do Posto e de cada NEP – Normas de Execução Permanente – pois entendia que só dessa forma algum dia atingiria o nível que almejava alcançar para me sentir um competente e responsável profissional da GNR.

Tomava notas de tudo, fazia dossiês de apontamentos sobre o armamento, legislação penal, regulamentos policiais, deveres militares ou manutenção da ordem pública, estudava e fazia cópias dos autos de toda a natureza, ao mesmo tempo que tentava entender as leis que lhes davam origem, em suma, fui trabalhando lenta e decididamente sempre mais e mais para conseguir formar-me e assim atingir o patamar que a mim mesmo tinha proposto alcançar.

A minha maior e mais secreta ambição era ser capaz de demonstrar a todos aqueles “trastes” que me quiseram prejudicar, o quanto eu continuava a ser capaz de fazer mais e melhor, assim como ainda espetar-lhes naquelas trombas que era um homem de bem, exactamente o contrário daquilo que tão injustamente eles me consideravam...


José Coelho in Histórias do Cota