Patrulheiros (da minha colecção de bonecos da Guarda)
Foto by José Coelho
Camaradagem
Passou
o verão de 1979. Certo dia e já entrado o Outono saí de patrulha aos campos com
um dos tais velhos e ponderados guardas como comandante. Já nos conhecíamos na
altura bastante bem porquanto e mais que uma vez lhe tinha respondido com
seriedade e honestidade às suas dúvidas sobre os motivos que levavam a que eu
fosse considerado o “inimigo público nº 1” e que estavam na origem tantos excessos verbais.
Era
aquele guarda um homem bom. De Alpalhão. Infelizmente já não está entre nós. Não
tenho dúvidas que ele acreditava de facto em mim e no que eu lhe ia revelando
com sincera verdade sobre as minhas actividades no tal sindicato dos
trabalhadores rurais onde nunca fora secretario, onde apenas e sem qualquer
conotação política nada mais fizera do que ajudar na escrita em virtude de
os dirigentes eleitos serem todos analfabetos. E, sim senhor, tinha-os de facto
auxiliado em tudo quanto pude até também por uma questão de humanidade, uma vez
que, conhecendo-os de toda a minha vida, via neles a mesmíssima humilde e
honrada condição do meu próprio pai.
Desde
quando – desabafava eu com ele - ajudar é crime? E mais! Ao aderirem a um
sindicato para defenderem os seus interesses, aqueles honestos trabalhadores
não estavam a fazer nada de mal. Porque não haveria eu de os ajudar se tinha
todo o meu tempo livre por não conseguir arranjar qualquer trabalho? Não duvidava que fora a má fé e malvadez de algumas pessoas que eu inocentemente julgara
minhas amigas quem criou à minha volta todos esses boatos. Por acaso nunca fui militante
de nenhum partido político. Mas, se o fosse, só estava a usufruir do mesmo
direito constitucionalmente reconhecido àqueles que neles militam.
Contei-lhe
ainda que acompanhava quase sempre o tal senhor doutor
da alfândega conforme era acusado porque ele me pedia que lhe indicasse os
locais onde ia fazer as sessões de esclarecimento. Porque não? Havia nisso
qualquer irregularidade? Que ele falava muito, de facto, no MDP/CDE, nos
direitos dos trabalhadores e na necessidade de se unirem em sindicatos e por
isso tinha sido ele o grande impulsionador e responsável de muitas dessas actividades na minha freguesia.
Porém
uma coisa era acompanhá-lo e ser amigo dele, outra coisa era que eu percebesse
fosse o que fosse da sua política. Daquela ou de qualquer outra. Que formação
tinha eu? Muitas vezes me apercebi que algumas das pessoas que trabalhavam sob
a sua chefia não simpatizavam nada com as coisas que ele afirmava mas
arreganhavam sempre os dentes para ele em falsos e alarves sorrisos porque não tinham
tomates para contradizer os seus argumentos.
“Senhor
Doutor assim, senhor doutor assado”, mas sabe Deus o que lhes ia no íntimo. Só
que ele sabia disso porque de ingénuo não tinha nada. Como não podiam tocar-lhe
porque não tinham ousadia para tanto, viraram a sua sanha, cobardia e falta de
frontalidade contra mim, peixe miúdo, a quem facilmente transformaram em bode
expiatório.
Naquela
tarde, enquanto percorríamos calmamente o nosso longo giro de patrulha com oito
horas de duração contei-lhe ainda sem qualquer receio aquela que foi, para mim,
a melhor medida que o “tal” doutor tinha trazido a dezenas de velhotes da minha
freguesia. Tinha sido por essa altura publicada uma nova lei que obrigava todas
as entidades patronais a inscreverem os seus trabalhadores na segurança social
a fim de descontarem para as suas reformas, usufruírem dos abonos de família
dos filhos menores aqueles que ainda os tinham, lei essa onde havia ainda
também uma cláusula extraordinariamente importante que dizia mais ou menos que:
Qualquer
indivíduo que tivesse trabalhado mais de cinco anos para um patrão e do qual
tivesse saído por motivo de velhice há também menos de cinco anos, tinha
direito a ser por ali reformado, bastando para tanto preencher uns formulários
que se iam buscar à Caixa de Previdência de Portalegre na Avenida Frei Amador
Arrais hoje designada Segurança Social e já sedeada junto ao estádio, do outro
lado da cidade, arranjar três testemunhas de maior idade (mais de 21 anos) que
atestassem por sua honra terem conhecimento que aquele indivíduo trabalhara
para a tal entidade patronal durante mais de cinco anos, e, automaticamente
essa entidade patronal era obrigada a reembolsar a Caixa dos descontos retroativos,
podendo logo a seguir o trabalhador que tivesse mais de 65 anos de idade
requerer a sua reforma, preenchendo para isso um requerimento em impresso
próprio.
Não
sei dizer que Lei foi aquela. É de finais de 1974 ou princípios de 1975 e
deduzo hoje que terá sido talvez a “mãe” da Lei que tornou definitivamente
obrigatórios os descontos para a Segurança Social e que por essa altura terá
entrado definitivamente em vigor. Mas não tenho qualquer dúvida em afirmar que
sei, quase com absoluta certeza, que foi esse o alegado “grave crime” que eu
cometi à luz do entendimento mal-intencionado de muitos “amigos” meus e que
tantos dissabores me causou.
Contar-vos-ei
mais pormenores, no próximo relato. Até lá…
José
Coelho in Histórias do Cota