As provas físicas de admissão nunca foram pera doce
Adeus, Minas
Mais
uma vez o destino quis surpreender-me. O requerimento para ingresso na GNR que
preenchera em meados de Setembro foi deferido em pouco mais de quinze dias e quando
vim a casa no segundo fim de semana de Outubro fui chamado ao posto de Santo
António das Areias para ser notificado a ir prestar provas de admissão em Novembro.
Ainda
consigo lembrar-me da expressão de desagrado e surpresa que fez o meu primo
António Dias que era guarda fiscal no posto do Santo Amador e o que ele me
disse quando lhe dei tal notícia:
-
Porra, primo! Não quiseste tu vir para a Guarda Fiscal quando tanta gente se ofereceu para te lá meter e agora
vais para essa merda que ninguém grama. Não lembra ao diabo…
Coitado
do António! Não chegou a ver-me fardado de bófia porque poucos dias depois um estúpido
acidente de viação ceifou-lhe a vida.
Logo
que regressei ao meu trabalho fui entregar cópia da notificação na Secção de
Pessoal da Beralt onde solicitei rescisão do meu contrato de trabalho com o
prazo legal afim de serem processados os honorários que me fossem devidos.
Fi-lo com infinita pena pois sentia no meu íntimo que se estava a encerrar um
dos melhores capítulos da minha vida e que provavelmente nunca mais iria
encontrar amigos tão leais como os que ali tivera o privilégio de conhecer.
Era
de facto uma mudança de rumo por mim voluntariamente decidida
mas que me entristecia bastante. Não pela beleza do trabalho, muito pelo contrário,
porque o serviço do mineiro seja em que mina for é um serviço arriscado, sujo e sempre desempenhado
nas profundezas da terra entre lama, humidade, máquinas e escuridão. Porém, a
forma como ali fui recebido pelos meus conterrâneos quando quase fui expulso da
terra como um criminoso, a estabilidade financeira que se instalara na minha
vida, as sinceras amizades que se estabeleceram entre mim, a minha família e as
famílias dos mineiros, bem como a minha enorme gratidão pelo conjunto de todas
essas circunstâncias, tinham tocado no mais profundo do meu ser. Não foi fácil dizer-lhes adeus.
Lá
ficou sem dúvida alguma e para sempre um bocadinho do meu coração. Nunca tinha
sido tratado com tal respeito e dignidade, nunca conhecera pessoas tão
generosas, nunca me tinha adaptado tão bem em lugar algum. Mas tinha mesmo que
refletir pois havia mais vida minha para além da Panasqueira. A família que amava mas de
quem vivia longíssimo há quase cinco anos também tinha uma palavra a dizer. E
aquele tão sensato como íntegro conselho do Zé Mouro tinha calado fundo no meu
íntimo e mexera muito comigo. Pensara seriamente em tudo quanto ele me dissera. Era chegado o momento de encerrar aquele bonito capítulo da minha vida porque
estava destinado que novas páginas tinham que ser escritas.
E
assim foi.
Fui
a Santa Bárbara - Lisboa prestar as provas de admissão exigidas para ingressar
no quadro efectivo da Guarda Nacional Republicana. Sem grandes dificuldades –
passe a imodéstia desta afirmação – consegui ultrapassar com êxito todas as provas escritas, físicas e médicas sendo logo notificado no mesmo dia para ir-me apresentar a 22 de Janeiro de
1979 no Comando da Companhia Territorial de Portalegre onde ia ser ministrado
o 1º Curso de Formação de Praças daquele ano.
Continuava,
apesar de tudo, sem nenhuma motivação para aquela profissão completamente
desconhecida para mim. A alergia à farda mantinha-se pois o Maiombe ainda estava
demasiado fresco na memória. Em contrapartida, a família estava feliz, muito
feliz. Achavam que aquela sim, era uma profissão segura e com futuro por ser “do Estado”.
Em segundo lugar, porque tinham conseguido finalmente levar a melhor e tirar-me
do buraco da Mina onde temiam que eu pudesse morrer entaipado algum dia.
Esqueceram-se daquele ditado popular que diz que “erva ruim não a queima a
geada”. Mas pronto. Venceram.
A
euforia familiar era até compreensível. Só que nunca, jamais e em tempo algum eu imaginara
que um dia iria ser guarda e muito menos na GNR com quem nunca tivera qualquer
contacto ou afinidade. Para mim, fardas, quando muito, só as civis. A de
carteiro ou a de ferroviário que essas sim, eram profissões que eu conhecia desde menino e com as quais me identificava e sonhara, sendo qualquer delas
a principal motivação que me levou a oferecer-me voluntário para o serviço
militar aos 17 anos.
Logo
que regressei da guerra bem mandei duas cartas para as chefias dos CTT e da
CP a solicitar-lhes inscrição para emprego. Infelizmente deram-me por resposta uma
e a outra na altura uma lacónica resposta:
Lamentamos
informar V. Exª que não temos presentemente aberto qualquer processo de
admissão de pessoal aos quadros desta empresa.
Com
os melhores cumprimentos.
Atentamente
José
Coelho in Histórias do Cota