quarta-feira, 1 de março de 2017

Coisas q'escrevi...

As provas físicas de admissão nunca foram pera doce


Adeus, Minas


Mais uma vez o destino quis surpreender-me. O requerimento para ingresso na GNR que preenchera em meados de Setembro foi deferido em pouco mais de quinze dias e quando vim a casa no segundo fim de semana de Outubro fui chamado ao posto de Santo António das Areias para ser notificado a ir prestar provas de admissão em Novembro.

Ainda consigo lembrar-me da expressão de desagrado e surpresa que fez o meu primo António Dias que era guarda fiscal no posto do Santo Amador e o que ele me disse quando lhe dei tal notícia:

- Porra, primo! Não quiseste tu vir para a Guarda Fiscal quando tanta  gente se ofereceu para te lá meter e agora vais para essa merda que ninguém grama. Não lembra ao diabo…

Coitado do António! Não chegou a ver-me fardado de bófia porque poucos dias depois um estúpido acidente de viação ceifou-lhe a vida.

Logo que regressei ao meu trabalho fui entregar cópia da notificação na Secção de Pessoal da Beralt onde solicitei rescisão do meu contrato de trabalho com o prazo legal afim de serem processados os honorários que me fossem devidos. Fi-lo com infinita pena pois sentia no meu íntimo que se estava a encerrar um dos melhores capítulos da minha vida e que provavelmente nunca mais iria encontrar amigos tão leais como os que ali tivera o privilégio de conhecer.

Era de facto uma mudança de rumo por mim voluntariamente decidida mas que me entristecia bastante. Não pela beleza do trabalho, muito pelo contrário, porque o serviço do mineiro seja em que mina for é um serviço arriscado, sujo e sempre desempenhado nas profundezas da terra entre lama, humidade, máquinas e escuridão. Porém, a forma como ali fui recebido pelos meus conterrâneos quando quase fui expulso da terra como um criminoso, a estabilidade financeira que se instalara na minha vida, as sinceras amizades que se estabeleceram entre mim, a minha família e as famílias dos mineiros, bem como a minha enorme gratidão pelo conjunto de todas essas circunstâncias, tinham tocado no mais profundo do meu ser.  Não foi fácil dizer-lhes adeus.

Lá ficou sem dúvida alguma e para sempre um bocadinho do meu coração. Nunca tinha sido tratado com tal respeito e dignidade, nunca conhecera pessoas tão generosas, nunca me tinha adaptado tão bem em lugar algum. Mas tinha mesmo que refletir pois havia mais vida minha para além da Panasqueira. A família que amava mas de quem vivia longíssimo há quase cinco anos também tinha uma palavra a dizer. E aquele tão sensato como íntegro conselho do Zé Mouro tinha calado fundo no meu íntimo e mexera muito comigo. Pensara seriamente em tudo quanto ele me dissera. Era chegado o momento de encerrar aquele bonito capítulo da minha vida porque estava destinado que novas páginas tinham que ser escritas.

E assim foi.

Fui a Santa Bárbara - Lisboa prestar as provas de admissão exigidas para ingressar no quadro efectivo da Guarda Nacional Republicana. Sem grandes dificuldades – passe a imodéstia desta afirmação – consegui ultrapassar com êxito todas as provas escritas, físicas e médicas sendo logo notificado no mesmo dia para ir-me apresentar a 22 de Janeiro de 1979 no Comando da Companhia Territorial de Portalegre onde ia ser ministrado o 1º Curso de Formação de Praças daquele ano.

Continuava, apesar de tudo, sem nenhuma motivação para aquela profissão completamente desconhecida para mim. A alergia à farda mantinha-se pois o Maiombe ainda estava demasiado fresco na memória. Em contrapartida, a família estava feliz, muito feliz. Achavam que aquela sim, era uma profissão segura e com futuro por ser “do Estado”. Em segundo lugar, porque tinham conseguido finalmente levar a melhor e tirar-me do buraco da Mina onde temiam que eu pudesse morrer entaipado algum dia. Esqueceram-se daquele ditado popular que diz que “erva ruim não a queima a geada”. Mas pronto. Venceram.

A euforia familiar era até compreensível. Só que nunca, jamais e em tempo algum eu imaginara que um dia iria ser guarda e muito menos na GNR com quem nunca tivera qualquer contacto ou afinidade. Para mim, fardas, quando muito, só as civis. A de carteiro ou a de ferroviário que essas sim, eram profissões que eu conhecia desde menino e com as quais me identificava e sonhara, sendo qualquer delas a principal motivação que me levou a oferecer-me voluntário para o serviço militar aos 17 anos.

Logo que regressei da guerra bem mandei duas cartas para as chefias dos CTT e da CP a solicitar-lhes inscrição para emprego. Infelizmente deram-me por resposta uma e a outra na altura uma lacónica resposta:

Lamentamos informar V. Exª que não temos presentemente aberto qualquer processo de admissão de pessoal aos quadros desta empresa.

Com os melhores cumprimentos.

Atentamente


José Coelho in Histórias do Cota