domingo, 29 de janeiro de 2017

Coisas q'escrevi

O sorriso ingénuo desta foto em Estremoz...

... ficou perdido algures no Maiombe.


Regresso a Casa - Pai


Saciada que foi momentaneamente a saudade da minha mãe, abracei também com muito carinho uma emocionada prima-irmã Antonieta que a acompanhava, inteirando-me ela que os seus pais, os tios Ciro e Maria d’Alegria – cunhado e irmã do meu pai – nos aguardavam também algo ansiosos em casa para jantar.

Entretanto eram quase oito horas da tarde. O meu camarada e hoje compadre Manel – padrinho de batismo do meu primeiro filho conforme foi entre nós combinado no Maiombe e que por isso mesmo se chama também Manel – por ser do norte e em virtude de a sua mãe ter uma prole de mais sete rapazes, quase todos pequenos ainda, a residirem em Santa Cruz do Bispo – Matosinhos, não tinha ninguém à sua espera em Lisboa. E como eu tinha falado bastante daquele camarada à família nos aerogramas semanais, a minha mãe reconheceu-o logo. A primeira coisa que ele lhe disse enquanto a abraçava foi um - "aqui lhe entrego o seu moço são e salvo, tia Florinda..."

Por seu lado a CP como era habitual naquelas circunstâncias tinha organizado um comboio especial militar com destino ao Porto a fim de escoar todos aqueles camaradas que regressaram nesse dia comigo e cuja esmagadora maioria eram do norte. O comboio tinha a saída de Santa Apolónia marcada apenas para as dez da noite. Como ainda dava tempo, levámos o camarada a jantar connosco à Rua das Escolas Gerais nº 4,  3º Dtº  - a casa onde os tios moraram enquanto foram vivos e onde tão bem tratado fui sempre - e fomos depois acompanhá-lo ao embarque duas horas depois. E ali sim pudemos ver que a estação mais parecia um arraial de São João com tantos camaradas felizes, alguns já bem bebidos, outros com familiares, outros sem familiares mas reunidos em grandes grupos a darem larga finalmente à sua bem merecida euforia.

Pernoitámos em casa da tia d’Alegria pelo que só rumámos à Beirã no dia seguinte no comboio expresso TER que ligava Lisboa a Madrid e saía de Santa Apolónia às oito e dez da manhã. Eu continuava ainda ansioso por ver o resto da família que tanto amava. O pai que tinha ficado em casa a cuidar das três irmãs, assim como, evidentemente, a namorada que hoje é a mãe dos meus filhos, os avós, tios, primos, vizinhos e uma legião de amizades.

Desde que chegara a Lisboa estava muito piegas. As lágrimas assomavam-me aos olhos por tudo e por nada, inexplicavelmente. E acho que nunca mais me curei dessa pieguice da qual não me envergonho nada, muito pelo contrário, por ser coisa que herdei do meu saudoso pai, o qual, muitas vezes e com a maior facilidade chorava, bastando o simples facto de lhe darmos um beijo ou um abraço, ou apenas por lhe fazermos um carinho qualquer. Fossem os filhos ou algum dos netos. Penso que por ser uma pessoa tão bondosa comovia-se facilmente e muitas vezes sem qualquer razão aparente. Pena eu dele ter herdado apenas a choraminguice porque no que respeita à bondade nem lhe chego aos calcanhares.

 O elegante comboio azul e prata TER chegou à estação de Castelo de Vide, a penúltima antes da Beirã, faltava um quarto para as onze. E a paisagem tão querida quanto familiar começou a desenrolar-se diante dos meus extasiados olhos. Que delícia! Que saudades eu tivera das minhas pedras, dos meus sobreiros e giestas, daquele aroma cálido e perfumado dos campos secos do início do verão, longe do húmido e pegajoso cacimbo e do interminável verde da sombria floresta tropical.

Parecia ainda quase um sonho mas ali estava Castelo de Vide de um lado da linha e do outro os canchais pontilhados de carvalhos, sobreiros, oliveiras, hortas e casas brancas isoladas, aqui e além. Era mesmo verdade. Ia no comboio que me levava finalmente para casa, para junto de todos os entes queridos e sem aquele habitual aperto no peito causado pela expectativa de ouvir tiros ou explosões a qualquer instante. Tudo isso ficara definitivamente para trás.

Passámos a Ponte das Águas e mais além avistei o Monte da Broca com a grande e cuidada horta do meu pai.

Ufff…

Ainda hoje me arrepio com essa recordação!

Logo a seguir o campo da bola e a Passagem de Nível do Penedo da Rainha. E ele lá vinha, quase a correr pela estrada do Pereiro antes da passagem de nível. O meu pai! E a porra da janela do comboio que não abria! O comboio era climatizado por isso as janelas eram de vidros fixos! Fiz-lhe adeus. Ele viu-me, conheceu-me e fez-me adeus também. Depois de tanto tempo. Depois de ter temido tantas vezes não voltar a abraçá-lo.

Finalmente, a estação da Beirã. E uma dúzia de braços abertos a correrem para mim. Gritos, risos, lágrimas, soluços, beijos. E longos, apertados abraços. Manas, tias, primos, vizinhos, amigos. Tanta gente à minha espera…

Pouco depois, especado à porta da nossa casa, ofegante ainda da correria desde a horta, aguardava-me também lavado em lágrimas, o meu velho amigo e querido Pai.

- Até que enfim estás em casa, filho! Graças a Deus…

Ali ficámos fortemente abraçados tempo sem fim e chorando como duas madalenas arrependidas como se ainda receássemos que fosse mentira…


José Coelho in Histórias do Cota