Rua do Comércio - Portalegre - Foto do Google
O que hoje vou escrever aconteceu na cidade de Portalegre onde tive de ir por motivo de uma das minhas consultas de rotina na pneumologia da ULSNA. Terminada a consulta rumámos eu e a minha companheira à Rua do Comércio em busca de coisas que nos faziam falta e ali costumamos adquirir nas lojas das quais somos clientes de já longa data.
Sem grande surpresa encontrámos a Rua do Comércio quase vazia de gente e também de lojas. Salta à vista a escassez de ambas. Na primeira em que entrámos fomos recebidos com a estima e consideração que sempre caracterizou o atendimento no comércio tradicional quer nas nossas cidades de província, quer nas vilas e aldeias, algo inexistente nos super's, híper's ou fóruns, onde o que conta é a faturação e o consumo e ninguém conhece ninguém. É um atendimento impessoal e frio, sem lugar à componente que gerava empatia vendedor/consumidor e criava laços de afetividade humana tão saudáveis como necessários por vezes ao nosso bem-estar geral.
Não resistimos a comentar tanto silêncio naquele percurso da cidade tão emblemático e cheio de história local e por isso manifestámos à senhora que ao balcão amavelmente nos atendeu - como sempre - a nossa estranheza por estes tempos modernos onde o vazio e a escassez de gente vai ganhando cada vez mais terreno por todo o interior do nosso país. As lojas fechadas sucedem-se umas às outras num cenário desolador e de deprimente abandono. E eu a julgar que só na minha Beirã havia ruas inteiras de casas vazias!
- Sabe quantas lojas já estão fechadas na Rua do Comércio?
Perguntou-me amavelmente a senhora.
- Quarenta! Rematou.
Quatro dezenas de portas fechadas na mais comercial das ruas da Portalegre antiga, onde eu comprei o meu fato de casamento, depois os fatos de batismo e comunhão dos filhos e até já também mais recentemente algumas roupinhas para as minhas netas.
Inacreditável.
Não seria, ainda assim, aquela revelação, a maior surpresa do dia. Comprado o que precisávamos na primeira loja, dirigimo-nos em seguida a uma outra mais acima, da qual, de igual modo, somos também clientes há décadas. Atrás do balcão uma doçura de senhora a atender-nos com a simpatia e amizade que tanto a caracterizaram sempre pela positiva. Não tinha o que pretendíamos mas a confiança dos muitos anos como seus clientes resultou numa amena conversa a três.
Inacreditável.
Não seria, ainda assim, aquela revelação, a maior surpresa do dia. Comprado o que precisávamos na primeira loja, dirigimo-nos em seguida a uma outra mais acima, da qual, de igual modo, somos também clientes há décadas. Atrás do balcão uma doçura de senhora a atender-nos com a simpatia e amizade que tanto a caracterizaram sempre pela positiva. Não tinha o que pretendíamos mas a confiança dos muitos anos como seus clientes resultou numa amena conversa a três.
E que conversa!
A digníssima senhora tem 82 anos e aquela loja há mais de 60. Pensou trespassá-la e aposentar-se, mas ainda não o pôde fazer porque tem a viver consigo a filha que ficou desempregada, o genro que trabalha todos os meses do ano mas a quem o patrão umas vezes paga, outras não por causa da crise e falta de dinheiro que afeta as empresas por todo o lado, sendo que dessa filha e genro a doce senhora tem ainda também um neto adolescente, todos a viverem em sua casa por absoluta necessidade.
Com tão escassa procura e vendas reduzidas a quase nada, não consegui evitar estremecer involuntariamente quando num lamento triste e muito sentido a senhora nos disse:
- Nunca na minha vida vivi tão mal!
Despedimo-nos com a amizade do costume mas passei o resto do dia algo melancólico com a narrativa daquela senhora de já tão proveta idade mas que tem de continuar a passar os dias atrás do balcão da sua loja para angariar algum sustento para os seus, quando devia e merecia estar já mas é no aconchego da sua sala de estar a fazer tricot, ou numa esplanada em amena cavaqueira com as amigas, entre um chá e a leitura de uma qualquer revista do seu agrado, no gozo pleno de uma tão merecida reforma.
É este o país real em que vivemos. Foi para isto que se fez o 25 de abril e aderimos com tanta pompa e circunstância à União Europeia? Quantas mães, avós e sogras estão na mesma situação daquela nobre senhora? Quantas mais histórias destas haverá escondidas na nossa rua, no nosso bairro, na nossa terra? Ontem e mais uma vez senti-me mal por ter de viver num país tão injusto, gerador desta e de tantas outras histórias tristes que vivem ocultas na vergonha que muitas pessoas sentem em as assumir.
Entretanto como é do conhecimento geral e comummente aceite como se fosse normal, aqueles que ao longo de mais de 40 anos foram passando pelos sucessivos poleiros governativos e seus afins, nadam na abundância das suas douradas pensões vitalícias de muitos milhares de euros, acrescidas outras mordomias também vitalícias, tudo a somar às suas mais que duvidosas fortunas as quais todos desconfiamos como foram conseguidas por muitos deles não terem onde cair mortos antes de se meterem nas lides políticas.
Entretanto como é do conhecimento geral e comummente aceite como se fosse normal, aqueles que ao longo de mais de 40 anos foram passando pelos sucessivos poleiros governativos e seus afins, nadam na abundância das suas douradas pensões vitalícias de muitos milhares de euros, acrescidas outras mordomias também vitalícias, tudo a somar às suas mais que duvidosas fortunas as quais todos desconfiamos como foram conseguidas por muitos deles não terem onde cair mortos antes de se meterem nas lides políticas.
E são esses mesmos felizardos que vêm para as televisões e jornais frequentemente dizer que precisamos de fazer mais sacrifícios. Dizem-no assim, tranquilamente, com todos os dentes que têm na boca, sem qualquer vestígio de pudor, como se também tivessem de andar a contar os trocos dia a dia ou terem de optar entre ir à farmácia comprar os medicamentos ou ir ao supermercado comprar comida.
Não tem tamanho a repugnância que sinto por tudo o que vejo acontecer em meu redor em pleno século XXI. Não sou adepto de histórias da desgraçadinha mas o desabafo tão sentido e triste daquela respeitável senhora que aos 82 anos é obrigada a trabalhar para acudir aos seus dadas circunstâncias a que os governos deste país nos conduziram, mexeu com todas as minhas sensibilidades de estimação.
Não tem tamanho a repugnância que sinto por tudo o que vejo acontecer em meu redor em pleno século XXI. Não sou adepto de histórias da desgraçadinha mas o desabafo tão sentido e triste daquela respeitável senhora que aos 82 anos é obrigada a trabalhar para acudir aos seus dadas circunstâncias a que os governos deste país nos conduziram, mexeu com todas as minhas sensibilidades de estimação.
Até com as mais blindadas.
José Coelho
20.02.2015