domingo, 12 de fevereiro de 2023

Coincidências... (ou talvez não)

O desenho que ilustrava o "recado" abaixo descrito


Naquele final de manhã encontrava-me numa das salas de espera do hospital de Portalegre a acompanhar a minha companheira, que, por ter partido um joelho há poucas semanas, nesse dia ia retirar o gesso. Sentia-me triste e acabrunhado, em virtude de temer que a rótula esmigalhada talvez fosse uma sentença de invalidez permanente para uma ainda jovem esposa e mãe com a vida inteira pela frente e fada de um lar com três homens a desarrumá-lo.

Cogitava de mim para mim intranquilo acerca dos desígnios do Altíssimo que nem sempre parecem ser tão justos e entendíveis como se apregoam, quando, subitamente, alguém escancarou a enorme porta envidraçada que dava para a rua, afim de entrar com uma maca onde era transportado um doente. No mesmo instante a forte corrente de ar produzida pela abertura da porta fez voar em todas as direções alguns panfletos pousados numa prateleira e aos quais ninguém aparentemente prestava qualquer atenção.

Casualmente um deles veio “aterrar” junto dos meus pés. Mecanicamente apanhei-o mais por reflexo do que por interesse, mas logo me chamou a atenção o desenho a carvão do rosto de Jesus que me pareceu estar completamente fora de contexto naquele lugar. Por isso mesmo olhei mais atentamente e acabei a ler o “recado” que o papel trazia escrito por baixo do desenho - que reproduzo a ilustrar este texto - que dizia assim:

“Quando te levantaste hoje pela manhã Eu já tinha preparado o sol para aquecer o teu dia e o alimento para a tua refeição. Sim, Eu preparei tudo isso, vigiei o teu sono, a tua família, a tua casa. Esperei que Me dissesses “bom dia” mas tu esqueceste-te. Como parecias ter tanta pressa, Eu perdoei…

O sol apareceu, as flores deram o seu perfume, a brisa da manhã acompanhou-te e tu em nenhum momento pensaste que fui Eu que preparei tudo isso para ti. Os teus familiares sorriram-te, os teus colegas cumprimentaram-te, trabalhaste, estudaste, viajaste, realizaste negócios, alcançaste vitórias, mas não percebeste que Eu estava a cooperar contigo e mais teria feito se mo tivesses pedido. Mas como corres tanto… Eu perdoei.

Leste, ouviste e viste muita coisa, mas não tiveste tempo para ler e ouvir a Minha Palavra. Quis falar contigo, mas nem paraste para me atender. Quis aconselhar-te, mas nem pensaste nessa possibilidade… Se Me ouvisses tudo seria melhor na tua vida, mas uma vez mais esqueceste-te de Mim. Esqueceste que Eu desejo a tua participação no Meu reino com a tua vida, o teu tempo e o teu talento. O dia findou e tu voltaste para casa.

Então Eu mandei lua e as estrelas para tornarem a tua noite mais bonita e para te lembrar o amor que tenho por ti. Certamente agora irás dizer-Me “obrigado” e “boa noite”! Pschiu… Estás a ouvir? Oh! Que pena… Já adormeceste! Boa noite então e dorme bem. Uma vez mais, Eu fico a velar por ti. Mas quando algum dia quiseres saber quem Sou, pergunta ao riacho que murmura, ao pássaro que canta, à flor que desabrocha, à estrela que cintila, ao moço que espera ou ao velho que recorda. Chamo-Me Amor e sou o remédio para todos os males que te atormentam o espírito. Sou Jesus.”

Acabei de ler o inesperado “recado” invadido por uma subtil serenidade. Senti algo muito forte que me comoveu ao ponto de ficar com os olhos aguados. Senti-me também em simultâneo profundamente incrédulo pela oportunidade daquela “mensagem” no preciso momento em que no meu espírito se debatiam sérias dúvidas acerca da justiça divina. Quase parecia que o texto fora escrito para mim naquele preciso momento e lugar. E posso garantir-vos que senti um conforto interior como não sentia desde o dia em que a minha companheira caíra pelas escadas abaixo em casa e fizera em três a rótula de um dos joelhos.

Guardo até hoje a folha que aquela inesperada corrente de ar fez chegar até mim.

Ponderada a frio passado algum tempo toda aquela situação, é justo reconhecer com humildade que nada houve que nos pudesse ter feito duvidar fosse do que fosse. Pelo contrário tem havido sim e muito, para agradecermos até ao fim das nossas vidas. Após a queda e transportada de imediato para o hospital, teve a Manuela a sorte – terá sido apenas sorte – de ser atendida e imediatamente operada por um dos mais qualificados ortopedistas deste país que casualmente ali prestava serviço e àquela hora estava de atendimento ao banco de urgências, o qual, com toda a  perícia e competência que lhe granjeiam a mais justificada fama, conseguiu unir com grampos e fios metálicos os três fragmentos da rótula para a reconstruir tão completa e eficazmente que não ficou qualquer sequela pós-operatória para além da enorme e indisfarçável cicatriz.

Tudo não passou de meras coincidências, dirão alguns. Talvez sim, ou talvez não, digo eu. Nem sempre, com a luz dos factos, coincide a luz da fé. 

Cada um fique pois, como é de inteira justiça, com aquilo em que acredita…


José Coelho in Histórias do Cota