quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Coisas que leio e penso também


Não desista do amor. Desista de pessoas confusas, de quem não sabe o que quer, de quem não valoriza o seu afeto, de quem não enxerga a pessoa que você é.

Não desista do amor. Desista de tentar mergulhar em pessoas rasas, de quem vive na superficialidade das aparências, de quem não tem a profundidade para comportar a sua imensidão.
Não desista do amor. Desista de ficar dando novas chances para quem já mostrou várias vezes que não é a pessoa certa para você, de insistir em portas que não se abrem, de se negar a ver quem o outro já mostrou ser.
Não desista do amor. Desista de quem te magoa, de quem tira a sua paz, de quem ameaça o seu equilíbrio emocional.
Mas não desista do amor. Porque o amor de verdade é força que move a existência, é energia que dá mais sentido à vida, é sentimento que conecta os seres e os coloca juntos numa jornada de crescimento a dois.
É por isso que do amor nunca se desiste. Ele pertence-nos. A gente desiste é das pessoas que tentam afastar-nos dele. O amor, a gente abraça.
Alexandro Gruber

O meu poeta/escritor favorito

Foto José Coelho

Chegámos ao Outono...

Vento que passas, leva-me contigo.
Sou poeira também, folha de Outono.
Rês tresmalhada que não quer abrigo
No calor do redil de nenhum dono.
Leva-me, e livre deixa-me cair
No deserto de todas as lembranças,
Onde eu possa dormir
Como no limbo dormem as crianças.

Miguel Torga

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Uma imensa nostalgia

Foto Cardinho Ramos - Castelo de Vide 1962

 

Apressados em viver a vida para alcançar o que ambicionamos, descuramos muitas vezes o valor intrínseco dos afetos ainda que sem má intenção, remetendo para segundo lugar aquilo que temos mais sagrado: A Família. Quiçá até alguns Amigos verdadeiros. Depois a vida passa, as metas nem foram tão importantes como imaginávamos e quantas vezes não terão sequer sido alcançadas.

Entretanto a Família vai diminuindo porque a vida no seu imparável percurso vai-se extinguindo e vai levando aqueles para quem o tempo termina.

E, como no inevitável acordar de qualquer sonho, chega o momento – quase sempre tarde demais – em que começamos a dar-nos conta que a nossa existência também já vai de vencida. Inutilmente olhamos para trás em busca dos que amávamos e já não temos, pois andámos tão ocupados que nem percebemos serem eles o bem mais valioso e importante que possuíamos.

Porém nada mais há a fazer porque não é possível regredir no tempo, restaurar afetos, recuperar, enfim, tudo aquilo que não soubemos avaliar e desfrutar no tempo certo.

Envelhecemos sem quase nos apercebermos e só quando uma dor numa articulação começa a ser frequente, o coração começa a trabalhar irregularmente, a necessidade de consultar o médico deixa de ser pontual e passa a ser recorrente, percebemos que estamos a atingir o ponto de não retorno.

E aí sim damos conta que a nossa vida também é finita, que as coisas menos boas não acontecem só aos outros, que é tempo de tentar ainda e se possível, viver.

Não sou, nem quereria ser, exceção. Este desabafo na forma escrita mais não é também do que um assumir de responsabilidade. Vivi intensamente a vida olhando sempre mais para a frente do que para o lado ou para trás, apesar de não ter sido, de todo, nada fácil. Infância humilde onde faltou quase tudo menos o amor familiar, adolescência precoce que aos onze anos me pôs a trabalhar em vez de continuar a estudar como tanto gostaria de ter podido.

Inspeção militar aos dezassete anos, assentar praça aos dezoito, mobilizado para a guerra aos dezanove, mineiro aos vinte e dois, casado aos vinte e quatro e GNR aos vinte e seis, numa incessante procura por um lugar ao sol onde sempre e só pretendi alcançar o meu ganha-pão para constituir família e dela cuidar.

Numa luta constante contra ventos por vezes bastante agrestes, tentei sempre não descurar o tal lado sagrado onde sempre estiveram e me apoiaram todos os que amava, amo e amarei incondicionalmente enquanto viver. Olhando hoje para trás nem sempre consigo evitar a imensa nostalgia que tantas vezes me invade, mas conhecendo-me como me conheço sei que se voltasse a nascer faria tudo de novo exatamente como fiz até hoje.

Apesar das incontáveis dificuldades tenho muito mais para agradecer do que para pedir à Vida que sempre me deu saúde, força anímica e a coragem suficiente para vencer todos os desafios e conseguir alcançar metas a que me propus, por mais inalcançáveis que muitas vezes aparentassem ser.

Para terminar resta-me por hoje escrever que de todas as bênçãos que recebi, a que mais adorei e agradeço a Deus, foi o enorme privilégio de ter comigo os meus pais e avó materna nos seus últimos anos de vida para poder olhar por eles e retribuir-lhes todo o amor e carinho que sem conta peso e medida eles nos dedicaram toda a sua vida. Por isso de consciência e coração tranquilos, vou caminhando em paz sem pressa e sem medo, até ao dia em que o meu tempo se acabe também e possa finalmente ir ter com eles.

José Coelho

Coisas que leio


A saudade é o que nos torna humanos. Ela é a lembrança do que fomos, do que tivemos e do que perdemos. Mas também é a força que nos faz seguir em frente, em busca do que ainda não encontramos. A saudade dói, mas é ela que nos lembra que amamos, que vivemos, que fomos felizes. Sem ela, seríamos apenas sombras de nós mesmos, perdidos em um presente vazio.

– José Saramago

Foto José Coelho

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Voltem, Pipocas...

Francisca & Mariana ao fresco da noite, na esplanada Sabores de Marvão 
Foto José Coelho

Foram dias e semanas de intensa felicidade. Em tempo de férias escolares e com os papás a trabalharem, a neta Francisca veio para a aldeia para junto dos avós. E não tardou que a neta Mariana quisesse também fazer parte da "equipa" e se apresentasse de armas e bagagens para ficar conosco até que lhe apetecesse. Foi muito bom, mesmo. A Toca dos Coelhos normalmente monótona, arrumadinha e silenciosa, encheu-se de vida, de gargalhadas e da saudável bagunça que é sinónimo evidente da presença de crianças descontraídas e felizes.

Quase tudo lhes é permitido aqui. As refeições sempre "à la carte" com direito de opção e apenas uma cláusula inegociável que não provocou qualquer greve porquanto as partes aceitaram o trato de comum acordo; sopinha de legumes quer ao almoço, quer ao jantar e no mínimo, caço e meio. Cumpriram sem protestar e portaram-se lindamente. Duas autênticas senhoras! 

Ah pois...

Ao pequeno almoço, as panquecas ou "manhãzitos" preferidas, com nutela. Eu pronuncio propositadamente "pan-cuecas" para elas rirem divertidas:

- Avô, não se diz "pan-cuecas"! Diz-se pan-ke-kas...

- Ai é??? Mas aqui na embalagem diz pan-qu-é-cas...

- Eheheh...

Manhãs, tardes e serões inesquecíveis.

A hora de levantar era... quando cada uma acordava. Sem toque de alvorada nem de recolher. Férias são férias. Já basta terem de levantar-se às sete da manhã em tempos de escola, e, principalmente no inverno, saírem do quentinho da cama para o ar gélido, ainda meio noite. A casa dos avós tem que significar o refúgio acolhedor que lhes garante muitos mimos e também algumas transgressões às regras, sem que isso signifique bandalheira ou quaisquer faltas censuráveis. Nada disso. Eu guardo as mais doces recordações dos meus, por isso quero deixá-las também para sempre, na sua infantil memória.

Não houve dois dias iguais. Foram todos divertidos, diferentes, havendo de tudo um pouco. O pior foram as saudades dos papás que às vezes eram muitas. Porém nada que não se resolvesse com uma rega às plantas do quintal ou ir tratar dos animais da quinta imaginária que as duas partilhavam. Uma tinha as vacas e os cavalos, a outra as galinhas e as ovelhas. A Avó arranjou uns canecos para levarem as rações e tudo era tratado com tal esmero que nunca mais necessitámos de comprar ovos, carne ou leite, porque a quinta imaginária dava tudo em abundância!

Mas...

Como o que é bom acaba depressa, os dias e semanas passaram a correr e as Pipoquinhas regressaram a suas casas. Por sua vez, o silêncio, a arrumação e a monotonia regressaram à Toca. Ficou-me o encargo de cuidar da quinta imaginária o que procuro fazer e só tenho um pequeno problema. Cada vaca, cada cavalo, cada galinha ou ovelha tinham um nome. E eu esqueci-me de os apontar. E eles só comem e bebem se forem chamados um a um... 

Saite? Maique? Laique? Era algo assim...

E agora? 

Para as próximas férias prometo tomar melhor nota do recado, minhas queridas agricultoras. Ah! E sinto também muita falta da nossa despedida em coro antes de irmos todos à cama, inventada ou copiada de uma série de desenhos animados pela nossa compincha Marianita:

- Escuduuuuu...

Saudades vossas, meus amores!

Sniffff...

José Coelho
Férias grandes de 2020

domingo, 22 de setembro de 2024

Boa semana


 Fernando Pessoa escreveu:

- Segue o teu caminho, rega as tuas plantas, ama as tuas rosas. O resto é a sombra de árvores alheias.

É isso que nós fazemos:

Cuidamos da nossa vida, lidamos com as nossas dificuldades, tentamos corrigir os nossos erros e defeitos, aperfeiçoamos as nossas qualidades e curamos as nossas mágoas sem invejarmos a vida alheia nem nos preocuparmos com aquilo que os outros dizem ou deixam de dizer, fazem ou deixam de fazer. Os nossos pais ensinaram-nos e bem, que antes de vermos o algueiro nos olhos dos outros, devemos sempre ver primeiro se temos os nossos limpos.


Foto que nos fez e ofereceu a
nossa querida neta Francisca.
- Em junho de 2024

Coisas que escrevi faz tempo

Foto - Avó Manuela

Avô e netas.
Final de tarde. 
Hora de regar as árvores do quintal. 
A escala de serviço determina que a Francisca vai regar a laranjeira e a Mariana vai regar o limoeiro. 
O avô regará as oliveiras, as couves e os espinafres. 
Cada neta cumpre a sua parte com perícia e engenho.
Cabe agora ao avô fazer o resto.
Subitamente o fluxo de água da mangueira diminui e deixa quase de correr.
- Maria!!! Maria!!! Tás a mexer na torneira?
- Nãoooo... Porquê? Responde a avó.
Tá-se a acabar a água, não vês?
De súbito... Plufffff... Um esguicho enorme!!! A mangueira estoirou.
Olho para trás e....
Eureka!
O avô encontrou a causa da súbita avaria.
A neta Mariana, na maior das descontrações, a dançar zumba sobre a macia mangueira esborrachando-a com os seus dançantes pezitos, impedindo que a água de passar normalmente.
Por isso com a pressão acumulada da água canalizada...
Plufffff... Explodiu e espirrou água por todo o lado
E a Mariana, feliz da vida, aproveitou imediatamente para pisar a terra encharcada para enlamear as sapatilhas e sair do quintal como se estivesse a sair do galinheiro depois de pisar o cocó das galinhas todas...
Ai ó avó!!!
Doidinha como o seu o pai quando era assim como ela.
Só destinava também coisas destas!
E a Francisca ria, ria, como uma desalmada.

Avô sofre...

José Coelho
In É tão fácil ser feliz
- Férias 2019

Bem-vindo

A estação do ano que mais se parece comigo e gosto

sábado, 21 de setembro de 2024

Coisas que escrevi


Três dentanas... Diria a minha Mãe, se pudesse ver-nos!
Foto José Coelho



Desde muito pequenininha logo no início de 2012 quando chegou ao nosso colinho que entre eu e ela se estabeleceu uma empatia mútua, um carinho indisfarçável, uma cumplicidade deliciosa. As suas primeiras gargalhadas sonoras e repetidas uma série de vezes foram provocadas por mim na minha casa num serão em família, na brincadeira os dois. Teria, não sei muito bem, meia dúzia de meses, pouco mais. O pai, estupefacto com a cena e o efeito, gravou em vídeo sem nós nos darmos conta aquele momento único que ainda hoje nos faz rir a bom rir quando o revemos. 

Mas essa foi apenas uma das nossas primeiras aventuras. Depois desse dia já aconteceram muitos mais momentos de felicidade pura entre os dois.

Porque foi a primeira e tão desejada netinha? Talvez, não sei. É que, entretanto, já chegou também ao nosso colinho há pouco mais de um ano, a caçulinha Mariana, que, parece-me, vai ser mais uma grande fã do vô Zé Coelho. Avô baboso dirão vocês. Vô babão, diz a família do Brasil. E não me ofende nada tal juízo. Muito pelo contrário, pois adoro literalmente as minhas pequeninas. E se a Francisca é uma grande compincha do vô, a Mariana, ainda que mais bébézinha, não o é menos. Vem para o meu colo sem qualquer contrariedade. Conhece-me à légua, brinda-me com aqueles lindos sorrisos que tem sempre prontos e dorme grandessíssimas sestas se me sentir perto dela a guardar-lhe o soninho.

Vou hoje escrever sobre o mais recente gesto de espontâneo carinho que recebi há poucos dias da pipoquinha Francisca. Estávamos no meu carro, eu, ela e a avó Manuela em Montemor-o-Novo, à espera que chegassem os papás de quem tínhamos ido ao encontro a meio caminho depois de ela ter vindo passar uns dias com os vôs "tudis". Primeiro fui o lobo mau na história do capuchinho vermelho - interpretado por ela na perfeição - e despoletando sonoras gargalhadas quando eu imitava a voz do lobo "É p'ra te ver beeeeemmm!" quando ela me perguntava: "Avó, tens uns olhos tãããooo grandes!!!"

Depois o cenário mudou e passei a ser um tenebroso fantasma, uivando um "búúúúúú" muito sinistro, colocando sobre a cabeça a fralda de bebé que faz de lençol da cama da boneca que ela traz sempre consigo. Resultado, mais meia dúzia de felizes gargalhadas. Não cabia em si de contente, feliz, divertida. Os condutores e passageiros Montemorenses que circulavam nos seus carros pela rua olhavam admirados o enorme reboliço e agitação dentro daquele pequeno Corsa estacionado no parque da Rodoviária do Alentejo.

Não podiam nem imaginar que tão pequeno palco estivesse a ser o cenário de tão movimentadas aventuras...

Ligámos aos papás a saber se ainda demoravam. Já estão perto. A pequenita, entretanto, faz um lanchinho porque são horas. Miminho da avó Manuela, uma belíssima fatia de bolo de cenoura - ou não fôssemos nós Coelhos - e dois iogurtes Yoco de beber com palhinha. Satisfeita e notoriamente feliz, a dado momento a pequenita agarrou a minha mão direita e... beijou-a várias vezes num carinho tão puro, inocente e tão verdadeiro que se me marejaram instantaneamente os olhos de lágrimas. Fiquei tão... tão... tão... Grato, feliz, comovido. A minha mão a ser carinhosamente beijada por um dos dois anjos com que Deus abençoou a minha vida.

Há muitos, muitos anos atrás, também eu beijava assim as mãos dos meus avós a pedir-lhes "a bença" porque era obrigatório naquele tempo. Ao chegar junto deles pela primeira vez no dia, fosse onde fosse, tínhamos de pedir-lhes:

- A sua bença, avó/ avô.

Imediatamente eles nos apresentavam as costas da sua mão direita para ali depositarmos um reverente beijinho enquanto que eles murmuravam com doçura:

- Deus te abençoe, meu neto.

E eu amava-os como as minhas netas parecem amar-me também a mim. Bem diz o povo que nesta vida tudo quanto semearmos, um dia iremos colher.

 O Bem e o Mal

 José Coelho - Setembro 2015

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Bom fim de semana


Quem sou? Talvez água presa num açude,
o mítico sussurro dos montados,
a força, o sangue, no sulco dos arados?
Sou filho da planície nobre e rude!
Esta sede de infinito não me ilude!
Vivo na terra dos sonhos doirados!
Sou nobre e senhor, desço aos povoados,
onde tudo é Nobre e Senhor, amiúde.
Trago no peito herança moirama.
Minha tez morena rejubila e clama,
meu alfanje antigo é lusitano.
Sou tão criança como o sol nascente!
Tão velho e triste como o sol poente,
o eco de ti próprio, Alentejano!
 
Manuel Manços

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Um Beiranense que nunca se rende

Créditos de imagem: Freguesia Beirã

Comecei “nestas andanças” com cinco anos de idade. Estávamos em finais dos anos 50 e ia ser levado à cena na Sociedade Recreativa Beiranense um espectáculo de variedades em que os “artistas” iam ser os miúdos da catequese. Como eu ainda não andava na escola, obviamente não andava na catequese e por isso não fui “contactado” para fazer parte do “elenco”. Pois! Só que o "Caçapinho" – era assim que me chamavam por ser filho do ti Coelho – não se conformou com a rejeição do seu talento e logo no primeiro dia de ensaios fugiu à mestra e apresentou-se lá. 

Dito e feito.

A “mestra” era naquele tempo um género de infantário onde os nossos pais nos iam deixar manhã cedo antes de irem trabalhar e nos iam buscar à tardinha depois do trabalho. Uma bondosa senhora tomava conta de um rancho de gaiatos todo o dia a troco de certa mensalidade. Mas eu consegui escapulir-me. Com tanta sorte que os “encenadores” acharam graça à minha pequena figura e quiseram experimentar se eu seria capaz de cantar uma cantiga beira-baixense com outra petiza do meu tamanho.

E fomos capazes os dois. Olá se fomos…

Começava eu:

Maria da Conxeixão/ Oh que palavra tão dôxe /Dava-te o meu coraxão/ Xe o teu amor leal fôxe

E ela respondia:

À beira do rio náxem/ Violeta’jáo comprido/ Já me viéron dijêre/ Que q’rias cajar comigo

Etc, etc, etc… que a cantoria era engraçada, mas grande.

Foi tiro e queda, contrato assinado na hora!

O pior foi a tia Vicência – bondosa e querida mestra – que não achou graça nenhuma à minha ousadia… Mas isso agora não interessa nada… O que importa é situar a minha “estreia” como cantor nos cinco anos de idade que não é para qualquer um!  

Como pode assim concluir-se,  vem de longe a veia artística!

Depois, bem mais tarde, veio a estreia como autor.

E porquê?

Eu era “festeiro” ou seja, fazia parte da Comissão de Festas desse ano. E precisávamos arranjar dinheiro para trazermos alguns artistas e conjuntos musicais para animar as noites da festa. E quisemos fazer um teatro com a malta jovem da comissão de festas para angariar esses fundos. Escolhemos então o Auto do Curandeiro, de António Aleixo, não sem antes consultarmos a Delegação da Sociedade Portuguesa de Autores em Portalegre para podermos levar à cena aquilo que queríamos.

E... 10.000$00 informou a SPA que seria a taxa a pagar pelos direitos de autor. 

Dez contos! Vai lá vai…

Rejeitado tão dispendioso projeto, meti eu mãos à tarefa de tentar escrever algo em substituição daquilo que tínhamos pensado ensaiar. Foi assim que nasceu o drama “Coisas que acontecem". E, com a imprescindível ajuda de uma senhora maravilhosa que nos ensinou e ensaiou canções antigas e danças folclóricas regionais, nasceu uma memorável noite de teatro e variedades que caiu de tal maneira no goto da gente da aldeia e tivemos que repetir, repetir, repetir.

Consequentemente, os lucros a favor da festa, triplicaram também.

Alguns anos depois, mercê das políticas da integração de Portugal na União Europeia, a fronteira deixou de existir, o caminho de ferro deixou de ser necessário e encerrou, as pessoas que trabalhavam nessas áreas tiveram que buscar outros rumos. Obviamente, a aldeia começou a definhar. Casas vazias em todas as ruas também por isso desertas, ficámos meia dúzia de carolas residentes a lutar para que isto não morra tudo. 

E por não haver rigorosamente mais ninguém que o queira fazer, senti-me no dever de assumir o papel de orientador do coro da paróquia para, fazendo uso do pouco que sei, animar, mas sobretudo dignificar as celebrações religiosas do ano inteiro. Não é fácil porque somos cada vez menos. Mas eu sou lá capaz de desistir seja do que for, enquanto puder? Eis porque apareço por aí à frente dessas coisas em algumas fotos que se publicam nas redes sociais.

Sem ser cantor, maestro, ou coisa alguma. Sou apenas um Beiranense que nunca se rende.

José Coelho

Para ti que só vens aqui espiar (2)


Não, não sou perfeito. Mas tu também não és. Então pega num espelho, olha primeiro para os teus erros e defeitos, antes de julgares os meus.

Foto José Coelho

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Para ti que só vens aqui espiar (1)

Foto José Coelho

“Quando te lembras de mim, significa que carregaste uma parte de mim contigo, que deixei uma marca indelével sobre quem és. Significa que, mesmo com o tempo e a distância que nos separam, posso ser trazido de volta à tua mente. Significa que, se nos encontrarmos novamente, te reconhecerei e serás capaz de reconhecer-me. Significa que, mesmo após a minha morte, ainda poderás ver o meu rosto, ouvir a minha voz e conversar comigo no silêncio do teu coração. Enquanto te lembrares de mim, jamais estarei verdadeiramente perdido.”

Frederick Buechner - Assobiando no Escuro, 1988.

Meu vicio de ler (coisas que gosto)

Quadro: A verdade saindo do poço - Jean-Leon Gérôme 1896.


Segundo uma lenda do século XIX a verdade e a mentira conheceram-se um dia. A mentira diz à verdade:

- Está um dia muito bonito hoje!

A verdade olha em volta dela e levanta os olhos para o céu, o dia está realmente bonito.

Passam algum tempo juntas até chegarem à frente de um poço.

A mentira diz de novo à verdade:

- Esta água é muito agradável, vamos tomar banho juntas!

A verdade mais uma vez desconfiada toca na água, que está realmente agradável.

Despem-se as duas e põem-se a nadar.

De repente a mentira sai da água, veste as roupas da verdade e foge. A verdade furiosa sai do poço e corre por todo o lado para encontrar a mentira e recuperar as suas roupas.

O mundo, vendo a verdade nua, vira o olhar com desprezo.

A pobre verdade volta para o poço e desaparece para sempre escondendo a sua vergonha.

Desde então a mentira viaja por todo o mundo vestida como a verdade satisfazendo as necessidades da sociedade.

O mundo não quer, em caso algum, ver a verdade nua.

segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Um dia mais é também um dia menos

O sol a nascer por detrás da Murta - Beirã
Foto José Coelho

Acordei cedo como sempre. Muito cedo. A Toca dos Coelhos, construída aos poucos à medida que se ia juntando dinheiro ao longo das últimas décadas, tem um traçado que foi na íntegra concebido por mim assim cheio de janelas e com as mais amplas viradas a nascente. Por isso logo que a aurora começa a clarear por detrás dos canchais da Anta e da Murta a suave luminosidade filtrada pelas persianas e cortinados – associada ao cantar dos também madrugadores galos da vizinhança – fazem-me despertar. Claro que não me ponho a pé a essa hora embora já não consiga dormir mais. Deixo-me ficar sossegado para não acordar a “patroa” enquanto vou dando conta do matinal bulício de toda a natureza que faz também parte destes meus domínios.
O metálico debicar dos pardais na caça aos insectos para o pequeno almoço das suas proles no algeroz de alumínio onde este ano construíram um monumental ninho para se vingarem talvez de eu não ter permitido que o construíssem nos tubos do motor de um dos ares condicionados no verão passado, mas também um numeroso bando de rolas turcas que nidificam no arvoredo – em 2019 até na nossa laranjeira – que pousadas no telhado ou nas chaminés cantam, cantam, cantam, de manhã à noite sempre atentas às sementes do quintal e aos dois baldes de água fresca onde todas vão beber à vez.
Ah! E já chegaram também há uns dias os famintos estorninhos que chiam como ratazanas e devoram os frutos dos quintais das redondezas sem os deixarem sequer amadurecer!
Longe vai o tempo em que tinha de levantar-me às seis da manhã para cortar a barba, tomar um duche e o pequeno almoço antes de marchar às minhas obrigações profissionais. Muitos dias houve também que em função das mesmas, o nascer do dia era exatamente a hora em que terminavam as minhas rondas noturnas. Aí então em vez de acordar, era a hora de deitar e dormir. Por isso agora é tempo de descanso e de desfrutar da paz e tranquilidade dos meus dias, naquele que para mim foi sempre o melhor lugar do mundo.
Aqui nasci, aqui passei inquestionavelmente os momentos mais doces e felizes da minha vida, aqui me despedi para sempre dos entes mais queridos, aqui tenho a grata bênção de poder agora envelhecer. Se não é uma vida perfeita, porque não é mesmo, seguramente é a vida menos má que poderia ambicionar.
Os problemas – principalmente de saúde – são idênticos aos de tanta outra gente que conheço, com as mesmas limitações ou constrangimentos, minimizadas quanto possível mas sempre aceites com ânimo e resignação. Queixumes não adiantam porque nada resolvem. Por isso vou vivendo e agradecendo um dia de cada vez. Ainda que já com algumas limitações entendo a Vida como um dom valioso que me é permanentemente concedido e tenho não só o dever de aceitar como também de fazer valer a pena mesmo nos momentos mais difíceis.
Nem sempre é fácil, nem todos os dias conseguimos estar alegres e bem-dispostos, mas há que tentar nesses dias superar o que nos puxa para baixo, levantar a cara e enfrentá-lo decididamente.
O perigoso momento que vivemos recentemente - pandemia Covid19 - foi a mais evidente prova do quão somos impotentes perante a natureza e que nunca saberemos do que ela é capaz para nos remeter à nossa insignificância e se defender das nossas constantes agressões. Deveríamos ser mais cuidadosos e respeitá-la nos seus ciclos naturais sem os corromper abusiva e sucessivamente. Essa recente pandemia foi uma resposta tão contundente como letal à ousadia de o ser humano estar convencido que pode fazer tudo, alterar tudo, substituir tudo. Não pode. Está – acho eu – a mexer com o que não deve e a caminhar para a sua autodestruição. Nunca, jamais ou em tempo algum, o Homem conseguirá substituir a Natureza. Poderá imitá-la, poderá até substituir alguns dos seus efeitos por outros similares, mas nunca conseguirá superá-la.
E de tanto ousar vai perder o controle e sofrer as consequências. Quem sabe até se a Covid 19 não foi já um aviso.
Sem qualquer pretensão de me julgar mais perfeito do que os demais, tenho no entanto plena consciência que sempre a respeitei. Sou provavelmente um dos seus mais fiéis seguidores e admiradores. Que o digam as milhares de imagens do meu acervo fotográfico onde mais de noventa por cento são a fauna e a flora, paisagens rústicas, urbanas ou ambientais, o céu, azul ou nublado, o nascer ou o por do sol, a chuva, a geada, a seca ou as enchentes das linhas de água, as diferentes cores e estados de cada estação do ano. As cores do por do sol então, sempre diferentes cada dia, são a obra-prima mais incrível que se pode contemplar, a magnificência da Mãe Natureza em todo o seu esplendor. Mas também acho imponentes as cores rosa vivo da aurora até o dourado astro-rei se elevar na linha do horizonte.
Curiosamente, o nascer de cada dia trás consigo o despertar de toda a vida sobre a terra, enquanto o por-do-sol a emudece por completo. Poucas coisas neste mundo me surpreendem mais.
Se ao acordar tenho o hábito de agradecer o novo dia, antes de adormecer dou também sempre graças por aquele que acabo de viver. Pelo meu e pelo de todos os que amo, ou fazem parte da minha vida. E não é por beatice mas por absoluta convicção do meu dever de gratidão. Porque ser grato, atento e disponível fazem parte do meu ADN. Vivo serenamente cada dia não por ser agora tão recomendado mas porque sempre pensei e agi assim. Cada dia que amanhece soma mais um à nossa existência, mas é em simultâneo menos um nos que temos destinados ao nosso ciclo de vida.
Essa é a mais precisa equação matemática do mundo. Nunca vos esqueçais dela. E procurem ser felizes mesmo quando não conseguirem ter tudo o que vos parece ser preciso para poderem sê-lo…

José Coelho

domingo, 15 de setembro de 2024

Solenidade da Padroeira do Concelho de Marvão





Deixem passar quem vai na Sua estrada.

Deixem passar

Quem vai cheio de noite e de luar.

Deixem passar e não lhe digam nada.

Deixem, que vai apenas

Beber água do Sonho a qualquer fonte;

Ou colher açucenas

A um jardim que ele lá sabe, ali defronte.

Miguel Torga


Imagens, cortesia de Jorge Rosado

- 08 de setembro de 2024

sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Bom fim de semana


Meados de setembro! Final de férias com regresso ao trabalho para quem ainda está na vida ativa e às escolas para os estudantes do primário ao superior. Os equipamentos de lazer começam também já a encerrar as suas valências lúdicas um pouco por toda a parte.

É a vida a acontecer, o tempo a seguir o seu imparável percurso, o relógio a marcar o nosso ritmo diário. Faço votos de muito bom regresso a toda a minha Família & Amizades, cada qual no seu quotidiano, com muita saúde, energia e boa disposição.

Já agora, aproveitando o facto de ser sexta-feira, desejar-vos ainda também um muito bom fim de semana. Cuidem-se e sejam felizes!

José Coelho
Texto e foto

Topomónios com História


Ponte quinhentista sobre o Rio Sever e torre da aduana onde os judeus pagavam portagem para entrarem em Portugal quando foram expulsos de Espanha pelo Decreto de la Alhambra, Edicto de Granada, um decreto régio promulgado a 31 de março de 1492 pelos Reis Católicos, Isabel I de Castela e Fernando II de Aragão. Desta torre derivou o topomónio da Portagem - Marvão.

- 10. 09. 2024