Compreendi
o manifesto receio que muitas pessoas tinham de serem vistas a conversar comigo
na rua quando fui candidato à Junta de Freguesia pois era perfeitamente implícito
nos seus gestos nervosos e olhares em redor, não fosse aquilo prejudicar o seu emprego,
ou o de alguém da sua família. Basta saber o que aconteceu àquela senhora – não
importa o nome – a quem não foi renovado o contrato de trabalho a termo certo, após
o companheiro que com ela vivia ter feito parte das listas do projeto adversário,
em anteriores eleições autárquicas.
Dizem os provérbios que, “quando vires as barbas do vizinho a arder, põe as tuas de molho”. E pelo sim, pelo não, “mais vale prevenir do que remediar”.
Por isso, sinceramente, compreendi.
Compreendi melhor ainda, porque fui um dos primeiros Beiranenses pós-revolução a ter de emigrar para outras paragens em 1975 por motivos perversos que me empurraram de cá para fora. Coisas feias que me magoaram e desiludiram mas ao mesmo tempo que também me ensinaram muito acerca da imprevisibilidade da índole humana, mesmo a de quem julgamos conhecer bem.
Percebi naquela altura que as pessoas não são o que parecem, são o que são. E, pior um pouco, percebi desta vez também que passados cinquenta anos pouco evoluímos e nada mudou. Fui obrigado a emigrar à força e rumar ao coração da Beira Baixa e por lá permanecer nos cinco anos seguintes até ingressar nas forças de segurança. E a causa disso não foi a falta de emprego por estas bandas mas a nefasta “partidarite” que se transforma em fanatismo na mente de quem se agarra ao poder como cão a um osso e arreganha os dentes à simples aproximação de qualquer adversário a quem se atira sem dó, quando vê ameaçado o poder que julga ser exclusivamente seu.
Mais duro ainda foi saber que tais comportamentos vinham do próprio seio familiar e de pessoas que considerava excelentes amizades. Deu para perceber que quer uns quer os outros nunca foram capazes de tolerar o tão livre como democrático direito de alguém poder escolher opções diferentes das suas. É absolutamente extraordinário que cinquenta anos depois e por mais ridículo que possa parecer, continuem a existir ainda estas mentalidades de caciques que olham de lado e tentam fazer a vida negra a quem se atreve a opor-se-lhes, a pensar de forma diferente, ou a promover outra estratégia que não a sua.
É por demais evidente que abril de 1974 nos libertou da velha e caduca ditadura do Estado Novo mas é notório também que para esses pseudo-democratas de remotas aldeias como a minha, deste Portugal profundo, quem não for da sua “elite” partidária, continua a ser um alvo a abater. Mentes que não evoluíram nada de nada e praticam exatamente a mesma odiosa política totalitária do regime fascista deposto há cinco décadas cuja mentalidade era a do:
"Quem não for por nós, é contra nós”.
Sofri com isso confesso, mas nunca desejei mal algum a quem por diversas formas me prejudicou. A vida sem dúvida alguma vai-se sempre encarregando de colocar cada coisa no seu lugar e por outro lado fui particularmente compensado pelo privilégio de conhecer pessoas extraordinárias dos quatro cantos do meu concelho, de trabalhar e conviver belíssimos meses lado a lado com esses íntegros e generosos Marvanejos que numa alternativa credível, séria e competente, compunham as candidaturas e respetivas listas a todos os órgãos autárquicos do meu concelho.
Juntos partilhámos o intrínseco valor da integridade e da lealdade sem truques, sem malabarismos e mentiras, apelando apenas sempre à solidariedade e amizade de quem em consciência desejasse uma mudança na estratégia governativa concelhia e decidisse confiar no nosso projeto. O povo votou, cumpriu-se a democracia e nada mais houve a fazer do que cumprir também a sua expressa vontade. Porém e em vésperas do 50º aniversário da Revolução de Abril não é já de todo admissível alguém não entender que um adversário político não é, nunca foi e nunca há-de ser um inimigo a abater, mas apenas mais um conterrâneo, um Marvanejo, um vizinho, um amigo ou até um familiar, que tem e defende as suas ideias políticas.
Goste-se ou não, esse inealienavel direito é concedido pela Constituição da República Portuguesa. E é no seu íntegro e cabal cumprimento que se exerce a Democracia.
José Coelho