terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Rumo ao sol poente...

Foto Pedro Coelho


Quando decidi regressar definitivamente à Beirã depois de ter estado fora um ror de anos distribuídos pelo serviço militar, seguindo-se as Minas da Panasqueira de onde transitei para a GNR a desempenhar funções em Castelo de Vide, depois em Nisa e finalmente em Portalegre, eram já quase trinta e três as primaveras passadas fora desta terra amada, embora nem sempre demasiado longe dela.

Em boa verdade nunca estive completamente ausente porque vinha cá amiúde, exceto enquanto fui ao ultramar. O meu filho Manel só de cá saiu para se juntar a nós quando já tinha oito anos, na nossa mudança para Nisa, dado que até essa altura nunca quis deixar a avó nem as tias que o criaram. Por isso foi cá que frequentou quase todo o ensino primário, feliz da vida. Por essa razão mas não só, rara era a semana em que não tínhamos de cá vir, embora esse facto não nos conferisse o estatuto de habitantes da aldeia.

Devo dizer, no entanto, que esse sonho que nunca me abandonou a vida toda desde que de cá saí pela primeira vez no dia 7 de Maio de 1971 para ir assentar praça a Elvas até ao dia 1 Novembro de 2003 que me trouxe definitivamente de volta, foi sempre o mesmo. Regressar e nunca mais de cá sair. Foi neste local que planeei sempre envelhecer e provavelmente morrer. Estas casas, estas ruas, estas pessoas, estes canchos e matagais, este cheirinho das giestas em flor, o cantar da passarada, a paz infinita que se respira por todo o lado, foram, são e serão sempre para mim, o mais perfeito paraíso na terra.

Nunca encontrei nenhum lugar mais sedutor apesar de ter conhecido outras terras de gente boa que nos recebeu e tratou também muito bem e onde estabelecemos amizades verdadeiras daquelas que são para durarem a vida toda. Li algures que há na natureza alguns animais que voltam sempre ao lugar onde nasceram quando sentem que se aproxima o fim das suas vidas. Se calhar eu sou também portador desse instinto primário, porque nunca imaginei outra hipótese. Tanto assim é que há muito, muito tempo, tratei de adquirir a outra “casa” onde irei “morar” até à eternidade ao lado daquela onde “moram” já os meus queridos progenitores.

Ainda me lembro da reação e surpresa de toda a família mais próxima quando tal aconteceu. Mas como nunca fui supersticioso e sempre soube muito bem o que quero, não tive qualquer hesitação em avançar com essa providência pela exclusiva razão de querer, quando esse dia chegar, descansar definitivamente naquele preciso lugar, ao lado dos dois entes queridos a quem devo a vida e tanto amei. Sou um homem de convicções fortes, determinado, com as ideias em ordem e muito bem resolvido. Entendo por isso que apenas providenciei, por vontade própria e lúcida decisão, aquilo que no futuro virá a ser necessário.

Nem tudo foram rosas no decurso desses meus 33 anos de ausência. Pelo contrário. A ida à guerra ensinou-me da pior forma o quanto é bom vivermos em paz. Os traumas profundos de ver mortos ou estropeados alguns infelizes camaradas fizeram-me refletir sobre o intrínseco valor da vida e o quanto ela é frágil, imprevisível e fugaz. Nos piores momentos voltei-me sempre para a Mãe do Céu que morava na Beirã muito perto da minha Mãe da Terra. Tenho mil razões e outras tantas convicções de que se não fosse a ajuda divina, talvez já não estivesse aqui.

Mas adiante porque essas coisas íntimas e pessoais prefiro guardá-las só para mim. Abordei o assunto apenas para concluir que não foi só a guerra, mas também outras misérias humanas que tive de enfrentar ao longo da vida profissional tais como pais que mataram filhos a tiro, famílias desfeitas em acidentes de viação, violência das mais diversas formas, o desfiar de muitas misérias alheias perante os meus olhos e nos tribunais que me ensinaram a amar e a valorizar ainda mais a minha tranquila e bem frequentada Beirã com tudo o que de bom ela representou sempre na minha vida. Daí ansiar tanto pelo regresso, em cada dia de ausência.

Não imaginava porém, nesse tempo, quanto o meu sonhado futuro iria desiludir-me. O dia a dia que está a acontecer neste preciso momento já desfigurou, descaracterizou e  varreu do mapa tudo o que de melhor havia na minha querida aldeia. A passos largos. Há mais de uma década foi encerrada a sua Estação. Porque o Ramal de Cáceres foi desativado, e, com ele, tudo o que lhe era afim. Essa decisão de quem manda - só não sei se bem - teve mais graves consequências ainda. Levou a maioria dos habitantes e com a sua partida foram-se extinguindo e encerrando os comércios e serviços que cá havia perante a passividade e indiferença de quem detinha o poder.

Nunca fui homem de chorar sobre leite derramado. Mas aquilo que vi aqui acontecer não tem nada a ver com um copo cheio de leite que tomba por acidente e se perde. O que está a acontecer aqui e um pouco por todo o interior de Portugal, é tão só e apenas a extinção fria, calculada, insensível e injusta, de povoações e modos de vida de portugueses que deveriam ser tratados e cuidados com a mesma equidade com que são tratados os das vilas e cidades do litoral. Todos deveríamos merecer oportunidades e condições de vida iguais, ou, pelo menos, semelhantes. Porque este país não é, nunca foi, só Lisboa e Porto ou Coimbra.

Este país no seu todo, foi conquistado desbravado e povoado à custa de muito sangue suor e lágrimas por gerações de gente trabalhadora e valente, a duras penas, ao longo de mais de seis séculos. É arrepiante a forma leviana e criminosa como agora uma fatia imensa do seu interior está a ser literalmente apagada, despovoada, votada ao mais completo abandono e à indiferença por aqueles que só saem do conforto dos seus gabinetes para virem visitá-lo de quatro em quatro anos com os interesseiros motivos que todos conhecemos.

De nada servirá o meu grito de revolta e de profunda decepção. Sei que nada remediará. Ainda assim nunca me calarei. Sei que não sendo muito letrado sou pelo menos um cidadão que tenta cumprir na íntegra as suas obrigações cívicas para com o estado e para com os seus concidadãos em geral. Sempre! Sei também que dei o melhor de mim a vida inteira, ao meu país e à minha gente. Cumpri o serviço militar voluntariamente ainda quase nem barba tinha e  desempenhei as minhas funções públicas e profissionais com vontade, dedicação e respeito pelos meus deveres regras ou obrigações. Eduquei e ensinei o melhor que pude os meus filhos que muito me orgulham também pela sua postura de homens íntegros, excelentes pais e atinados chefes de família que sabem ser.

Sinto por tudo isso e por muito mais que não merecia ver roubado desta forma nem o meu sonho, nem o meu chão, nesta caminhada rumo ao sol poente da minha existência. Já bastavam tantas outras decepções com que a vida me surpreendeu...

José Coelho

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Filhos que foram partindo



No dia 16 de Julho do presente ano irão cumprir-se oitenta anos que esta Ilustre Senhora e o Seu Divino Filho vieram morar definitivamente para a minha Beirã. Pessoalmente eu conheci-a há 70, mas só há 65 comecei a trabalhar como voluntário na Sua Casa, investido nas funções de acólito do padre Joaquim Caetano a quem até hoje me liga um vínculo muito forte de respeito e amizade, pese embora ele já não se encontre entre nós. Foi também a sua sábia bondade e exigente postura que me ensinou a ser um homem de bem e ajudou a formar o meu caráter, a par dos meus pais e avós. 

Estou-lhe por isso muito grato e lembrá-lo-ei enquanto viver, da mesma forma que nunca esqueço quem me concebeu e criou.

A Vida levou-me ainda muito jovem para longe de casa e desta segunda Mãe por alguns períodos mais ou menos longos. Ainda assim, só os 8.000 km de distância resultantes da mobilização para o outro lado do mar me impediram de estar presente no Seu Dia 16 de Julho, naqueles dois longuíssimos anos de 1972 e 1973. Contudo nunca de mim se separou, quer no íntimo do meu coração e saudade, quer porque andou sempre no meu bolso de dia e de noite na forma de uma estampa de cartolina plastificada que desde então me acompanha já meio desfeita pelo uso e enorme quantidade de tempo que entretanto passou. Por Ela e por mim.

Nunca, mas nunca mesmo, deixei de A ir visitar sempre que pude. Muitas vezes Lhe fui pedir conselho, ajuda, ou apenas paz para o espírito, em momentos menos bons. Todos ou quase todos os dias Lhe agradeci e continuo a agradecer as bençãos que sempre senti d'Ela emanarem na minha direção. Algumas vezes também "discuti" intimamente com Ela por achar que algo não estava a ser bom ou justo, comigo ou com os meus. E sempre, mas mesmo sempre, pedi perdão logo em seguida pela ousadia e falta de fé. Melhor que ninguém Ela sabe que eu às vezes sou rabugento e difícil de aturar. Sei que me perdoa porque é Senhora e Mãe. 

E também sabe que não há humanos perfeitos.

Somos hoje quase inseparáveis os dois. 

Desde que em 1993 regressei definitivamente a casa, nunca mais arredei pé de perto Dela e tenho-me esforçado por dar o meu melhor, quer na dignificação das celebrações litúrgicas que se desenrolam aos Seus pés nas funções de salmista, de leitor, ou integrado no coro paroquial, quer nas funções de mais responsabilidade no CEP a que fui chamado desde 2003. Estou por isso muito em paz e olho de coração tranquilo para o sereno rosto que docemente me contempla lá do alto. Porém, como em todo o resto desta aldeia, também ali se sente já o rarear da presença humana quer nas celebrações quotidianas quer nas celebrações festivas que antigamente juntavam em seu redor centenas de crentes.

Parece que um vento ruim passou por aqui e tudo levou com ele. Às vezes, em dias mais inquietos, preciso de ir ter com Ela. Porque tenho a chave da porta e porque infelizmente deixou de ser seguro mantê-la aberta para que pudesse livremente entrar quem quisesse ir rezar a qualquer hora, como antes. Entro sozinho e fico longos momentos em silêncio e mudas preces, bastando a proximidade daquele tranquilo olhar para que a paz desça em catadupa sobre mim. 

Não sou de todo indiferente à presença de Jesus Sacramentado e sei, porque me foi profusamente ensinado em muitas horas de formação cristã nos últimos anos, que, em qualquer templo onde esteja presente o Santíssimo é Ele que deve ser sempre adorado e exaltado antes de qualquer outra presença divina, seja a Sua Mãe Santíssima, seja qualquer outro Santo ou Beato. Porém e pese embora todos esses ensinamentos, o Senhor que me perdoe  - e sei que perdoa - quase todos nós ao entrarmos na igreja damos de caras com o terno olhar da Virgem do Carmo e não conseguimos - por mim deduzo -  pensar primeiro no Senhor Jesus Sacramentado que como Ela ali está presente no sacrário.

Não sei se mais alguém se atreve a assumir esta inofensiva inversão de prioridades na hierarquia divina. Mas eu assumo-a sem receio de ofender a Deus pois tenho consciência que Ele entende a ligação umbilical de quase todos os Beiranenses com a sua Padroeira. Escrevi no início que ando por ali há já 65 anos. É de facto muito tempo. A minha geração que em 1958 enchia o templo de orações, de vida e de atividades, partiu já quase toda por haver terminado o seu percurso terreno. Não estará por isso muito distante também a minha vez de ir ter com todos eles. 

É absolutamente normal pois o tempo que tudo nos dá, também tudo nos tira. A seu tempo e porque somos pó, ao pó regressaremos. Sem dramas e sem espantos. Cumpre-se apenas e naturalmente o ciclo de cada vida. 

Foi sempre para mim de todo impensável que um dia restaríamos este quase insignificante número de residentes devotos aos pés da Virgem do Carmo, porque outro número infinito deles tiveram de partir, de ir embora, de deixar a aldeia para procurarem trabalho e organizarem de novo as suas vidas, bem como as vidas das suas famílias, longe da Beirã para sempre. Alguns, mas também já cada vez menos, cá vão regressando ano após ano, cada 16 de Julho, o Dia da Padroeira. Participam na Eucaristia ao meio dia, depois na Procissão pelas ruas da aldeia às nove da noite e regressam às suas vidas e residências até ao ano seguinte.

Há quem nunca mais cá tivesse voltado.

José Coelho

Nota:
O poster que ilustra este escrito foi da autoria do reverendo Pároco e meu digníssimo Amigo Pe. Luís Ribeiro - hoje já falecido - por ocasião do 70º Aniversário da Inauguração da Igreja Paroquial de Nossa Senhora do Carmo - Beirã, que me o ofereceu em mão no dia 16.07. 2013. Paz à sua alma.

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Boa semana

Foto José Coelho - 26.02.2023

No mundo dos insetos...



Todos os dias a formiga chegava cedinho ao escritório e pegava a sério no seu trabalho.

A formiga era produtiva e feliz.

O gerente, o besouro, estranhou ver a formiga trabalhar sem supervisão.

Se ela era produtiva sem supervisão, seria ainda mais se fosse supervisionada.

E colocou uma barata, que preparava belíssimos relatórios e tinha muita experiência, como supervisora.

A primeira preocupação da barata foi a de padronizar o horário de entrada e saída da formiga.

Pouco depois, a barata precisou de uma secretária para ajudar a preparar os relatórios e contratou também uma aranha para organizar os arquivos e controlar as ligações telefónicas.

O besouro ficou encantado com os relatórios da barata e pediu também gráficos com indicadores e análise das tendências, que eram mostradas em reuniões.

A barata, então, contratou uma mosca e comprou um computador com impressora multifuncional colorida.

Logo, a formiga produtiva e feliz, começou a lamentar-se de toda aquela movimentação de papéis e reuniões!

O besouro concluiu que era o momento de criar a função de gestor para a área onde a formiga produtiva e feliz, trabalhava.

O cargo foi dado a uma cigarra que mandou colocar uma carpete no seu escritório e comprar uma cadeira especial...

A nova gestora cigarra logo precisou também de um computador e de uma assistente, a pulga (sua assistente na empresa anterior) para a ajudar a preparar um plano estratégico de melhorias e o controlo do orçamento para a área onde trabalhava a formiga, que já não cantarolava e cada vez ia ficando mais aborrecida.

A cigarra, então, convenceu o gerente besouro, que era preciso fazer um estudo da rentabilidade do trabalho da formiga.

Mas, o besouro, ao rever as contas, deu-se conta de que a unidade na qual a formiga trabalhava já não rendia como antes e contratou a coruja, uma prestigiada e muito famosa consultora, para que fizesse um diagnóstico da situação. A coruja permaneceu três meses nos escritórios e emitiu um volumoso relatório que concluía: Há gente a mais nesta empresa!

E adivinhem quem o besouro mandou demitir?

A formiga, claro, porque andava muito desmotivada e aborrecida.

Já viram este filme antes? 

Bem me parecia…

Bom trabalho a todas as formigas!


Notas:
1. Qualquer semelhança com o mundo dos humanos (não) é mera coincidência.
2. Autor - desconhecido.
3. Imagem - do Google

Não há quem entenda o tempo


O serão de ontem, de autêntico inverno, foi frio e chuvoso. Tão frio que cheguei a pensar que hoje pela manhã iria haver neve em Marvão e na serra de S. Mamede. Qual quê! Amanheceu um dia de céu azul com poucas nuvens, um arzinho frio sim, mas iluminado por um sol primaveril. Vá lá a gente entender este clima adulterado por completo...

- 26.02.2023

A pedido dos comensais...

Hoje saíram umas sopas de cachola para o almoço domingueiro
Foto José Coelho

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Coisas que escrevi, faz tempo

Rua do Comércio - Portalegre - Foto do Google


O que hoje vou escrever aconteceu na cidade de Portalegre onde tive de ir por motivo de uma das minhas consultas de rotina na pneumologia da ULSNA. Terminada a consulta rumámos eu e a minha companheira à Rua do Comércio em busca de coisas que nos faziam falta e ali costumamos adquirir nas lojas das quais somos clientes de já longa data.

Sem grande surpresa encontrámos a Rua do Comércio quase vazia de gente e também de lojas. Salta à vista a escassez de ambas.  Na primeira em que entrámos fomos recebidos com a estima e consideração que sempre caracterizou o atendimento no comércio tradicional quer nas nossas cidades de província, quer nas vilas e aldeias, algo inexistente nos super's, híper's ou fóruns, onde o que conta é a faturação e o consumo e ninguém conhece ninguém. É um atendimento impessoal e frio, sem lugar à componente que gerava empatia vendedor/consumidor e criava laços de afetividade humana tão saudáveis como necessários por vezes ao nosso bem-estar geral. 


Não resistimos a comentar tanto silêncio naquele percurso da cidade tão emblemático e cheio de história local e por isso manifestámos à senhora que ao balcão amavelmente nos atendeu - como sempre - a nossa estranheza por estes tempos modernos onde o vazio e a escassez de gente vai ganhando cada vez mais terreno por todo o interior do nosso país. As lojas fechadas sucedem-se umas às outras num cenário desolador e de deprimente abandono. E eu a julgar que só na minha Beirã havia ruas inteiras de casas vazias!


- Sabe quantas lojas já estão fechadas na Rua do Comércio? 

Perguntou-me amavelmente a senhora. 

- Quarenta! Rematou. 

Quatro dezenas de portas fechadas na mais comercial das ruas da Portalegre antiga, onde eu comprei o meu fato de casamento, depois os fatos de batismo e comunhão dos filhos e até já também mais recentemente algumas roupinhas para as minhas netas. 

Inacreditável.


Não seria, ainda assim, aquela revelação, a maior surpresa do dia. Comprado o que precisávamos na primeira loja, dirigimo-nos em seguida a uma outra mais acima, da qual, de igual modo, somos também clientes há décadas. Atrás do balcão uma doçura de senhora a atender-nos com a simpatia e amizade que tanto a caracterizaram sempre pela positiva. Não tinha o que pretendíamos mas a confiança dos muitos anos como seus clientes resultou numa amena conversa a três. 

E que conversa! 

A digníssima senhora tem 82 anos e aquela loja há mais de 60. Pensou trespassá-la e aposentar-se, mas ainda não o pôde fazer porque tem a viver consigo a filha que ficou desempregada, o genro que trabalha todos os meses do ano mas a quem o patrão umas vezes paga, outras não por causa da crise e falta de dinheiro que afeta as empresas por todo o lado, sendo que dessa filha e genro a doce senhora tem ainda também um neto adolescente, todos a viverem em sua casa por absoluta necessidade. 

Com tão escassa procura  e vendas reduzidas a quase nada, não consegui evitar estremecer involuntariamente quando num lamento triste e muito sentido a senhora nos disse: 

- Nunca na minha vida vivi tão mal!

Despedimo-nos com a amizade do costume mas passei o resto do dia algo melancólico com a narrativa daquela senhora de já tão proveta idade mas que tem de continuar a passar os dias atrás do balcão da sua loja para angariar algum sustento para os seus, quando devia e merecia estar já mas é no aconchego da sua sala de estar a fazer tricot, ou numa esplanada em amena cavaqueira com as amigas, entre um chá e a leitura de uma qualquer revista do seu agrado, no gozo pleno de uma tão merecida reforma. 

É este o país real em que vivemos. Foi para isto que se fez o 25 de abril e aderimos com tanta pompa e circunstância à União Europeia? Quantas mães, avós e sogras estão na mesma situação daquela nobre senhora? Quantas mais histórias destas haverá escondidas na nossa rua, no nosso bairro, na nossa terra? Ontem e mais uma vez senti-me mal por ter de viver num país tão injusto, gerador desta e de tantas outras histórias tristes que vivem ocultas na vergonha que muitas pessoas sentem em as assumir.

Entretanto como é do conhecimento geral e comummente aceite como se fosse normal, aqueles que ao longo de mais de 40 anos foram passando pelos sucessivos poleiros governativos e seus afins, nadam na abundância das suas douradas pensões vitalícias de muitos milhares de euros, acrescidas outras mordomias também vitalícias, tudo a somar às suas mais que duvidosas fortunas as quais todos desconfiamos como foram conseguidas por muitos deles não terem onde cair mortos antes de se meterem nas lides políticas. 

E são esses mesmos felizardos que vêm para as televisões e jornais frequentemente dizer que precisamos de fazer mais sacrifícios. Dizem-no assim, tranquilamente, com todos os  dentes que têm na boca, sem qualquer vestígio de pudor, como se também tivessem de andar a contar os trocos dia a dia ou terem de optar entre ir à farmácia comprar os medicamentos ou ir ao supermercado comprar comida.

Não tem tamanho a repugnância que sinto por tudo o que vejo acontecer em meu redor em pleno século XXI. Não sou adepto de histórias da desgraçadinha mas o desabafo tão sentido e triste daquela respeitável senhora que aos 82 anos é obrigada a trabalhar para acudir aos seus dadas circunstâncias a que os governos deste país nos conduziram, mexeu com todas as minhas sensibilidades de estimação. 

Até com as mais blindadas.

José Coelho
20.02.2015

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Dois homens bons

António Coelho e João Forte - Horta da Broca

Sozinho em casa em tarde de domingo gordo deste ano da (des)graça de dois mil e vinte e três. Vão longe os tempos em que nestes dias saíamos de casa após o almoço e só regressávamos altas horas da madrugada para dormir, porque pouco era o tempo para a folia e demasiados os locais pelas redondezas para nos divertir-nos horas a fio. A Sociedade Recreativa da Beirã, o Salão do Mané Batista dos Barretos, o cruzamento d'áRanginha, o salão de bailes no rés-do chão, ou da discoteca Cave de Santo António das Areias, quando não era ainda também alguma fugida de comboio até à Estação de Castelo de Vide, para irmos ver os corsos à Vila.

Inesperadamente, a rede social onde me entretinha a passar o tempo, recomendou-me que consultasse os fotos que publiquei neste mesmo dia em anos anteriores. E, entre muitas outras, apareceu-me a que publico a ilustrar esta narrativa. O meu Pai encostado ao sacho, lado a lado com o ti João Forte (pai) seu patrão e amigo de quase todas as suas vidas, na eterna horta que tiveram "a meias" durante décadas, junto ao tanque grande e seu chafariz do Monte da Broca. Mais interessante ainda, os dois sorridentes, coisa que era tão rara, tão rara no meu pai, que até me embaraça, porque levo a vida a dizer que sou um pouco beiçudo (mal encarado) porque saio a ele que não era muito de mostrar os dentes.

Baixotes e franzinos de estatura, gigantes porém na sua bondade como seres humanos, homens sérios, leais, de respeito e de uma honradez sem limites. O meu pai, sendo de Castelo de Vide, conheceu e começou a trabalhar para o ti João Forte da Beirã - provavelmente de Santo António das Areias à data do seu nascimento - na década de 40 do Séc. XX como sócios "a meias" numa várzea no ribeiro e sítio do Vale de Cano, no "partir dos termos" do Concelho de Marvão com o Concelho de Castelo de Vide, propriedade da Família Forte.

As "meias" daquele tempo eram assim chamadas, porquanto o dono da terra dava, por uma época pré-estabelecida entre os dois, o terreno devidamente lavrado, estrumado e pronto a cultivar bem como o regadio assegurado, as plantas para replantio, e, no final da fega, o transporte do produto para as respetivas fábricas nas redondezas. Por sua vez ao hortelão competia tudo o resto. Embelgar a terra, plantar e semear, regar, sachar, mondar, colher os frutos quando maduros, acondicioná-los em sacas ou caixas, tomar nota do seu peso e encaminhá-las para o destino. 

Foi nestas andanças e época que o meu Pai conheceu a minha Mãe por estas bandas, a namorou e roubou aos meus Avós Amélia e Zé Lourenço, levando-a uma noite depois do namoro para o Vale de Cano com ele, para ali passarem as suas núpcias e lua de mel no meio dos pimentos de sacho na mão, seguramente felizes como sempre os vi. Em janeiro de 1948 nasceu a minha falecida irmã Adelina, não nesta casa que o nosso pai já andava a construir mas ainda não estava pronta, mas onde já nasci eu, a sa irmã do meio Maria da Luz e a irmã caçula Joaquina Maria.

O meu Pai apesar de ser um pouco mais novo que o patrão faleceu vítima de cancro da próstata, no dia 23 de janeiro de 1994 com 83 anos, enquanto o ti João Forte faleceu alguns anos depois quase a completar 103 anos de vida. O meu Pai mesmo com uma algália permanente por nunca ter querido deixar-se operar, continuou a fazer a horta na Broca até quase ao fim da sua vida, enquanto o ti João Forte foi acolhido em casa da sua filha e por lá se finou. Foram os dois indubitavelmente grandes mentores e responsáveis na formação do meu carácter. Continuo e vou continuar até ao fim da minha vida a tentar imitá-los para honrar como merecem, a sua querida memória. 

Já não vai havendo pessoas assim. Um abraço saudoso e apertado para os dois, onde quer que se encontrem.

José Coelho

 PS

Não sei quem foi o autor da foto, só sei que foi o João Forte (filho) que a ofereceu ao meu Pai.

Ninguém leva a mal


 

Esta expressão refere-se à efemeridade da vida e à necessidade de a aproveitarmos o melhor possível: esta vida são dois dias. O Carnaval são três: de facto, esta festa é celebrada nos três dias antes da Quaresma, que começa na Quarta-Feira de Cinzas e se prolonga até à Páscoa - Domingo gordo, segunda-feira de Carnaval e terça-feira, dia de Entrudo.

E como a Quaresma é um tempo de jejum religioso, o Carnaval começou por ser encarado com a última oportunidade para cometermos alguns excessos... E ninguém levar a mal!

(Para Português Ler)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Assim as irei recordar sempre

Algures, na primeira metade da década de 80 do Séc XX

Revisitando as muitas memórias visuais que guardo em formato digital encontrei por acaso esta foto dos dois primeiros grandes amores da minha vida. Sentadas na varanda do quintal - onde é hoje a nossa sala de jantar - da casa que era do meu pai e agora é minha, em primeiro plano a Mãe Florinda sentada na sua cadeira de "buinho" provavelmente a tratar do almoço e a Avó Amélia sua mãe, já viúva do Avô José Lourenço a conversar com ela, sentada no banco de alvenaria do alpendre. 

No canto superior direito da imagem pode ainda ver-se a vizinha Dionísia à conversa com as duas, encostada no muro do quintal, que faz paredes meias com o nosso, ainda hoje. Família unida e vizinhos-quase-família são riquezas atualmente difíceis de encontrar, pese embora o facto de na minha rua ainda existirem desses bons vizinhos à antiga. Os tempos são outros e o desapego entre as pessoas, seja nas famílias, seja na maioria das outras, é quase absoluto. Tempos bons eram aqueles, sim senhor. Gente humilde, trabalhadora, simples, na sua grande maioria analfabeta, mas profundamente humana e educada, em que os filhos seguiam automaticamente os princípios aprendidos dos pais e avós, em que os vizinhos se ajudavam, se estimavam e se respeitavam.

Hoje vivemos quase todos voltados para dentro, metidos em nós próprios, mudos, quedos e indiferentes aos outros. "Os velhos" como são considerados os pais e os avós à medida que as suas idades e capacidades avançam e enfraquecem, são "armazenados" primeiro num Centro de Dia que mais não é do que a antecâmara do Lar onde irão passar o resto dos seus dias, esquecidos por quase toda a sua família. Já entre vizinhos, salvo raríssimas excepções porque ainda as há,  pouco ou nada resta daquelas amizades antigas. Assim vamos ficando isolados de quase tudo. De afetos e de atenções. Porque, diz-se cómodamente, para que não sobre qualquer remorso, que isso já não se usa.

Modernices!

Beijinho Mãe, beijinho Avó, beijinho vizinha Dionísia. Guardo, com muito carinho no meu coração a vossa memória e tudo o que aprendi convosco, mesmo passados estes anos todos.

Até já.

José Coelho

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Para memória futura

Foto Mark J. - Ano de 1935

O lado oposto da Estação Ferroviária de Marvão-Beirã. A vivenda do lado direito da foto, era, à data, o Vice-Consulado de Espanha e moradia do Agente Aduaneiro Manuel Vivas que posteriormente promoveu a sua ampliação e remodelação para o atual e magnífico palacete, hoje propriedade dos seus herdeiros.

A vivenda do lado esquerdo lá continua ainda, exatamente na mesma. Nela se celebrou a primeira missa desta aldeia, conforme placa evocativa ali colocada e foi mandada construir para casa de férias pelo Tenente-Coronel Miguel Barcelos Maia e sua esposa Virgínia Barcelos Maia, ambos sepultados em jazigo familiar no cemitério desta Freguesia.

Esta vivenda foi por sua morte deixada em testamento à Junta de Freguesia da Beirã como sua nova proprietária, mas com usufruto da Paróquia para residência dos párocos. Recentemente, o Bispo da Diocese prescindiu dessa cláusula testamentária em virtude da acelerada degradação do imóvel, tendo por esse motivo passado definitivamente a propriedade e o usufruto para a Junta de Freguesia, a qual por sua vez a cedeu temporariamente à Câmara Municipal de Marvão, para que desse modo se tornasse possível o completo e dispendioso restauro do mesmo, com recurso a um projecto cofinanciado com fundos da União Europeia.

José Coelho - 13.02.2023

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Coincidências... (ou talvez não)

O desenho que ilustrava o "recado" abaixo descrito


Naquele final de manhã encontrava-me numa das salas de espera do hospital de Portalegre a acompanhar a minha companheira, que, por ter partido um joelho há poucas semanas, nesse dia ia retirar o gesso. Sentia-me triste e acabrunhado, em virtude de temer que a rótula esmigalhada talvez fosse uma sentença de invalidez permanente para uma ainda jovem esposa e mãe com a vida inteira pela frente e fada de um lar com três homens a desarrumá-lo.

Cogitava de mim para mim intranquilo acerca dos desígnios do Altíssimo que nem sempre parecem ser tão justos e entendíveis como se apregoam, quando, subitamente, alguém escancarou a enorme porta envidraçada que dava para a rua, afim de entrar com uma maca onde era transportado um doente. No mesmo instante a forte corrente de ar produzida pela abertura da porta fez voar em todas as direções alguns panfletos pousados numa prateleira e aos quais ninguém aparentemente prestava qualquer atenção.

Casualmente um deles veio “aterrar” junto dos meus pés. Mecanicamente apanhei-o mais por reflexo do que por interesse, mas logo me chamou a atenção o desenho a carvão do rosto de Jesus que me pareceu estar completamente fora de contexto naquele lugar. Por isso mesmo olhei mais atentamente e acabei a ler o “recado” que o papel trazia escrito por baixo do desenho - que reproduzo a ilustrar este texto - que dizia assim:

“Quando te levantaste hoje pela manhã Eu já tinha preparado o sol para aquecer o teu dia e o alimento para a tua refeição. Sim, Eu preparei tudo isso, vigiei o teu sono, a tua família, a tua casa. Esperei que Me dissesses “bom dia” mas tu esqueceste-te. Como parecias ter tanta pressa, Eu perdoei…

O sol apareceu, as flores deram o seu perfume, a brisa da manhã acompanhou-te e tu em nenhum momento pensaste que fui Eu que preparei tudo isso para ti. Os teus familiares sorriram-te, os teus colegas cumprimentaram-te, trabalhaste, estudaste, viajaste, realizaste negócios, alcançaste vitórias, mas não percebeste que Eu estava a cooperar contigo e mais teria feito se mo tivesses pedido. Mas como corres tanto… Eu perdoei.

Leste, ouviste e viste muita coisa, mas não tiveste tempo para ler e ouvir a Minha Palavra. Quis falar contigo, mas nem paraste para me atender. Quis aconselhar-te, mas nem pensaste nessa possibilidade… Se Me ouvisses tudo seria melhor na tua vida, mas uma vez mais esqueceste-te de Mim. Esqueceste que Eu desejo a tua participação no Meu reino com a tua vida, o teu tempo e o teu talento. O dia findou e tu voltaste para casa.

Então Eu mandei lua e as estrelas para tornarem a tua noite mais bonita e para te lembrar o amor que tenho por ti. Certamente agora irás dizer-Me “obrigado” e “boa noite”! Pschiu… Estás a ouvir? Oh! Que pena… Já adormeceste! Boa noite então e dorme bem. Uma vez mais, Eu fico a velar por ti. Mas quando algum dia quiseres saber quem Sou, pergunta ao riacho que murmura, ao pássaro que canta, à flor que desabrocha, à estrela que cintila, ao moço que espera ou ao velho que recorda. Chamo-Me Amor e sou o remédio para todos os males que te atormentam o espírito. Sou Jesus.”

Acabei de ler o inesperado “recado” invadido por uma subtil serenidade. Senti algo muito forte que me comoveu ao ponto de ficar com os olhos aguados. Senti-me também em simultâneo profundamente incrédulo pela oportunidade daquela “mensagem” no preciso momento em que no meu espírito se debatiam sérias dúvidas acerca da justiça divina. Quase parecia que o texto fora escrito para mim naquele preciso momento e lugar. E posso garantir-vos que senti um conforto interior como não sentia desde o dia em que a minha companheira caíra pelas escadas abaixo em casa e fizera em três a rótula de um dos joelhos.

Guardo até hoje a folha que aquela inesperada corrente de ar fez chegar até mim.

Ponderada a frio passado algum tempo toda aquela situação, é justo reconhecer com humildade que nada houve que nos pudesse ter feito duvidar fosse do que fosse. Pelo contrário tem havido sim e muito, para agradecermos até ao fim das nossas vidas. Após a queda e transportada de imediato para o hospital, teve a Manuela a sorte – terá sido apenas sorte – de ser atendida e imediatamente operada por um dos mais qualificados ortopedistas deste país que casualmente ali prestava serviço e àquela hora estava de atendimento ao banco de urgências, o qual, com toda a  perícia e competência que lhe granjeiam a mais justificada fama, conseguiu unir com grampos e fios metálicos os três fragmentos da rótula para a reconstruir tão completa e eficazmente que não ficou qualquer sequela pós-operatória para além da enorme e indisfarçável cicatriz.

Tudo não passou de meras coincidências, dirão alguns. Talvez sim, ou talvez não, digo eu. Nem sempre, com a luz dos factos, coincide a luz da fé. 

Cada um fique pois, como é de inteira justiça, com aquilo em que acredita…


José Coelho in Histórias do Cota

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Vou lá abáxo


O "lá abáxo" da minha Beirã é toda esta zona. Da Escola para sul. O Largo da Fonte, a Rua Vivas, a Rua da Estação, a "parte de báxo da linha" até à ponte sobre o ribeiro da Cavalinha por ser a zona onde se situava todo o comércio da aldeia. Tabernas, mercearias, sociedade recreativa, clube, talho, barbearia, alfaiataria e o mercado semanal das segundas feiras entretanto extinto, onde se vendia de tudo o que fazia falta às donas de casa sobre uns tabuleiros de tábuas de pinho montados de madrugada pelos "homens da Junta" debaixo dos plátanos em frente à Loja da Ti Zabel, produto do trabalho de grandes hortelãos como o ti Jerónimo das Águas, o tio Zé Tomé da Cavalinha, o Ti Zé Pequeno mais a Ti Rosa da Retorta e outros mais que vinham do Val de Roda e redondezas. 

Lá no alto, sempre atento e vigilante, Marvão.


(A partir do miradouro)

domingo, 5 de fevereiro de 2023

Politicando, ou talvez não




Ao regressar a casa três longos anos depois com a situação militar resolvida, trazia na bagagem o sonho de ingressar na CP, nos CTT ou num qualquer outro daqueles empregos que antes de partir em 1971 eram possibilidades reais de um futuro melhor. Porém, ao regressar em 1974, todos eles se tinham transformado em cravos vermelhos enfiados nas espingardas, em "grândolas vilas morenas" e em “gaivotas que voavam, voavam” mas que não davam trabalho a ninguém.

Lembro-me dos excessos que vi e ouvi.

Lembro-me de como a estupidez, a ignorância, quiçá a ganância de alcançar mundos e fundos, tornaram algumas pessoas iletradas e quase analfabetas em ridículos oradores, em dirigentes de facções partidárias, em sindicalistas ferrenhos e outras coisas mais.

Exatamente como escrevi no meu texto anterior onde reconheci não ter formação académica para entender conscientemente o que é o comunismo, o socialismo, a social democracia, a democracia-cristã, ou mesmo o que são a extrema direita ou a extrema esquerda, assim continuo praticamente hoje, todos estes anos depois.

É que no currículo da “universidade da vida” em que me formei, não havia “cadeiras” político-partidárias. Só de trabalho, trabalho e mais trabalho. E cada uma daquelas que executei posso garanti-lo de cara levantada, foram concluídas com empenho, com seriedade, disciplina, honra, integridade moral, respeito, e, acima de tudo, com o valor que mais prezo na vida: 

A Lealdade.

Então, se diz que não sabe de política, como vota? 

Perguntar-se-ão todos vós!

Fácil...

Voto convictamente pelas pessoas que fazem parte das listas cujo programa e perfil me convencem, sejam de que partido forem. Nas autárquicas, nas legislativas, nas presidenciais ou nas europeias. Tenho apanhado grandes desilusões é verdade, mas tem sido por esses princípios que me oriento de muito boa fé. 

E assim continuarei a fazê-lo.

Não alimento, nunca alimentei ou irei alimentar ódios alheios, sejam eles de quem, ou contra quem, sejam. Porque me prezo de ser fiel aos meus princípios e porque entendo que viver em liberdade e em democracia não confere a ninguém direito ao desrespeito, à maledicência, ao despudor opinativo, muito menos se causados por normais e naturais diferenças de opinião ou opção partidária.

Jamais seria capaz de prometer algo, sem ter a certeza de o poder cumprir.

Jamais eu diria fosse o que fosse contra a honra e bom nome de qualquer adversário apenas para angariar simpatias, votos, ou conseguir “tachos” para mim ou para os meus familiares.

Jamais eu seria capaz de mentir à toa só para ser simpático e alcançar proveitos.

Jamais.

Também não gosto de almoços, jantares e outros eventos que supostamente deveriam ser de convívio e confraternização entre as pessoas mas que frequentemente descambam para lavandaria de roupa suja, dando origem a excessos de linguagem de toda a ordem, porquanto entendo que não há melhor culto ou motivo para se organizar uma boa “comezaina” do que aquele que reúne à volta de uma mesa a nossa Família. Avós, pais, filhos, irmãos, tios e primos, ou, porque não, até alguns daqueles raros mas ainda existentes amigos verdadeiros.

Quanto à roupa suja, cada um que lave a sua. Porque não há ninguém que não precise de a lavar. Quem somos nós para julgar ou dar palpites na vida dos outros? 

Muitas vezes quem mais fala é quem mais tem para que si se diga.

Só que, decerto, não tem espelhos em casa!

Ao contrário de muitos que falam, falam, falam mas não dizem nada que se aproveite, já dei o meu contributo para a Causa Pública, empenhei-me o quanto foi necessário quando e onde foi preciso no tempo devido. Perguntem, investiguem se quiserem, a quantidade e variedade imensa de processos que deram entrada nos tribunais de Nisa, de Portalegre, de Castelo de Vide para garantir a paz e tranquilidade públicas, bem como a integridade de bens públicos e privados nas localidades onde desempenhei funções.

Perguntem também à minha esposa e aos meus filhos quantos dias e noites passaram sozinhos em casa sem a minha companhia em virtude da minha presença quase permanente nas ruas onde era necessária, para executar as minhas funções e ao mesmo tempo dar exemplo aos meus subordinados, no cabal desempenho das nossas obrigações profissionais. Com visíveis benefícios para a população que servíamos, mas com claros e evidentes prejuízos de ordem familiar para mim, sempre.

Fiel aos meus princípios, assim irei continuar provavelmente enquanto viver. Mas vou também decerto continuar a votar porque acredito que aqueles que aceitam fazer  parte das diversas listas partidárias o fazem de boa fé e com as melhores intenções de contribuir para o bem comum.

E, já agora, se houver alguém que queira dar-me alguma formação sobre as diversas ideologias políticas vigentes na nossa Assembleia da República, eu “matriculo-me” imediatamente. Porque, como dizia o meu velho e querido pai, "aprender até morrer"...

José Coelho

sábado, 4 de fevereiro de 2023

É isto


Quando deixamos de ser reféns da opinião alheia e passamos a conviver em paz com as nossas escolhas, descobrimos o verdadeiro significado da palavra liberdade.

Renata Fernandes

- 04.02.2023

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Bom fim de semana


Rodeado de acácias, amendoeiras, oliveiras e outra vegetação autóctone, um dos ex-libris da minha Beirã, porque em Novembro de 1518 à sombra deste imponente penedo se sentou a descansar a terceira mulher do Rei D. Manuel I, Rainha Dona Leonor de Áustria, irmã do Imperador Carlos V. Daí lhe foi dado o nome por que desde então é conhecido:
- O Penedo da Rainha.

Porque também deles faço uso

(Re)aprendendo a viver

Agosto de 1974

Foi conturbada e algo estranha para mim a época que se seguiu após o regresso da guerra. Estava em curso a mudança de regime e a esmagadora maioria da população não tinha conhecimento de quase nada do que se passava na capital, em tempo real. Nos meios rurais o dia começava cedo, o trabalho era duro, o cansaço aconselhava a deitar cedo, as notícias eram escassas e por vezes mal entendidas. De vez em quando havia sessões de esclarecimento nas salas públicas onde vinham oradores com discursos inflamados de acordo as convicções pessoais de cada um deles. Quem os ouvia, a maior parte das vezes, em vez de ficar mais esclarecido, ficava ainda mais confuso.

Mesmo assim começaram a esboçar-se as tendências que foram perdurando através das décadas e se têm mantido até hoje. Os “partidos dos pobres” eram os da esquerda. Os “partidos dos ricos” eram os da direita. Quem manifestasse simpatia pelas políticas de esquerda era sumariamente apelidado de comuna pelos que eram contra. Os opositores antiesquerdistas mais radicais afirmavam mesmo que comunistas, socialistas e seus satélites, eram todos farinha do mesmo saco. Isso não impediu contudo apesar de tanta oposição que fosse nesse grupo que se alinhasse a maioria dos trabalhadores das casas agrícolas da região assim como os operários fabris. Poderia até acrescentar que os que pretenderam dividir essas classes obtiveram o efeito contrário. 

Uniram-nas ainda mais. 

Desde sempre o fruto proibido foi o mais apetecido.

Por seu lado a tendência da outra parte, a da direita, na qual se incluíam os “donos-disto-tudo” daquele tempo mais os seus inúmeros seguidores, era apelidada de fascista e reacionária, a qual, entretanto, lá foi também contra ventos e marés vingando, apoiada pelos que iam comer à sua mão por conveniência, subserviência ou lambebotice. E porque não, pelos que simpatizavam realmente mais com a autoridade ditatorial recentemente deposta pela revolução, do que com os condenáveis excessos que em nome da liberdade se verificavam um pouco por toda a parte.

Consequência de tudo isso, instalou-se um clima esquisito pelas pequenas e até aí pacíficas comunidades como a da Beirã, um alimentar de estranhas hostilidades inclusivamente entre vizinhos e amigos de sempre, que pelo simples facto de uns acharem que o partido A com o qual simpatizavam era melhor que o B que os outros defendiam, romperam amizades de uma vida inteira, parentescos próximos até, em nome de ideologias políticas que ninguém conhecia ou entendia minimamente, mas às quais aderiam cegamente, escoiceando, mordendo e arranhando quem se lhe opusesse.

Aconteceu comigo também infelizmente como não podia deixar de ser. Não vou mencionar nomes de quem injusta, traiçoeira e cobardemente me prejudicou, porque eles sabem quem são se lerem o que eu escrevo e também porque tudo isso se passou há décadas. Muita água correu por debaixo da ponte levando com ela, sobretudo, a profunda mágoa que tudo isso me causou. Só a sua memória, qual auréola de nódoa difícil, será perene e se manterá para sempre no meu coração. Perdoar é uma coisa, esquecer é outra, bastante diferente. 

Além disso a Vida se encarregou-se de fazer justiça e de colocar cada coisa no seu lugar. Deus escreve direito por linhas tortas e a situação deu uma volta de tal ordem que poucos anos depois era eu quem tinha uma vida estável, serena e bem sucedida, enquanto a alguns desses detratores da minha integridade de carácter a Vida puxou o tapete debaixo dos seus pés e deixou-os sem chão. E sem conseguirem agarrar-se ao que quer que fosse para se ampararem, bateram dolorosamente com o cu no chão. 

Não por que eu lhes tivesse desejado tal sorte, muito pelo contrário. Apesar das suas injustas atitudes para comigo, compadeci-me deles no silêncio do meu coração de amigo que, apesar de tudo, nunca deixei de ser.

A segurança de me sentir finalmente em casa, o carinho da família, dos vizinhos, dos amigos e da namorada com quem já decidira casar, estavam lentamente a serenar a instabilidade interior que a guerra me causara, apesar de só eu mesmo saber que nunca mais voltaria a ser aquele jovem despreocupado e feliz que fora antes de para lá ir. Não tenho qualquer dúvida que naquela imensidão da floresta do Maiombe foi onde tive o meu encontro pessoal e íntimo com Deus. Talvez nunca consiga explicar quando, como e porquê, mas que foi ali que aconteceu, foi, sim! É uma certeza absoluta.

Foi onde aprendi a duras penas o quanto a vida é breve e fugaz, para nos darmos ao luxo de a desperdiçar de qualquer maneira, na igreja da Missão do Belize durante longuíssimas madrugadas quando da floresta ecoavam miríades de vozes de animais selvagens num verdadeiro hino à vida, enquanto eu e os meus camaradas nomeados de guarda de honra, perfilávamos incrédulos, com o coração apertado, a ladear na posição de sentido as urnas de camaradas que poucas horas antes nos tinham feito companhia mas agora ali jaziam estropeados dentro daqueles caixões.

Por essas e por outras, apesar de estar já em casa em segurança, ainda havia no meu coração demasiadas lembranças e marcas que me impediam de comungar da euforia geral reinante ou de me interessar minimamente por qualquer atividade política, além de que, honestamente, não sabia nem pouco mais ou menos o que era "aquilo" de esquerda, direita ou centro, limitando-me a ouvir uns e outros para tentar entender a nova realidade e colaborar no que me fosse solicitado, sem qualquer outra intenção que não fosse a de ajudar tudo e todos...


José Coelho in Histórias do Cota