domingo, 10 de abril de 2022

Coisas que leio


A última viagem

Era tarde da noite quando o taxista recebeu a chamada. Dirigiu-se para a rua e número indicados. Situava-se num prédio simples, com apenas uma luz acesa no andar térreo.

Pensou em buzinar e aguardar, mas pensou também que para alguém chamar um táxi tão tarde da noite poderia estar com alguma dificuldade. Por isso saiu do carro, foi até à porta e tocou a campainha. Ouviu o som de algo a ser arrastado e uma voz débil dizer:

- Vou já. Um momento, por favor.

Uma senhora idosa, pequena, franzina, com um vestido estampado, abriu a porta. Equilibrava-se com uma bengala e na outra mão trazia uma pequena mala. Ao olhar para dentro, o taxista percebeu que os móveis tinham sido todos cobertos com lençóis.

- Pode ajudar-me com a mala? Pediu a senhora.

Ele pegou a mala e ajudou a passageira a entrar no táxi. Ela forneceu um endereço e pediu:

- Poderemos ir pelo centro da cidade?

- Podemos sim, mas o caminho que a senhora sugere é mais longo, observou o taxista.

- Não tem importância, afirmou ela, resoluta. Não tenho pressa. Desejo olhar a cidade pela última vez. Vou para um lar porque não tenho mais família e o médico disse-me que morrerei em breve. 

O taxista que começara a iniciar a partida, desligou subtilmente o taxímetro. Olhou para trás, fixou a senhora nos olhos e perguntou:

- Onde é que a senhora gostaria de ir?

E levou-a até um prédio na área central da cidade onde ela indicou o edifício onde fora ascensorista quando era ainda moça.

Depois foram a um bairro onde ela recém-casada morou com o seu marido. Apontou, mais adiante, o clube onde dançou com o seu amor muitas vezes.

De vez em quando pedia para ele ir mais devagar ou que parasse em frente a algum edifício. Parecia olhar na escuridão, no vazio. Suspirava e olhava. Assim as horas passaram até que a senhora manifestou cansaço:

- Por favor, agora estou pronta. Vamos para o lar.

Era uma casa cercada de arvoredo e, apesar do horário tardio, a senhora foi recebida de forma cordial por duas assistentes. Logo depois, já numa cadeira de rodas, despediu-se do taxista.

- Quanto lhe devo?

- Nada, disse o taxista. Foi uma cortesia minha.

- Você tem que ganhar a vida, meu rapaz!

- Há outros passageiros, respondeu ele.

E, sensibilizado, inclinou-se e envolveu a senhora num abraço afetuoso. Ela retribuiu com um beijo e palavras de gratidão:

- Você deu a esta velhinha um enorme presente. Deus o abençoe!

Naquela madrugada o taxista resolveu não trabalhar mais. Ficou a cismar: E se ele, como muitos colegas faziam, apenas tivesse tocado a buzina duas ou três vezes e ido embora? E se tivesse recusado a corrida, pelo adiantado da hora? E se tivesse querido fechar o seu turno quando se fizeram horas de ir para casa? Deu-se então conta da nobreza que fora ter sido gentil para com a solitária senhora. Dois dias depois, retornou à casa de repouso. Desejava saber como estava a sua passageira.

Ela tinha morrido, na noite anterior.

Muitas vezes pensamos que grandes momentos só podem ser motivados por grandes feitos. Contudo, existem coisas mínimas que podem representar muito para uma pessoa. O importante é estarmos atentos e não perdermos a oportunidade de fazer alguém feliz, mesmo que seja com um simples passeio pela cidade.

Pense nisso! E esteja atento para as coisas mínimas, para os gestos insignificantes que podem representar um pouco de felicidade para alguém.

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