O comboio TER que me trouxe para casa
(...)
Pernoitámos
em casa da tia Maria d’Alegria pelo que só rumámos à Beirã no dia seguinte no comboio
expresso TER que ligava Lisboa a Madrid e saía de Santa Apolónia às oito e dez da
manhã. Eu continuava ainda ansioso por abraçar o resto da família, particularmente o meu querido pai e as minhas três irmãs, assim como
evidentemente a namorada que hoje é a mãe dos meus filhos, os meus avós, tios,
primos, vizinhos e toda uma legião de amizades.
Desde
que chegara a Lisboa estava muito piegas. As lágrimas assomavam-me aos
olhos por tudo e por nada inexplicavelmente. E acho que nunca mais me curei dessa
pieguice da qual não me envergonho por ser coisa que herdei do pai, o qual,
muitas vezes e com a maior facilidade chorava. Bastava às vezes o simples facto
de lhe darmos um beijo ou um abraço ou fazer-lhe um carinho qualquer. Fossem os
filhos ou os netos. Penso que por ser uma pessoa tão bondosa comovia-se facilmente
e muitas vezes sem qualquer razão aparente. Pena eu só ter herdado dele a choradeira
porque em bondade nem lhe chego aos calcanhares.
O naquela época elegante comboio azul chegou por fim à estação de Castelo de Vide, a
penúltima antes da Beirã. Faltava um quarto para as onze. A paisagem tão
querida e tão familiar começou a desenrolar-se diante dos meus extasiados
olhos. Que delícia! Que saudades eu tivera das minhas pedras, dos meus
sobreiros e giestas, daquele aroma cálido e perfumado dos campos secos no
início do verão, longe do húmido pegajoso e interminável verde da floresta
tropical.
Parecia
ainda quase um sonho mas ali estava Castelo de Vide de um lado da linha e do
outro lado os canchais pontilhados de carvalhos, sobreiros, oliveiras, hortas e
casas brancas isoladas, aqui e além.
Era
mesmo verdade. Ia no comboio que me levava finalmente para casa, para junto de
todos os entes queridos e sem aquele habitual aperto no peito causado pela
expectativa de ouvir tiros ou explosões a qualquer instante. Tudo isso ficara
definitivamente para trás.
Passámos
a Ponte das Águas e mais além avistei o Monte da Broca com a grande e bem cuidada
horta do meu pai.
Ufff…
Ainda
hoje sinto um arrepio com essa recordação!
Logo
a seguir o campo da bola e a passagem de nível do Penedo da Rainha. Lá vinha
ele quase a correr pela estrada do Pereiro, antes da passagem de nível. O meu
pai! E a porra da janela do TER que não abria! O comboio era climatizado por
isso as janelas eram de vidros fixos! Fiz-lhe adeus. Ele viu-me, conheceu-me e
fez-me adeus também. Depois de tanto tempo. Depois de ter temido tantas vezes
não voltar a abraçá-lo.
Finalmente
a estação da Beirã e uma dúzia de braços abertos correram para mim. Gritos,
risos, lágrimas, soluços, beijos, longos e muito apertados abraços. Manas, tias,
primos, vizinhos, amizades. Tanta gente à minha espera…
Pouco depois, especado à porta da nossa casa, ofegante ainda pela correria desde a horta, aguardava-me cego por grossas lágrimas o meu velho amigo e querido Pai.
-
Até que enfim estás em casa, filho! Graças a Deus…
Ali ficámos fortemente abraçados um ao outro chorando como duas madalenas
arrependidas, como se ainda temêssemos que fosse mentira.
Há, de facto, momentos que valem... Por uma vida inteira.
José
Coelho
in Histórias do Cota