A bica depois do almoço no bar do Posto - Finais dos anos 80
Nos
primeiros dois anos da minha função de comandante do posto de Nisa decidi
conhecer palmo a palmo toda a área cuja ordem e tranquilidade públicas estavam
confiadas à responsabilidade do posto para poder coordenar melhor o
policiamento e vigilância de tão grande extensão territorial.
Foram
precisas muitas horas a calcorrear de jipe e a pé as povoações e os seus
acessos para perceber a intrincada teia de estradas e caminhos rurais pelas
encostas e pinhais da serra de S. Simão a norte e nascente, depois pelas densas
matas de eucaliptos a sul e poente de Nisa.
Apesar
de todo o meu empenho, as queixas dos mais diversos furtos sucediam-se
diariamente no posto com prevalência para o desaparecimento dos gados que
enxameiam ainda hoje por toda a área de um concelho eminentemente produtor do
leite que fabrica o queijo de Nisa DOP cuja fama há muito cruzou fronteiras.
Vi-me
por isso na necessidade de muito em segredo como convinha para não espantar
os ladrões antes de os conseguirmos apanhar, pedir ajuda à Polícia Judiciária
de Tomar que tal como nós tinha também a seu cargo a investigação da área de Nisa
para os crimes da sua exclusiva competência. Assim
começámos um trabalho conjunto cada um na sua esfera de comando mas orientado
todo ele para um só objectivo. Travar a onda de roubos e apanhar os ladrões.
Na
sua maioria os roubos eram levados a cabo por um bando de ladrões devidamente
chefiados por um Ali Bábá das bandas
de Belmonte que organizadamente vinham durante o dia marcar o terreno para durante a noite efectuarem os assaltos e transportar imediatamente os
gados para o interior da Beira Baixa de onde os encaminhavam para alguns
matadouros mais a norte numa acção perfeitamente concertada que
seria impossível descobrir se não tivéssemos a excelente e competentíssima polícia judiciária neste país de xicos-espertos onde só não consegue enriquecer e singrar na vida
quem trabalha honradamente.
Foram meses de muito
trabalho e secretismo. Foram também meses de cenas caricatas e divertidas que
aconteciam e nos ajudavam a descontrair esquecendo um pouco as frustrações
imensas que qualquer investigação criminal inesperadamente proporciona quando por exemplo nos parece que estamos mesmo quase, quase, a atingir um alvo e de repente verificamos que todas as pistas que vínhamos a seguir eram falsas. Uma dessas situações hilariantes foi quando, depois de muita investigação, se conseguiu recuperar uma dúzia de cabras e cabritos que
tinham sido roubadas a um casal de idosos no Monte do Pardo.
Quisemos eu e o inspector da PJ estar presentes no momento da descarga do gado e respectiva devolução aos donos. Por um lado por nos sentirmos realizados com o resultado, por outro lado para transmitirmos alguma confiança às populações que andavam inquietas e com o permanente receio de verem uma noite qualquer desaparecer também o seu gado.
Quisemos eu e o inspector da PJ estar presentes no momento da descarga do gado e respectiva devolução aos donos. Por um lado por nos sentirmos realizados com o resultado, por outro lado para transmitirmos alguma confiança às populações que andavam inquietas e com o permanente receio de verem uma noite qualquer desaparecer também o seu gado.
A
nossa presença naquele acto era simbólica e queria no fundo incutir apenas algum sossego mas também fazer sentir que estávamos ali, no terreno e perto deles, a tentar
cumprir o nosso dever. Assim que as cabras lhe foram entregues e verificado que
nenhuma faltava veio o seu dono de boné na mão muito reconhecido agradecer veementemente por termos conseguido recuperar o seu querido gadinho.
Eis senão quando muito dona do seu nariz e aparentemente zangada, a mulher do pastor não lhe pareceu bem tanto agradecimento e sentenciou alterada:
- Déééhhh! Ó hóme de Dês tu tá mazé calade, nã tés nada ca'gradecê.... Só fizérim a sua obrigaçã olha-lá-ô! É pra
isso que les páguim...
Abalou a falar alto mais coisas imperceptíveis tocando as cabras deixando-nos a todos atónitos com a tão acertiva sentença. Ainda mais atónito que nós ficou o "sê hóme" que pediu desculpa e agradeceu outra vez antes de marchar atrás dela mais das suas cabrinhas.
E nós ficámos a vê-los ir, rindo a bandeiras
despregadas.
-
Toma que já almoçaste! Retorquiu, olhando para mim com ar divertido, o amigo Manel inspector.
- Vai mas é trabalhar, malandro...
José Coelho
In Histórias do Cota