quinta-feira, 13 de junho de 2019

De mim para mim...

Crepúsculo no Vale de Ródão - Foto José Coelho

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O dia a ir-se embora visto da minha varanda é um quadro repousante e digno de ser reproduzido na tela de qualquer pintor. Todos os dias, seja verão ou inverno. Neste tempo quente, o sol começa por deixar o vale onde fica a estação e mais além o ribeiro da Cavalinha. Depois vai banhando de ouro a Murta e os cumes graníticos da Anta e da Cavalinha de Cima, para despedir-se na Meirinha. Quando desaparece completamente no horizonte surge a noite vinda da Herdade dos Pombais onde parece viver escondida. No inverno dá-se precisamente o inverso. Os cumes que agora se despedem do dia dourados pelo sol poente coroam-se a partir de novembro de uma neblina clara e húmida pelo frio do anoitecer a qual vai descendo lentamente até ao vale e transmite um certo ar de mistério à paisagem. Só falta aparecer no meio dela D. Sebastião.

Esta região raiana pedregosa e inóspita que pouco mudou com o passar dos séculos ou até mesmo dos milénios como testemunham os muitos vestígios arqueológicos existentes por toda a parte, é sem dúvida o meu paraíso na terra. Aqui encontrei sempre a paz e tranquilidade necessárias por maiores que tivessem sido os meus problemas e desassossegos. Trago hoje no peito uma dor nova que não é física mas que incomoda tanto ou mais do que aquelas que passam com analgésicos. É a dor de ver esta amada terra a ficar sem ninguém. Tudo aquilo que fez parte da minha vida até aos 60 anos está a desaparecer em passo de corrida. E sei que é absolutamente irreversível. Há dias comentei tristemente com a minha companheira: - Já nem chocalhos de gado se ouvem, Maria. Só o silêncio vai inundando isto tudo!

Aposto que se os nossos antepassados cá voltassem não iam gostar de ver o lugar onde viveram e foram felizes assim votado ao abandono. Não vem longe o tempo em que muitas destas ruas casas e quintais irão ser invadidos por mato e silvas e transformar-se em montões de ruínas como está já a Herdade do Pereiro, o Ramal de Cáceres e muitos caminhos de acesso às propriedades. Não vem longe o tempo em que estes pequenos povoados da raia se irão juntar aos vestígios arqueológicos milenares para fazerem parte do seu conjunto. Como é possível que, em duas ou três décadas apenas, se tenha destruído aquilo que se construiu ao longo de mais de um século e meio? A História o dirá e julgará. Ou talvez não…

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José Coelho

In Histórias do Cota