Crepúsculo no Vale de Ródão - Foto José Coelho
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O dia a ir-se
embora visto da minha varanda é um quadro repousante e digno de ser reproduzido
na tela de qualquer pintor. Todos os dias, seja verão ou inverno. Neste tempo
quente, o sol começa por deixar o vale onde fica a estação e mais além o
ribeiro da Cavalinha. Depois vai banhando de ouro a Murta e os cumes graníticos
da Anta e da Cavalinha de Cima, para despedir-se na Meirinha. Quando desaparece
completamente no horizonte surge a noite vinda da Herdade dos
Pombais onde parece viver escondida. No inverno dá-se precisamente o inverso.
Os cumes que agora se despedem do dia dourados pelo sol poente coroam-se a partir de novembro de
uma neblina clara e húmida pelo frio do anoitecer a qual vai descendo lentamente
até ao vale e transmite um certo ar de mistério à paisagem. Só falta aparecer no meio dela D. Sebastião.
Esta região
raiana pedregosa e inóspita que pouco mudou com o passar dos séculos ou até
mesmo dos milénios como testemunham os muitos vestígios arqueológicos
existentes por toda a parte, é sem dúvida o meu paraíso na terra. Aqui
encontrei sempre a paz e tranquilidade necessárias por maiores que tivessem
sido os meus problemas e desassossegos. Trago hoje no peito uma dor nova que
não é física mas que incomoda tanto ou mais do que aquelas que passam com
analgésicos. É a dor de ver esta amada terra a ficar sem ninguém. Tudo
aquilo que fez parte da minha vida até aos 60 anos está a desaparecer em passo
de corrida. E sei que é absolutamente irreversível. Há dias comentei
tristemente com a minha companheira: - Já nem chocalhos de gado se ouvem,
Maria. Só o silêncio vai inundando isto tudo!
Aposto que se os
nossos antepassados cá voltassem não iam gostar de ver o lugar onde viveram e
foram felizes assim votado ao abandono. Não vem longe o tempo em que muitas destas
ruas casas e quintais irão ser invadidos
por mato e silvas e transformar-se em montões de ruínas como está já a
Herdade do Pereiro, o Ramal de Cáceres e muitos caminhos de acesso às
propriedades. Não vem longe o tempo em que estes pequenos povoados da raia se
irão juntar aos vestígios arqueológicos milenares para fazerem parte do seu
conjunto. Como é possível que, em duas ou três décadas apenas, se tenha destruído aquilo que se construiu ao longo de mais de um século e meio? A História o dirá e
julgará. Ou talvez não…
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José
Coelho
In
Histórias do Cota