sábado, 1 de junho de 2019

Dela se compõe o mundo disse o poeta. Mas…

Zé do Telhado - Imagem copiada do Google


Não seria suposto – acho eu – mudanças tão radicais em tudo o que me rodeia no espaço de apenas duas ou três décadas.  Mas assim tem sido, assim é. Não há volta a dar. A vida, o tempo, os usos e costumes. Embora já não seja propriamente um jovem, não me considero ainda um velho aos sessenta e sete anos, contudo, já vi e vivi tantas coisas que às vezes parece-me andar por cá há mais de cem anos.

Até aos 35 anos conheci um mundo, daí para cá venho conhecendo outro, totalmente diferente. Na mesma terra e com algumas das mesmas pessoas, só que a terra mudou e algumas das pessoas foram-se indo. A terra mudou porque o progresso que esteve na génese do seu desenvolvimento foi o mesmo que a matou.  E as pessoas foram-se indo por ter terminado o seu tempo ou porque terem que buscar novos destinos onde pudessem continuar a ganhar o seu sustento.

É verdade que tudo muda e se transforma. E que o mundo é composto de mudança. Faz parte dos ciclos que naturalmente se sucedem na vida das pessoas e das coisas. O que me faz alguma confusão é a rapidez com que tudo acontece agora, porque, na primeira metade da minha vida, e não só, não era assim. Os meus bisavós, avós e pais, eram todos desta região. Uns do concelho de Castelo de Vide, outros do concelho de Marvão, alguns até da vizinha Espanha, todos num perímetro físico de poucos quilómetros entre si.

E todos foram sempre muito unidos, muito arreigados à família, respeitando os laços familiares até à quarta ou quinta geração – não é por acaso que por aqui somos quase todos primos uns dos outros – ciosos também dos seus usos e costumes. Praticavam entre eles e para com os outros as regras da boa educação, do bom trato e do respeito, mas também do decoro e da honradez em tudo o que falavam e faziam.  

Valia mais uma palavra sua do que qualquer certidão de notário. Foi por isso dentro desse contexto que eu fui ensinado. Os meus avós não tinham bens e nem sequer a casa onde moravam era deles. Viviam do seu trabalho mas ainda assim não deviam um centavo que fosse a ninguém. Tinham a vida que podiam ter sem se importarem se a dos outros era melhor do que a sua. Foram, indubitavelmente, apesar da sua humilde condição social, as criaturas mais perfeitas que conheci na minha vida e a quem nunca vi um mau exemplo ou ouvi um queixume.

O respeito entre os dois e para com os filhos e netos era irrepreensível. Na casa dos meus pais, idem, idem, aspas, aspas porque a tia Florinda era uma cópia da senhora sua mãe. Olá se era! Por isso, a pessoa que aprendi a ser e tudo o que depois ensinei aos meus filhos a eles devo, muito mais do que à escola que me ensinou a ler e a escrever, as duas únicas coisas que nenhum deles sabia fazer. Há valores não se vão buscar à escola porque têm que vir do berço. Talvez por isso estranhe tanto as atuais mudanças porque não encaixam, de todo, naquilo que aprendi.

Hoje sucede exatamente o inverso. Os maus exemplos vêm quase todos de cima. Do topo para a base. De quem governa ou governou. De figuras públicas com altas responsabilidades nas mais diversas áreas e funções de administração, chefia ou direção. De pessoas que deveriam ter um comportamento irrepreensível para reflexo no cidadão comum. Qual quê! Cada dia, semana ou mês, um novo escândalo. E cada um mais grave que o anterior. José Teixeira da Silva ou Zé do Telhado, em 1800 e tal, roubava aos ricos para dar aos pobres. Os Zés do Telhado modernos são exatamente o oposto. Roubam aos pobres, ao Estado, às Instituições, para centuplicarem as suas fortunas. E sem olhar a meios. Vale tudo.

A tal ponto isto chegou que já é tido como normal um pilha-galinhas que nunca teve onde cair morto ficar rico sem se perceber como. E que um primeiro, segundo ou terceiro ministro – o tal topo da hierarquia cívica – vão parar à prisão indiciados por falcatruas e desmesurada ganância.

Seria este o tipo de mudança que Camões refere no seu poema Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades?

Cada um tire a sua conclusão:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

Luís Vaz de Camões

Beirã - 01 Jun' 19
José Coelho