Zé do Telhado - Imagem copiada do Google
Não
seria suposto – acho eu – mudanças tão radicais em tudo o que me rodeia no
espaço de apenas duas ou três décadas.
Mas assim tem sido, assim é. Não há volta a dar. A vida, o tempo, os
usos e costumes. Embora já não seja propriamente um jovem, não me considero
ainda um velho aos sessenta e sete anos, contudo, já vi e vivi tantas coisas
que às vezes parece-me andar por cá há mais de cem anos.
Até
aos 35 anos conheci um mundo, daí para cá venho conhecendo outro, totalmente
diferente. Na mesma terra e com algumas das mesmas pessoas, só que a terra
mudou e algumas das pessoas foram-se indo. A terra mudou porque o progresso que
esteve na génese do seu desenvolvimento foi o mesmo que a matou. E as pessoas foram-se indo por ter terminado
o seu tempo ou porque terem que buscar novos destinos onde pudessem continuar a
ganhar o seu sustento.
É
verdade que tudo muda e se transforma. E que o mundo é composto de mudança. Faz
parte dos ciclos que naturalmente se sucedem na vida das pessoas e das coisas.
O que me faz alguma confusão é a rapidez com que tudo acontece agora, porque, na
primeira metade da minha vida, e não só, não era assim. Os meus bisavós, avós e
pais, eram todos desta região. Uns do concelho de Castelo de Vide, outros do
concelho de Marvão, alguns até da vizinha Espanha, todos num perímetro físico
de poucos quilómetros entre si.
E
todos foram sempre muito unidos, muito arreigados à família, respeitando os
laços familiares até à quarta ou quinta geração – não é por acaso que por aqui somos
quase todos primos uns dos outros – ciosos também dos seus usos e costumes. Praticavam
entre eles e para com os outros as regras da boa educação, do bom trato e do respeito,
mas também do decoro e da honradez em tudo o que falavam e faziam.
Valia
mais uma palavra sua do que qualquer certidão de notário. Foi por isso dentro desse
contexto que eu fui ensinado. Os meus avós não tinham bens e nem sequer a casa
onde moravam era deles. Viviam do seu trabalho mas ainda assim não deviam um
centavo que fosse a ninguém. Tinham a vida que podiam ter sem se importarem se
a dos outros era melhor do que a sua. Foram, indubitavelmente, apesar da sua
humilde condição social, as criaturas mais perfeitas que conheci na minha vida
e a quem nunca vi um mau exemplo ou ouvi um queixume.
O
respeito entre os dois e para com os filhos e netos era irrepreensível. Na casa
dos meus pais, idem, idem, aspas, aspas porque a tia Florinda era uma cópia da senhora
sua mãe. Olá se era! Por isso, a pessoa que aprendi a ser e tudo o que depois ensinei
aos meus filhos a eles devo, muito mais do que à escola que me ensinou a ler e
a escrever, as duas únicas coisas que nenhum deles sabia fazer. Há valores não
se vão buscar à escola porque têm que vir do berço. Talvez por isso estranhe
tanto as atuais mudanças porque não encaixam, de todo, naquilo que aprendi.
Hoje
sucede exatamente o inverso. Os maus exemplos vêm quase todos de cima. Do topo
para a base. De quem governa ou governou. De figuras públicas com altas
responsabilidades nas mais diversas áreas e funções de administração, chefia ou
direção. De pessoas que deveriam ter um comportamento irrepreensível para reflexo
no cidadão comum. Qual quê! Cada dia, semana ou mês, um novo escândalo. E cada
um mais grave que o anterior. José Teixeira da Silva ou Zé do Telhado, em 1800
e tal, roubava aos ricos para dar aos pobres. Os Zés do Telhado modernos são
exatamente o oposto. Roubam aos pobres, ao Estado, às Instituições, para
centuplicarem as suas fortunas. E sem olhar a meios. Vale tudo.
A
tal ponto isto chegou que já é tido como normal um pilha-galinhas que nunca teve
onde cair morto ficar rico sem se perceber como. E que um primeiro, segundo ou terceiro
ministro – o tal topo da hierarquia cívica – vão parar à prisão indiciados por
falcatruas e desmesurada ganância.
Seria
este o tipo de mudança que Camões refere no seu poema Mudam-se os tempos, mudam-se
as vontades?
Cada
um tire a sua conclusão:
Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.
Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Luís Vaz de Camões
Beirã - 01 Jun' 19
José
Coelho