Vista parcial da Barroca Grande
Cinco tranquilos e felizes anos
Nas encostas serranas da Estrela,
a Barroca Grande é uma aldeia muito maior que algumas vilas que conheço.
É um aglomerado enorme de edifícios
de todas as tipologias. As casas são bonitas, modernas e funcionais, com todas
as comodidades possíveis e, por isso mesmo, era muito difícil, no meu tempo,
conseguir uma casa vaga para ali assentar de vez com a família.
Ainda assim estive prestes a
receber uma delas mas a minha Maria Manuela logo me informou perentoriamente
que jamais iria viver para aquele lugar e muito menos queria que eu continuasse
a trabalhar debaixo do chão como as toupeiras.
Queria, isso sim, que eu voltasse
para casa, arranjasse uma vida menos perigosa e que nos permitisse estarmos
permanentemente juntos como qualquer família normal.
Um ano depois de eu ter abraçado a profissão de mineiro decidíramos casar. Ela trabalhava na Celtex há dez anos e o meu ordenado
na Beralt Tin & Wolfram ultrapassava e muito a média dos ordenados desse tempo por aqui, na medida em
que, trabalhando por turnos rotativos, dois desses turnos
apanhavam a noite, o que beneficiava significativamente os vencimentos, uma vez que as
horas de trabalho no interior da mina entre as 20 e as 08 horas eram pagas a
dobrar.
Recordo-me que a Manuela ganhava 18.000$00 mensais (dezoito contos) que até nem era nada mau, e eu
já conseguia trazer para casa na ordem dos 60.000$00 (sessenta contos limpos) que eram mais do triplo da média dos ordenados que por aqui se praticavam.
Tínhamos um inconveniente enorme.
Só vinha a casa de 15 em 15 dias. A viagem da Beirã para as Minas em transportes públicos era uma aventura
cansativa como já descrevi. Assim optámos por fazer contrato com o senhor
Augusto Chaves do táxi de Castelo de Vide, o qual de 15 em 15 dias nos ia
buscar, a mim e a outros dois camaradas mineiros marvanenses, por uma quantia pré-estabelecida que pagávamos entre os três. Uma viagem muito mais rápida e confortável.
A Celtex onde a Manuela
trabalhava encerrava todos os anos no mês de Agosto para férias de todo o seu
pessoal. Então nesse mês a Manuela rumava às Minas para passar 30 dias
comigo, gratuitamente hospedados em casa dos nossos queridos amigos marvanenses que quase disputavam
entre eles em casa de quem iria ser a nossa permanência cada ano.
Gente boa.
No mês seguinte, Setembro, era eu
quem tirava os 30 dias de férias a que tinha direito. A Manuela regressava ao trabalho e eu ficava em casa. E assim foi a nossa vida, durante cinco anos.
Juntos apenas dois meses seguidos por ano além de um fim-de-semana de 15
em 15 dias.
Entretanto nasceu o nosso filho
Manel. Começou a ser muito complicado para mim viver longe dele e da mãe, apesar de adorar o meu trabalho, os
meus camaradas e todo aquele ambiente de profunda amizade, solidariedade,
camaradagem, simplicidade e disponibilidade mútuos, quer dos mineiros marvanenses
e suas famílias, quer também de todas aquelas excelentes pessoas da Beira Baixa que
são a melhor gente do mundo.
O Povo da Beira, digo-vos eu, é um
Povo por excelência generoso, afável, amigo.
Em nenhum outro lugar do mundo me
senti tão bem durante toda a minha vida. Talvez por isso mesmo tivesse sido tão fácil para
mim adaptar-me, apesar da rudeza e permanente perigosidade do trabalho.
Um mineiro quando entra para dentro
da mina é como um pescador quando se faz ao mar. Nunca sabe se regressa a casa
pelo seu pé.
A compensação salarial
era muito atrativa e eu habituei-me a ter sempre dinheiro para tudo
quanto nos fazia falta. Paguei sem qualquer dificuldade a mobília da nossa
casa, comprámos eletrodomésticos, fizemos a viagem de lua-de-mel que incluiu
Madrid, Porto, Braga e Gerês, enfim, um sem número de mordomias impensáveis se
tivesse continuado por aqui e se não tivesse aceite sem hesitar a mão que o meu
falecido primo João Gaspar generosamente me estendeu.
Já estão os dois junto de Deus
mas a minha gratidão permanece intacta e reverencio a sua querida memória. A
silicose da mina matou o João aos cinquenta e poucos como já era previsível e a
Maria José foi ter com ele pouco depois vítima de um AVC.
Resta-me o grato prazer de me encontrar
agora frequentemente com o meu querido capataz, o José Mouro, assim como com a
sua esposa e filha mais nova, pois regressaram às encostas de Marvão mal ele se
aposentou. A filha mais velha reside nos EUA e o filho também vive longe de
Marvão.
Gosto de todos eles como gosto da
minha família e não conseguimos - nem queremos - disfarçar a profunda amizade que nos une, sempre
que nos encontramos ou visitamos. A gratidão é a virtude que mais prezo na
vida...
José Coelho in Histórias do Cota