quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Coisas q'escrevi...

Imagem copiada do Google


Entre o espanto e o encanto


Ambiente geral em meu redor, quando regressei de África:  Tudo doido com a liberdade recém-conquistada. Por qualquer casca d’alho juntava-se o pagode aos gritos de punho no ar em qualquer lugar público e…

“O PO-VO, ES-TÁ, COM O É-ME-É-FE-Á”

Ou então…

“FAS-CIS-TA, ES-CU-TA, O PO-VO ES-TÁ EM LU-TA”

Os então denominados “carrascos do povo” como por exemplo os ex-agentes da PIDE, os seus informadores conhecidos ou simplesmente suspeitos de o serem, eram agora o objeto predileto da sanha democrática de toda a gente, a par deste ou daquele indivíduo que, se fosse rico, era imediatamente acusado de “fascista”. Passou-se da passividade institucional antes vigente para um exagero de atitudes incompreensível. Do oito para o oitenta. Os “pré-perseguidos” transformaram-se em "pós-perseguidores" piores e mais cruéis, mais intolerantes e AINDA MAIS prepotentes do que aqueles que perseguiam, em nome de uma estranha justiça da qual se arvoravam juízes, por conta da Liberdade, da Democracia e da Revolução.

Infelizmente a esmagadora maioria, aqueles que não sabiam ler nem escrever, tornaram-se fáceis e manuseáveis instrumentos, perfeitos “maria-vai-com-todas” crédulos e ingénuos a quem muitos conseguiram mesmo fazer acreditar que as herdades e as quintas de todo o país iam ser divididas em quadradinhos para distribuir por todo o bicho careto em partes iguais, com um chavão usado até à exaustão pelos candidatos ao poder e cujo slogan berravam em tudo quanto era sítio:

“A TERRA É DE QUEM A TRABALHA”

A seu tempo e quando as minhas “histórias” lá chegarem, irei descrever qual foi o meu papel no meio desse turbilhão de excessos, porque, como não podia deixar de ser, fui também envolvido nesse processo de mudança e assumo-o sem qualquer hesitação ou constrangimento, pese embora a verdadeira versão dos factos seja muito diferente daquilo que muita gente sabe, ou que julga que sabe. Mas cada coisa a seu tempo e lá haveremos de chegar, porque eu quero tentar seguir a cronologia lógica e temporal mais aproximada possível de todos os factos a narrar.

Assim, enquanto meio mundo cantava a Grândola Vila Morena, o outro meio mundo tentava perceber o que estava a acontecer, assentar os pés no chão, manter a cabeça no lugar, não se meter em euforias parvas e situar-se naquela nova e desconhecida realidade em que se havia transformado o país.
Era nessa segunda metade que eu me sentia inserido. De política, não percebia um corno. Ainda hoje não percebo muito, mas pronto, aceito que sou um pouco mais esclarecido, embora tenha, acerca de alguns políticos, sérias reservas de credibilidade. Sejam eles da cor que forem. Passados que são já tantos anos, assistindo aos sucessivos escândalos e desigualdades que prevalecem e que hoje são muito maiores e mais aberrantes do que antes de 1974, não resta lugar para grandes dúvidas.

Também na altura não percebia bem porque eram tão hediondos os Pides uma vez que cresci a conviver com eles, com as suas esposas e a brincar com os seus filhos da minha idade, dos quais guardo boas recordações. Eram pessoas normalíssimas, iguais a nós, apenas ganhavam maiores ordenados e viviam melhor que a maioria das pessoas da aldeia. Quanto aos ricos, sempre os conheci. Eram eles que nos davam trabalho e nos pagavam as jornas. Que mal fazia haver ricos?

Mas… Adiante!

Ao regressar a casa depois de tanto penar, a última coisa que me importava mesmo era a revolução, os cravos nas espingardas ou as gaivotas que voavam, voavam. O que eu queria e precisava mesmo era de paz, de sossego e de me “encharcar” nos afetos da minha família, da minha namorada e dos amigos verdadeiros que cá deixara. Alguns, infelizmente, já não pude abraçar, com imensa pena e desgosto, como por exemplo o meu inseparável e querido amigo Francisco Viegas que falecera inesperadamente com uma crise cardíaca, alguns meses antes. Era um daqueles amigos de confiança, mais irmão do que amigo, e não, não é por já ter morrido que digo que era muito boa pessoa. Quem o conheceu sabe de quem e do que falo ao referir-me a ele.

E as minhas irmãs? Como eu as adorava! E adoro ainda hoje. Estavam tão diferentes. A Adelina estava uma senhora. A Luz até já tinha maminhas, quem diria… Era apenas uma miudita franzina quando eu abalei pr’angola! E a Joaquina? A Caçulinha estava uma mulherzinha também… Que saudades eu tinha passado das três. Sempre fomos muitíssimo bem unidos, amigos e companheiros, quatro verdadeiros irmãos à moda antiga a conseguirem manter sempre intactos os laços de fraterno carinho.

Também a minha companheira, a paciente amiga que me atura desde esse tempo até hoje, a excelente pessoa e extremosa mãe dos nossos filhos. De 1971 até hoje e com projeto aprovado para outros tantos anos de vida em comum, não é preciso acrescentar muito mais! Está tudo dito.

Depois, os meus pais! Os meus queridos progenitores. Prometi a mim mesmo nesse tempo e parece-me ter conseguido cumprir, que jamais me afastaria deles. Na infinita solidão do Maiombe descobri quanto os amava, o quanto precisava do seu afeto e de me sentir seguro debaixo das suas protetoras asas. E não é pieguice, não. Acho que todos nós, filhos, e particularmente em momentos de sofrimento, somos assim. Corremos para o colo dos nossos pais se os temos por perto, corremos ao seu encontro no íntimo dos nossos corações se os temos longe, corremos no silêncio do impossível se já os perdemos. Mas é para lá que todos corremos sempre. Não é por acaso que nos momentos de dor profunda exclamamos: - Ai, minha Mãe!

Tanta coisa eu aprendi, em apenas 27 meses da minha vida...


José Coelho in Histórias do Cota