Aos 07 de Março de 2015 nasce este blogue que tal como o seu antecessor TocadosCoelhos pretende apenas ser um ponto de encontro e de entretenimento pautando-se sempre pelas regras da isenção, da boa educação e do civismo em geral. Sejam bem-vindos.
terça-feira, 30 de agosto de 2022
Do alto do meu reino
segunda-feira, 29 de agosto de 2022
Mai nada!
domingo, 28 de agosto de 2022
Gostei
sábado, 27 de agosto de 2022
"Visitas de médico"
sexta-feira, 26 de agosto de 2022
quarta-feira, 24 de agosto de 2022
Segredos do sol poente
terça-feira, 23 de agosto de 2022
Amar e/ou querer
- Amo-te, disse o Pequeno
Príncipe.
- Eu também te quero, disse a
rosa.
- Não é a mesma coisa, respondeu
o Pequeno Príncipe.
Querer é tomar posse de algo, de
alguém. É olhar nos outros aquilo que pode suprir as nossas necessidades
pessoais de carinho, de companheirismo.
Querer é desejar o que não é
nosso, é possuir ou desejar algo que nos preencha porque naquele momento nos
falta algo.
Amor é desejar o melhor para o
outro, mesmo que ele tenha aspirações diferentes das nossas.
Amor é permitir que a outra
pessoa seja feliz, mesmo que o caminho dela seja diferente do nosso. É um
sentimento altruísta que vem de um dom de si mesmo, é dar-se inteiramente do
seu coração.
Quando amamos, damos sem pedir
nada em troca, pelo simples e puro prazer de dar. Mas também é certo que este
dom, este dom de si mesmo, completamente altruísta, só é dado quando alguém
sabe. Só podemos amar o que sabemos, porque amar é jogar no vazio, confiar na
vida e na alma. A alma não é comprada nem vendida. E saber é saber tudo sobre
você, as suas alegrias, a sua paz, mas também sobre as suas decepções, as suas
lutas, os seus erros. Porque o amor transcende argumentos, lutas e erros, o
amor não é apenas para os momentos de alegria.
O amor é a confiança absoluta de
que, aconteça o que acontecer, estarás sempre lá. Não porque deves algo, não
por possessão egoísta, mas por estares lá, em companhia silenciosa.
Amar é saber que o tempo não vai
mudar nada, nem as suas tempestades, nem os seus invernos.
Amar é dar a alguém um lugar no
coração para ficar como pai, como mãe, como filho, ou como amigo, e saber que
no coração dele também existe um lugar para mim.
Dar amor não esgota o amor, mas
aumenta-o.
A forma de dar amor é abrir o
coração e deixar-se amar.
- Eu entendi, disse a rosa.
- Não procure entender o amor,
viva-o! Disse o Pequeno Príncipe.
Antoine de Saint-Exupéry
domingo, 21 de agosto de 2022
Queridas lembranças
Porque a vida continua
Foto Maria Coelho
19.08.2022
sexta-feira, 19 de agosto de 2022
Não se morre assim de qualquer maneira
A
semana passada deixei de comer chouriços. E presunto. E fiambre. E mortadela!
Esta semana deixei de comer queijo. “Afeta a mesma molécula das drogas duras”
dizia um estudo. Eu não quero ter nada a ver com isso, gosto muito de queijo,
mas não quero ter nada a ver com drogas, muito menos ser visto como um agarrado
ao queijo. Acabou-se com o queijo cá em casa. Também já tinha acabado com o
pão, por isso...
O mês passado deixei de beber vinho branco. Um estudo dizia que fazia mal a não sei quê. Se calhar era cancro também. Passei a beber só tinto que, dizia um estudo, ser ideal para uma série de coisas. Esta semana voltei a beber branco porque, entretanto, saiu um estudo a dizer que afinal o branco até tem propriedades que fazem bem e muito tinto é que não. Comecei a reduzir no tinto, mas, também acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.
Cortei nas azeitonas também porque um estudo dizia que têm demasiada gordura, são muito insaturadas, ou lá o que é, mas não parece nada bom.
Andava praticamente a peixe até perceber que os portugueses comem peixe a mais e são, por isso, prejudiciais ao ambiente. Eu sei que não moro no continente, mas como sou português, e ainda contam todos para o estudo, sei lá, os que estão e os que não estão, e como eu não quero ser acusado de inimigo do ambiente, ando a cortar no peixe também. Especialmente no atum que está cheio de chumbo e o bacalhau também por causa daquele estudo que saiu sobre a quantidade de sal mas, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.
Esta semana saiu um estudo a dizer que afinal o vinho em geral faz mal. Fiquei devastado. Há dois meses foram as couves roxas. Vi até um especialista na televisão dizer que não devíamos comer nada cuja cor seja roxa; “é sinal que não é para comer”, dizia. Arroz também quase não como porque engorda, quanto mais esfregado pior, e saiu um estudo a dizer que implica com uma função qualquer mais ou menos delicada. Não é a reprodutora porque acho que essa é com a soja. Dá hormonas femininas aos homens, e consequentes mamas, o raio da soja (!) e prejudica as funções todas. Não, soja nem pensar!
Leite também já há muito que me livrei dele. Foi, salvo erro, desde que saiu um estudo a dizer que o nosso corpo não está preparado para leites. Por isso, leite não. Sumos de frutas também dispenso enquanto não resolverem o problema levantado no estudo que apontava para... não sei muito bem para quê, mas apontava e não era nada excitante mas, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.
Carne vermelha, claro, também não. Ataca o coração, diz o estudo. Galinha nem sonhar porque umas estão cheias de gripe e as outras encharcadas de antibióticos. Além de que carne de galinha a mais, como dizia outro estudo, impacta com o desenvolvimento dental, o que até parecia óbvio, mas ninguém percebia, pois as galinhas não desenvolvem dentes. Cortei a galinha há muito tempo. Porco? Só a brincar. É óbvio que não há cá porco. Não chegassem as salsichas e afins ainda veio este outro estudo, ou ainda não leu? Pois então, diz que o excesso de carne de porco pode provocar uma diminuição de massa cinzenta e o aumento dos ciclos atópicos do mastoideu singular. Ninguém quer passar por isso! Você quer? Eu não, mas, também, acho que compreende, não quero morrer assim de qualquer maneira. Esqueça-se a carne de porco, pelo amor da santa!
Ah!... Já me esquecia do glúten! Glúten, também não. É que nem pensar! Durante muitos anos nem sabia que existia, mas desde que me apercebi da existência de semelhante coisa arredei tudo o que tivesse glúten. Deixa-me pouca escolha mas, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.
Ovos! Claro que também não como ovos. Primeiro porque não sou nenhum ovíparo e depois por causa das quantidades de coisas que aquele estudo que saiu a semana passada dizia. É um rol senhores, um rol de colesterol! Vão ver e admirem-se! Os ovos! Quem diria os ovos... Enfim, é a vida: ovos nem vê-los! Como a manteiga: é só gordura! Desde que acabei com o pão e com o queijo, a manteiga também, por assim dizer, deixou de fazer falta. Ainda a usava para fritar ovos mas agora também não se pode comer ovos... Pois, a manteiga, dizia o estudo, é só gordura animal e animais não devem comer a gordura uns dos outros. Pareceu-me um bom fundamento e acabei com a manteiga.
Ia fazer uma salada. Sem muito azeite, claro, porque, compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira, sem sal, naturalmente e vinagre só do orgânico, porque, compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira...
É quando recebo um email com o título “Novo Estudo Aconselha a Ingestão Moderada de Saladas e Hortaliças”.
Enchi um copo de água, filtrada, naturalmente, de garrafa de vidro e sorvi um golo ávido. Espero que não me faça mal.
Autor desconhecido que deduzo seja um Ilhéu a quem dou os parabéns e saúdo, pela magnífica ironia que soube dar a este texto!
quarta-feira, 17 de agosto de 2022
terça-feira, 16 de agosto de 2022
A gastronomia (também) é cultura
Porque sim
O Rex e a mãe-javali
Era lindo o Rex. Em casa dos meus pais, como já por aqui
afirmei, sempre houve bicharada. Cães, cabras, gatos, galinhas, patos e até
pintassilgos numa gaiola, coisa que eu sinceramente não achava graça nenhuma
porquanto entendo que os pássaros, tal como nós, foram criados para viverem felizes
em liberdade.
Muitas vezes algumas pessoas chegadas apercebendo-se da apetência da passarada para fazerem os seus ninhos nas árvores e latadas do meu quintal – na primavera passada, por exemplo, tínhamos um ninho de pintassilgo na roseira-que-trepa, outro no abrunheiro, mais um de verdelhão na latada ao lado da casa e finalmente outro de carriça na trepadeira da varanda – pediam-me para lhes “apanhar” um pintassilgo ou um verdelhão, o que sempre recusei, costumando perguntar-lhes meio a rir e meio a sério: - Também gostavas que te metessem numa gaiola?
Mas hoje quero contar-vos uma divertida história do nosso Rex. Era um cãozarrão enorme, todo negro com um pelo brilhante como verniz, nascido do cruzamento do cão labrador pisteiro do destacamento da GNR de Almada, com a cadela pastor alemão do então comandante daquela sub-unidade, o capitão Ochôa, posteriormente colocado em Nisa onde eu prestava também serviço.
A Lai, assim se chamava a cadela mãe do Rex, vinha prenha e deu à luz, algum tempo depois, uma bela ninhada de cachorros. Saíram todos da raça da mãe pastor alemão, à exceção do Rex que nasceu assim negro como uma amora madura, da raça do pai. Enquanto os outros cachorros espetavam as orelhas, o Rex tinha-as caídas. Por isso ninguém o quis, apesar de, para mim, ser de todos o mais bonito.
Como a mais ninguém interessou fiquei eu com ele para o oferecer ao meu filho Pedro que tinha na altura 9 anos – e porque o Manel já tinha a gata siamesa Princesa que lhe tinham oferecido no seu aniversário – o qual não só ficou encantado com o seu novo amigo, como lhe dedicou uma amizade sem paralelo, digna de se ver. De tal modo que, ainda hoje, mais de duas décadas depois de já não estar connosco, o Rex é recordado com frequência como um velho e querido amigo que deixou muitas saudades.
Mimado e bem tratado como o são sempre todos os animais na nossa casa, o pequeno cachorro fez-se um gigante. Enorme, dócil e lindo. E valente. Nada lhe metia medo. Corria para o mato todo arrufado assim que sentia qualquer mexida, fosse um saca-rabos, uma raposa, ou mesmo uma corpulenta vaca ou um burro. Ali não havia hesitações! Às vezes arreliava-me bastante com ele porque desatava a correr desatinado atrás de qualquer bicharoco e tanto fazia chamar por ele, como ficar calado. Muitas vezes o perdi de vista e tive que depois andar de cancho em cancho já zangado à sua procura, até que lá me aparecia o gajo com um palmo de língua de fora, esbaforido pela correria!
Até que um dia…
Tínhamos vindo morar definitivamente para a nossa Toca dos Coelhos na Beirã. Todas as tardes, assim que eu chegava de Portalegre saíamos os dois a dar grandes passeios por aí, subindo e descendo canchos a desbravar matagais até às barreiras do rio Sever, coisa que o cão não só adorava como também necessitava para desentorpecer, para dar umas valentes corridas e fazer o exercício indispensável ao seu bem-estar físico.
E foi numa dessas tardes que eu me ri até às lágrimas com o que aconteceu. Caminhávamos os dois pela “carreteira” de terra batida da Tapada dos Carvalhos de Roque quando o Rex pressentiu algo a mexer entre as giestas.
Nem pensou duas vezes.
Atirou-se de cabeça para meio do mato num furioso ladrar, capaz de comer o que quer que fosse que tivesse provocado aquela agitação, para o afugentar e perseguir como tanto o regalava! Porém, se muito depressa o perdi de vista, mais depressa o vi voltar pelo mesmo caminho aflito e a ganir apavorado à frente de uma furibunda mãe-javali que, aos sopros e grunhidos o perseguia sem medo. Atrás dela vinha uma dúzia de bacorinhos-javalis recentemente paridos, motivo pelo qual, com toda a certeza, a zelosa marrã-mamã não achara piada nenhuma à evidente ameaça que aquele cãozarrão representava para os seus meninos. Sem hesitar um segundo, contra-atacou.
E o Rex, ó abre...
Fujam da frente que atrás vem gente!
Patas para que vos quero!
Nunca tinha visto nada assim.
A mãe-javali quando encarou comigo, tacitamente recuou. Deu meia-volta com os bácoros atrás e desapareceu de novo no mato. Mas o Rex, de rabo entre as pernas, o tal matulão valentão, atiradiço e destemido, naquela tarde não mais se atreveu a descolar o focinho dos meus calcanhares, enquanto durou o resto do passeio.
E eu continuei a rir a bom rir durante o resto da tarde, rio-me ainda algumas vezes, muitos anos depois, cada vez que passo por aquele sítio e me lembro da hilariante cena.
Bons tempos. E Boas recordações.
José Coelho in Histórias do Cota
Foto: O Rex e o Pedro em 1992
Nota Explicativa:
* Em nossa casa os animais nunca viveram presos à corrente porque eu não gosto e porque temos um quintal enorme onde eles sempre puderam circular à sua vontade dia e noite. Nesta foto o Rex estava preso, porque decorriam as obras de remodelação da cozinha-fumeiro e acessos no quintal, tendo o portão que dá para a rua de manter-se aberto para os trabalhadores entrarem e saírem com os materiais de construção, das oito da manhã às cinco da tarde.
domingo, 14 de agosto de 2022
Bodas de Alabastro
sexta-feira, 12 de agosto de 2022
Alentejo - Comeres e saberes
quinta-feira, 11 de agosto de 2022
Não há volta a dar...
Sou, sempre fui, profundamente
arreigado aos afetos. Afeiçoado à família, aos amigos, vizinhos e conterrâneos,
sejam eles de freguesia, de concelho, de distrito, de província ou de nação.
Afeiçoado à minha aldeia como se ela fosse o único lugar no mundo, afeiçoado
também aos animais, às aves, ao vento, à chuva e ao sol, à infinita natureza e
a todo o seu misterioso esplendor. Afeiçoado ao mundo que me rodeia com muito
raras exceções. O berço humilde em que nasci e a família honrada à qual tive a
sorte de pertencer moldaram-me assim, razão pela qual dou graças quase todas as
noites antes de adormecer.
Sim, escrevi quase todas as noites e não todas as noites. Porque há algumas em que não me sinto motivado a agradecer por razão de qualquer coisa que me terá deixado amuado. Por exemplo se estou triste ou desiludido, cansado ou doente, irritado ou indignado. E quando isso acontece costumo amuar como uma criança – que acho nunca deixarei de ser – porque sim, e porque, ao não entender os porquês de algumas coisas, não sou obrigado a concordar com elas. Tenham as mesmas sucedido por suposto desígnio do Criador ou por outro qualquer.
Desde que me conheço tenho seguido e procurado cumprir os preceitos e comportamentos que me foram ensinados. Incansavelmente. Por isso me sinto também no direito de não aceitar ou contestar aquilo que não consigo perceber. Há muito que me esforço por compreender as respostas e sinais de tudo o que me rodeia. E também a ausência deles. Poderia descrever um cento dessas manifestações na primeira pessoa, mas seguramente muitos de vós não as iríeis entender como eu as entendi e provavelmente iríeis entender outra coisa qualquer ditada pelo vosso raciocínio. O que para mim, à luz das minhas crenças, pode ter sido um sinal, para vocês pode ser visto apenas como mera coincidência ou casualidade.
E há que respeitar todas as opiniões.
Sei, tenho plena consciência, de ser a mais imperfeita das criaturas. Mas sei também com toda a certeza que dentro das minhas humanas limitações e inúmeras imperfeições sempre tentei – e acho que conseguido – pautar cada dia da minha vida pelo caminho do bem, da honestidade, da lisura de carácter, do não fazer a ninguém aquilo que não quero que me façam a mim, conforme a formação que me foi ensinada desde tenra idade.
Daí que me desiluda e fique revoltado algumas vezes quando vejo ou sou alvo de injustiças de toda a ordem, faltas de honestidade ou de carácter, de sujos e inexplicáveis esquemas que têm como objetivo único prejudicar, denegrir, enxovalhar ou tirar proveitos indevidos. E é nessas ocasiões que não percebo e questiono zangado:
- Porquê?
- Se eu não o faço essas porcarias a ninguém, porque m'as fazem a mim?
É verdade que frequentemente todos somos postos à prova e temos que ter a capacidade de aceitar seja o que for, mesmo aquilo que nos fere e magoa. Porém, uma coisa é termos que irremediavelmente aceitar aquilo que vem, outra coisa muito diferente é sermos capazes de o entender.
E as perguntas surgem do nosso íntimo aos milhões:
- Porque há tantas coisas ruins neste mundo que se diz que Deus criou? Doenças incuráveis, guerras, atentados, refugiados, fome, sofrimento humano indescritível onde os mais atingidos são sempre os mais frágeis tais como, entre muitos outros, as mulheres, os velhos e as inocentes crianças?
- Porque há milhões de ricos a nadarem na abundância em contraste com outros tantos milhões de infelizes que nada têm, nem sequer o que comer?
- Porque existe tanta corrupção, cobardia, oportunismo, deslealdade e ganância humana?
- Porque...
- Porque... (ad infinitum)
Sofro com o declínio irreversível da minha terra porque nunca imaginei vê-la morrer primeiro que eu, sofro com este ensurdecedor e sepulcral silêncio que se foi instalando por quase todas as ruas, por cada casa vazia, mercê das políticas seguidas – e de progresso – de todos os governos das últimas décadas. Não posso fazer pela Beirã muito mais do que já fiz desde o dia em que, para começar, decidi comprar a casa dos meus pais para a ela regressar e definitivamente viver.
E não só.
Mas isso também são outros quinhentos.
Infelizmente as pessoas têm a memória curta.
Percebo hoje que tomei a decisão mais errada de toda a minha vida. Muitos Beiranenses, tal como eu, tiveram de procurar outros destinos em busca do sustento para si e para os seus. Mas naturalmente por lá foram também ficando e não mais voltaram. Cá deixaram os seus mais idosos e à medida que eles se foram finando as suas casas foram ficando desabitadas. Nem sequer a interesseira "moda" de agora se transformarem algumas delas em Alojamentos Locais, por outras palavras "mini-hotéis" turísticos que a Covid 19 impulsionou, irá trazer o desenvolvimento que definitivamente se perdeu. Tal como todas as outras modas, também esta vai ter prazo curto.
É só uma questão de tempo.
As pragas ruins são normalmente irreversíveis. E não há cura científica para esta variante de cancro que se chama "desertificação" e se propaga por toda a Freguesia da Beirã, prossegue por todo o Concelho de Marvão, continua por todo o Distrito de Portalegre, segue depois pelo Alto e Baixo Alentejo e contamina todo o interior de Portugal de Bragança a Vila Real de Santo António perante a mortífera indiferença dos sucessivos governos que só se preocupam com o bem-estar de quem habita as grandes metrópoles eleitorais.
Porque é lá que se ganham votos.
Cancro. Disse bem. E maligno. Incurável como aquele que levou o querido Amigo e Pároco Luís Ribeiro, uma perda tão inesperada para mim e para todos os seus paroquianos que passados alguns anos ainda não a consegui digerir nem aceitar. Com ele se foi também a Paróquia de Nossa Senhora do Carmo que desde então tem vindo a extinguir-se lentamente. Por isso e por muito mais, tudo aquilo que planeei noutro tempo para a minha reforma e velhice, a qual imaginava muito tranquila e feliz nesta aldeia linda, ficou sem efeito. Vivo hoje um dia de cada vez sem acreditar já em nada, sem esperar também muito mais do que aquilo que me rodeia e entristece. Até mesmo a vigorosa fé que sempre foi a minha principal fonte de força, já perdi.
E aos poucos vou desistindo, deixando cair os braços.
Não há volta a dar.
José Coelho
quarta-feira, 10 de agosto de 2022
Não é Alentejano quem quer
Palavra mágica que começa no
Além e termina no Tejo, o rio da portugalidade. O rio que divide e une Portugal
e que à semelhança do Homem Português, fugiu de Espanha à procura do mar.
O Alentejo molda o carácter de um
homem. A solidão e a quietude da planície dão-lhe a espiritualidade, a
tranquilidade e a paciência do monge; as amplitudes térmicas e a agressividade
da charneca dão-lhe a resistência física, a rusticidade, a coragem e o
temperamento do guerreiro. Não é alentejano quem quer. Ser alentejano não é um
dote, é um dom. Não se nasce alentejano, é-se alentejano.
Portugal nasceu no Norte mas foi no
Alentejo que se fez Homem. Guimarães é o berço da Nacionalidade, Évora é o
berço do Império Português. Não foi por acaso que D. João II se teve de
refugiar em Évora para descobrir a Índia. No meio das montanhas e das serras um
homem tem as vistas curtas; só no coração do Alentejo, um homem consegue ver ao
longe.
Mas foi preciso Bartolomeu Dias regressar
ao reino depois de dobrar o Cabo das Tormentas, sem conseguir chegar à Índia
para D. João II perceber que só o costado de um alentejano conseguia suportar
com o peso de um empreendimento daquele vulto. Aquilo que para o homem comum
fica muito longe, para um alentejano fica já ali. Para um alentejano não há
longe, nem distância porque só um alentejano percebe intuitivamente que a vida
não é uma corrida de velocidade, mas uma corrida de resistência onde a
tartaruga leva sempre a melhor sobre a lebre.
Foi, por esta razão, que D. Manuel decidiu
entregar a chefia da armada decisiva a Vasco da Gama. Mais de dois anos no
mar... E, quando regressou, ao perguntar-lhe se a Índia era longe, Vasco da
Gama respondeu: «Não, é já ali.». O fim do mundo, afinal, ficava ao virar da
esquina.
Para um alentejano, o caminho faz-se
caminhando e só é longe o sítio onde não se chega sem parar de andar. E Vasco
da Gama limitou-se a continuar a andar onde Bartolomeu Dias tinha parado. O
problema de Portugal é precisamente este: muitos Bartolomeu Dias e poucos Vasco
da Gama. Demasiada gente que não consegue terminar o que começa, que desiste
quando a glória está perto e o mais difícil já foi feito. Ou seja, muitos
portugueses e poucos alentejanos.
D. Nuno Álvares Pereira, aliás, já tinha
percebido isso. Caso contrário, não teria partido tão confiante para
Aljubarrota. D. Nuno sabia bem que uma batalha não se decide pela quantidade
mas pela qualidade dos combatentes. É certo que o Rei de Castela contava com um
poderoso exército composto por espanhóis e portugueses, mas o Mestre de Avis
tinha a vantagem de contar com meia-dúzia de alentejanos. Não se estranha,
assim, a resposta de D. Nuno aos seus irmãos, quando o tentaram convencer a
mudar de campo com o argumento da desproporção numérica: «Vocês são muitos? O
que é que isso interessa se os alentejanos estão do nosso lado?»
Mas os alentejanos não servem só as grandes
causas, nem servem só para as grandes guerras. Não há como um alentejano para
desfrutar plenamente dos mais simples prazeres da vida. Por isso, se diz que
Deus fez a mulher para ser a companheira do homem. Mas, depois, teve de fazer
os alentejanos para que as mulheres também tivessem algum prazer. Na cama e na
mesa, um alentejano nunca tem pressa. Daí a resposta de Eva a Adão quando este,
intrigado, lhe perguntou o que é que o alentejano tinha que ele não tinha: «Tem
tempo e tu tens pressa.» Quem anda sempre a correr, não chega a lado nenhum. E
muito menos ao coração de uma mulher. Andar a correr é um problema que os alentejanos,
graças a Deus, não têm. Até porque os alentejanos e o Alentejo foram feitos ao
sétimo dia, precisamente o dia que Deus tirou para descansar.
E até nas anedotas, os alentejanos revelam
a sua superioridade humana e intelectual. Os brancos contam anedotas dos
pretos, os brasileiros dos portugueses, os franceses dos argelinos... só os
alentejanos contam e inventam anedotas sobre si próprios. E divertem-se imenso
ao mesmo tempo que servem de espelho a quem as ouve.
Mas para que uma pessoa se ria de si
própria não basta ser ridícula porque ridículos todos somos. É necessário ter
sentido de humor. Só que isso é um extra só disponível nos seres humanos topo
de gama.
Não se confunda, no entanto, sentido de
humor com alarvice. O sentido de humor é um dom da inteligência; a alarvice é o
tique da gente bronca e mesquinha. Enquanto o alarve se diverte com as
desgraças alheias, quem tem sentido de humor ri-se de si próprio. Não há maior
honra do que ser objeto de uma boa gargalhada. O sentido de humor humaniza as
pessoas, enquanto a alarvice diminui-as. Se Hitler e Estaline se rissem de si
próprios, nunca teriam sido as bestas que foram.
E as anedotas alentejanas são autênticas
pérolas de humor: curtas, incisivas, inteligentes e desconcertantes, revelando
um sentido de observação, um sentido crítico e um poder de síntese notáveis.
Não resisto a contar a minha anedota
preferida. Num dia em que chovia muito, o revisor do comboio entrou numa
carruagem onde só havia um passageiro. Por sinal, um alentejano que estava todo
molhado, em virtude de estar sentado num lugar junto a uma janela aberta. «Ó
amigo, porque é que não fecha a janela?», perguntou-lhe o revisor.
«Isso queria eu, mas a janela está
estragada.», respondeu o alentejano. «Então porque é que não troca de lugar?»
«Eu trocar, trocava... Mas com quem?»
Como bom alentejano que me prezo de ser,
deixei o melhor para o fim. O Alentejo, como todos sabemos, é o único sítio do
mundo onde não é castigo uma pessoa ficar a pão e água. Água é aquilo por que
qualquer alentejano anseia. E o pão... Mas há melhor iguaria do que o pão
alentejano? O pão alentejano come-se com tudo e com nada. É aperitivo, refeição
e sobremesa. E é o único pão do mundo que não tem pressa de ser comido. É tão
bom no primeiro dia como no dia seguinte ou no fim da semana. Só quem come o
pão alentejano está habilitado para entender o mistério da fé. Comê-lo faz-nos
subir ao Céu!
É por tudo isto que, sempre que passeio
pela charneca numa noite quente de verão ou sinto no rosto o frio cortante das
manhãs de Inverno, dou graças a Deus por ser alentejano. Que maior bênção
poderia um homem almejar?
Vou mas éi comer a açorda que
tenho mais que fazer.
João Mário Caldeira - Professor de História