Familiares e Amigos mineiros que vieram ao nosso casamento.
(Quatro deles já não estão entre nós)
"Naquele
tempo as Minas da Panasqueira pareciam ser no fim do mundo. Tinha que ir de
autocarro da Beirã até Portalegre. Ali mudava para outro que ia para Nisa. Em
Nisa mudava para outro que ia para Castelo Branco. Em Castelo Branco apanhava o
comboio até ao Fundão. No Fundão tinha que esperar pelo autocarro de São Jorge
da Beira que fazia todas aquelas aldeias e passava na Barroca Grande onde está
sediada a empresa mineira inglesa Beralt Tin & Wolfram que suponho ainda
hoje detém aquela exploração mineira, ainda que mais reduzida.
Eram
dez horas de viagem e uma pessoa chegava lá mais moído do que carne picada. Mas
valeu a pena. E como valeu! Foi o lugar onde mais gostei de estar em toda a
minha vida. As pessoas eram simplesmente fabulosas. O primo João Gaspar, a esposa
Maria José e os seus dois rapazes, o António e o Zé Manel. O primo Antero, a
esposa e as filhas. O José Mouro e toda a sua família. E muitos outros. Marvanenses
dos quatro costados, gente de bem e profundamente solidária que me receberam e
acarinharam como se de um filho deles se tratasse. Há coisas que nunca mais se esquecem
na vida e favores que jamais conseguiremos retribuir por mais anos que vivamos.
Bem
se diz que na sua terra ninguém é profeta. Lá tão longe fui acolhido de braços
abertos por pessoas sumamente generosas e solidárias. Algumas eram da minha família
sim, mas outras, apesar de serem conterrâneas, nunca as tinha conhecido na minha
vida. De tal modo foi gratificante aquela radical mudança no meu dia-a-dia que
mais uma vez senti no mais profundo do meu íntimo que Deus estava de novo a
escrever direito por linhas tortas.
O
trabalho era algo duro e arriscado. Mas esse pormenor era irrelevante perante todo
um cenário que me trazia tudo quanto eu mais necessitava. Estabilidade.
Trabalho certo e bem remunerado, um vencimento mensal três vezes superior
àquele que se praticava no concelho de Marvão, amizade, camaradagem, solidariedade.
Vivia plenamente feliz cada dia. Os mineiros eram uma enorme e imensa família.
E eu senti-me como se lá tivesse vivido sempre. Nunca mais na minha vida senti
tamanha ventura e tão íntimo bem-estar. Foi onde aprendi alguns novos valores humanos que são infinitamente mais valiosos e importantes do que todo o dinheiro do mundo.
Naquele
início de 1975 éramos mais de dois mil os trabalhadores da Beralt. Os mineiros
que trabalhávamos no interior da terra, os operários da lavaria – mecanismo de
lavagem dos minérios à boca da mina – os camionistas e maquinistas exteriores, os funcionários dos escritórios, do hospital particular da
empresa, do clube de recreio e de toda a panóplia no apoio logístico que à
época era um autêntico luxo, tendo em conta a precaridade de condições existentes
noutra qualquer empresa nacional desse tempo. Os ingleses não brincavam em
serviço e cuidavam primorosamente do bem-estar de todos os seus funcionários,
desde o administrador da empresa até às senhoras da limpeza.
A
mina e a lavaria laboravam 24 sobre 24 horas em 3 turnos rotativos de 8 horas.
E todos fazíamos os 3 turnos à semana. Um das zero às oito da manhã, outro das
oito às dezasseis e outro das dezasseis às zero. Nas encostas envolventes da
Barroca Grande tinham sido construídos um moderno hospital, uma igreja, uma
escola, um clube recreativo, um campo de futebol e um ringue de patinagem, além
de vários e excelentes bairros habitacionais onde residiam mais de quinhentas
famílias dos mineiros.
No vale adjacente foram implantados um refeitório
self-service e quatro imensos dormitórios, cada um com vinte quartos, cada
quarto com capacidade para quatro mineiros devidamente equipados com aquecimento
central e instalações sanitárias individuais com duche de água quente para
acomodar os mineiros que como eu lá não tinham a sua família mas usufruíam na
mesma maneira de todas as comodidades..."
José
Coelho
in Histórias do Cota