segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Excertos...


Familiares e Amigos mineiros que vieram ao nosso casamento.
(Quatro deles já não estão entre nós)


"Naquele tempo as Minas da Panasqueira pareciam ser no fim do mundo. Tinha que ir de autocarro da Beirã até Portalegre. Ali mudava para outro que ia para Nisa. Em Nisa mudava para outro que ia para Castelo Branco. Em Castelo Branco apanhava o comboio até ao Fundão. No Fundão tinha que esperar pelo autocarro de São Jorge da Beira que fazia todas aquelas aldeias e passava na Barroca Grande onde está sediada a empresa mineira inglesa Beralt Tin & Wolfram que suponho ainda hoje detém aquela exploração mineira, ainda que mais reduzida.

Eram dez horas de viagem e uma pessoa chegava lá mais moído do que carne picada. Mas valeu a pena. E como valeu! Foi o lugar onde mais gostei de estar em toda a minha vida. As pessoas eram simplesmente fabulosas. O primo João Gaspar, a esposa Maria José e os seus dois rapazes, o António e o Zé Manel. O primo Antero, a esposa e as filhas. O José Mouro e toda a sua família. E muitos outros. Marvanenses dos quatro costados, gente de bem e profundamente solidária que me receberam e acarinharam como se de um filho deles se tratasse. Há coisas que nunca mais se esquecem na vida e favores que jamais conseguiremos retribuir por mais anos que vivamos.

Bem se diz que na sua terra ninguém é profeta. Lá tão longe fui acolhido de braços abertos por pessoas sumamente generosas e solidárias. Algumas eram da minha família sim, mas outras, apesar de serem conterrâneas, nunca as tinha conhecido na minha vida. De tal modo foi gratificante aquela radical mudança no meu dia-a-dia que mais uma vez senti no mais profundo do meu íntimo que Deus estava de novo a escrever direito por linhas tortas.

O trabalho era algo duro e arriscado. Mas esse pormenor era irrelevante perante todo um cenário que me trazia tudo quanto eu mais necessitava. Estabilidade. Trabalho certo e bem remunerado, um vencimento mensal três vezes superior àquele que se praticava no concelho de Marvão, amizade, camaradagem, solidariedade. Vivia plenamente feliz cada dia. Os mineiros eram uma enorme e imensa família. E eu senti-me como se lá tivesse vivido sempre. Nunca mais na minha vida senti tamanha ventura e tão íntimo bem-estar. Foi onde aprendi alguns novos valores humanos que são infinitamente mais valiosos e importantes do que todo o dinheiro do mundo.

Naquele início de 1975 éramos mais de dois mil os trabalhadores da Beralt. Os mineiros que trabalhávamos no interior da terra, os operários da lavaria – mecanismo de lavagem dos minérios à boca da mina – os camionistas e maquinistas exteriores, os funcionários dos escritórios, do hospital particular da empresa, do clube de recreio e de toda a panóplia no apoio logístico que à época era um autêntico luxo, tendo em conta a precaridade de condições existentes noutra qualquer empresa nacional desse tempo. Os ingleses não brincavam em serviço e cuidavam primorosamente do bem-estar de todos os seus funcionários, desde o administrador da empresa até às senhoras da limpeza.

A mina e a lavaria laboravam 24 sobre 24 horas em 3 turnos rotativos de 8 horas. E todos fazíamos os 3 turnos à semana. Um das zero às oito da manhã, outro das oito às dezasseis e outro das dezasseis às zero. Nas encostas envolventes da Barroca Grande tinham sido construídos um moderno hospital, uma igreja, uma escola, um clube recreativo, um campo de futebol e um ringue de patinagem, além de vários e excelentes bairros habitacionais onde residiam mais de quinhentas famílias dos mineiros. 

No vale adjacente foram implantados um refeitório self-service e quatro imensos dormitórios, cada um com vinte quartos, cada quarto com capacidade para quatro mineiros devidamente equipados com aquecimento central e instalações sanitárias individuais com duche de água quente para acomodar os mineiros que como eu lá não tinham a sua família mas usufruíam na mesma maneira de todas as comodidades..."

José Coelho 
in Histórias do Cota