Gosto de animais. Talvez porque em casa dos meus pais sempre houve cães, gatos, galinhas, pombos e patos, enfim, bicharada doméstica. Gosto tanto deles que não consigo matar uma galinha ou um coelho para consumo de casa. Tive de acabar com o galinheiro, o pombal e as coelheiras, porque me afeiçoava a tudo, depois era um problema para os abater. Enquanto a Senhora minha Mãe tomou conta dessa parte a coisa resultava, mas tive de me deixar disso quando a retinopatia diabética cegou por completo a tia Florinda, passando a comprar tudo no talho para me livrar desses sarilhos.
Vem mesmo a propósito de mais uma das minhas histórias de gaiato. Aconteceu numas férias escolares que fui passar com os meus primos a Espanha.
Os meus pais estiveram dois anos nas Amendoeiras numa Casa Agrícola das margens do rio Sever, porque contrataram “a meias” com o dono da terra a sua várzea de vários hectares para o plantio em grande escala de pimentões destinados uns à indústria de conservas de Santo António das Areias para produção de pickles ou de massa de pimentão, outros para secagem nas estufas a lenha chamadas “secadeiros” para posteriormente serem moídos nas duas fábricas da Herdade do Pereiro e transformados no famoso pimentão “Flor do Pereiro” de que muita gente ainda se recordará.
O dono das Amendoeiras dava moradia para todos nós, terreno, plantas e fertilizantes, enquanto os meus pais e dois dos meus tios, a Maria José Meia com o marido Joaquim Lourenço, um dos irmãos da minha mãe, e ainda o tal primo Raimundo espanhol que foi contratado pelo meu pai, faziam o resto. Lavravam, semeavam, plantavam, regavam, sachavam, colhiam e carregavam as toneladas de pimentos que iam sendo transportados diariamente na carroça do monte para as já referidas indústrias da Firma João Nunes Sequeira, Lda.
Do outro lado do rio fica a Espanha onde se situa a “Finca de las Gagas” na qual vivia com a família o tio Joaquin de la Concepcion, irmão mais novo do meu avô Zé e guardador de um rebanho de “centenares” – como ele dizia – de cabras. Tinha quatro filhos. A mais velha, a Maria que vive hoje no País Basco, seguida do Raimundo que mais tarde rumou às Astúrias onde casou e vive ainda, assim como outros dois rapazes pouco mais velhos do que eu, o Joaquin e o Antonio, que faleceram recente e precocemente vítimas de doenças fatais.
E eu ia para lá passar as férias escolares com eles, sempre que me deixavam ir.
Lembro-me, como se fosse hoje, daquele enorme sôcho com cobertura de piorno e xara, que fazia de cozinha e de sala de jantar, onde comíamos castanhas secas cozidas em leite de cabra e que eram uma perfeita delícia. E de um outro socho um pouco mais pequeno, onde dormíamos. Felicidade das felicidades, o meu tio e primos espanhóis tinham uma panóplia de animais selvagens amestrados que vinham comer à nossa mão e faziam parte da família! Recordo alguns como cegonha que se chamava Adriana, o corvo que se chamava Vicente, o mocho que se chamava Carrilho e não sei quantos gatos e cães, mais algumas rolas bravas que pousavam mansamente sobre os nossos ombros, para além das cabras e cabritos aos montes.
Para mim, tudo aquilo era um perfeito paraíso.
E foi num certo dia quando me preparava para regressar a casa no fim de mais umas dessas férias, que o meu tio Joaquin, por ver o meu grande afeto pela bicharada, foi buscar uma rolinha nova que ainda quase nem voava e me a ofereceu dizendo:
- Toma Jose! Levala contigo e dáte bien cuenta de ella...
Louco de felicidade agarrei a tenra avezinha e apertei-a contra o peito dando pulos de alegria. Em seguida fui a correr mostrá-la ao meu primo Raimundo que tinha lá ido buscar-me para o regresso a casa, exclamando no meu portunhol:
- Mira, mira, que rolita tan bonita que me dió tu padre!
Eis senão quando, de repente, a cabecita da rola tombou inerte. Estava morta. De tanta alegria e felicidade apertei com tanto carinho a pobre ave que a sufoquei. Escusado seria dizer que passei todo o caminho até às Amendoeiras num pranto desconsolado, enquanto o Raimundo se ria a bandeiras despregadas e repetia gozão:
- Oooohhh! Mira que rolita tan bonita…
Como diz o ditado, tanto bem quer o diabo à mãe, que lhe tira os olhos. Foi o que sucedeu comigo!
Coitadita da rola…
José Coelho
in Histórias do Cota