sábado, 5 de novembro de 2022

Parabéns, Pai

Em memória de António Maria Coelho 
* 05.11.1910 - 23.01.1994 *

O Regresso a Casa

Saímos eu e a minha Mãe do RAL 1 para irmos ter com os tios Ciro e Maria d’Alegria – irmã e cunhado do meu pai – que nos aguardavam em sua casa na Rua das Escolas Gerais no Bairro de Alfama para jantarmos e descansarmos porque só poderíamos rumar à Beirã no dia seguinte no comboio Expresso TER que ligava Lisboa a Madrid e saía de Santa Apolónia todos os dias às oito e dez da manhã.

Continuava naturalmente ansioso por abraçar o resto da Família, particularmente o meu querido Pai e as minhas três Irmãs, assim como, evidentemente, a Namorada que hoje é a Mãe dos meus Filhos, para além dos meus Avós, Tios, Primos, Vizinhos e toda uma legião de Amizades.

O elegante comboio azul TER chegou por fim à estação de Castelo de Vide, a penúltima antes da Beirã, faltava um quarto para as onze. A paisagem tão querida e tão familiar começou a desenrolar-se diante dos meus extasiados olhos. Que delícia! Que saudades eu tivera das minhas pedras, dos meus sobreiros e giestas, daquele aroma cálido e perfumado dos fenos e restolhos a secarem ao sol com o aproximar do verão, longe daquele húmido e interminável verde da floresta do Maiombe. Parecia ainda quase um sonho! Mas ali estava Castelo de Vide de um lado da linha e do outro os canchais pontilhados de carvalhos, sobreiros, oliveiras, hortas e casas brancas aqui e além.

Era mesmo verdade. Viajava no comboio que me levava finalmente para casa, para junto de todos os entes queridos, sem aquele habitual aperto no peito causado pela expectativa de poder haver qualquer indesejável surpresa na viagem, a qualquer instante. Tudo isso ficara definitivamente para trás. Passámos a Ponte das Águas e mais à frente avistei o Monte da Broca com a grande e sempre tão bem cuidada horta do meu Pai.

Ufff…

Ainda hoje me arrepio com a recordação!

Logo a seguir, o campo da bola e a passagem de nível do Penedo da Rainha, que antecedem em uma centena de metros, a Beirã. E lá vinha ele apressado, quase a correr pela estrada a chegar à passagem de nível. O meu Pai! E a porra da janela do TER que não abria! O comboio era climatizado por isso as janelas eram de vidros duplos fixos, como as dos aviões. Fiz-lhe adeus. Ele viu-me, conheceu-me imediatamente e fez-me também adeus. Depois de tanto tempo. Depois de ter temido tantas vezes não voltar a vê-lo.

Finalmente a estação da Beirã e uma dúzia de braços abertos a correrem para mim. Gritos de felicidade, risos, lágrimas, beijos e apertados abraços. Manas, tias, primos, vizinhos, amigos. Tanta gente à minha espera. Só faltava a namorada, porque a essa hora estava a trabalhar na Celtex – Indústrias de Borracha Lda em Santo António das Areias e nesse tempo não se podiam dar faltas ao trabalho a não ser por doença.

Subi a Rua Fernando Namora rodeado de toda aquela gente e assim que passei a casa da vizinha Joaquina Padeirinha, vi-o logo. De pé em frente à porta da nossa casa, ofegante pela correria desde a horta e com as lágrimas a correrem-lhe pela cara abaixo, lá estava, à minha espera, o meu maior Amigo, o meu querido Pai.

Corremos um para o outro e abraçámo-nos com todas as nossas forças, chorando como duas madalenas arrependidas, como se temêssemos que aquele abraço fosse ainda apenas mais um sonho.

- Até que enfim te tenho em casa, filho! Murmurou, num profundo soluço.

Decididamente, há momentos que valem por uma vida inteira…

José Coelho in Histórias do Cota