quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Histórias do Cota que o livro não conta...

Fim do verão de 1985 na minha primeira cerimónia pública em Nisa. No canto superior direito o Dr Miranda Calha e Dr Casal Ribeiro, Secretário de Estado do Desporto um, Governador Civil o outro.


Quando cheguei a Nisa cedo me apercebi que as relações entre a Guarda e as restantes autoridades civis do concelho eram de um quase confronto e oposição mútuos. Os eleitos municipais eram liderados pela CDU, a coligação comunista que o meu antecessor tanto odiava e hostilizava. Não havia por isso diálogo nem aquela colaboração e respeito institucional que são normais entre todas as entidades públicas de qualquer concelho, seja qual for a cor política dos seus eleitos.

Não cabe à Guarda, nunca coube em tempo algum, hostilizar seja que entidade for, muito pelo contrário. Descobri ali assim, casualmente, que aquele “ódio” que o meu ilustre camarada sargento me devotara no alistamento e pelo qual tanto me infernizara a vida, era exactamente o mesmo que devotava ao presidente da câmara de Nisa desse tempo  - 1985 - assim como à maior parte dos Nisenses, porque, pública e manifestamente votavam na CDU, concedendo-lhe sucessivas vitorias em também sucessivos actos eleitorais. 

Como se este não fosse já um problema enorme, dei-me conta que com as outras entidades civis infelizmente as coisas não estavam mais famosas em termos de relacionamento com o efectivo do posto local. Olhavam para nós de lado, com pouca simpatia e ainda menos espírito colaborante.

Longe de me deixar intimidar com o panorama tão pouco animador, senti-me interiormente incentivado a mudar aquele estado de coisas até onde me fosse possível, ainda que com plena consciência que ia cutucar um ninho de vespas que tentariam ferrar-me pela ousadia. Sem nada dizer a ninguém porque sabia de antemão que não iria encontrar apoio interno por parte de quem deixara abandalhar aquilo tudo ao ponto em que se encontrava, tomei várias iniciativas que me pareciam prioritárias.

A primeira foi redigir um ofício timbrado e endereçá-lo a todas as entidades locais. Presidente da Câmara Municipal, Juiz de Direito da Comarca, Delegado do Ministério Público, Chefe da Secretaria do Tribunal, Chefe do Serviço de Finanças, Delegado de Saúde, Gerentes das entidades bancárias, Bombeiros Voluntários e demais entidades públicas, a todos me identificando como o novo comandante do posto de Nisa e solicitando autorização para pessoalmente me ir apresentar a todos eles e cumprimentar cada um dando-me a conhecer, ao mesmo tempo que manifestava a minha total disponibilidade para uma estreita colaboração institucional dali em diante.

Foi uma pedrada no charco! E um sucesso inesperado com o qual nem eu próprio contava. Umas atrás das outras, todas as entidades me responderam quase no imediato manifestamente agradadas com a minha atitude e abrindo as portas dos seus gabinetes para me receberem e conhecerem quando eu quisesse. Parecia que toda a gente queria restabelecer aquilo que nunca deveria ter sido quebrado e posto em causa.

E lá fui eu visitá-los a todos, à vez. Sem subserviência, sem nunca deixar de evidenciar o prestígio da minha mui nobre instituição, a todos me apresentei com humildade mas também com a dignidade que o meu novo cargo exigia. E de todos recebi palavras amigas de incentivo e de boa amizade, em simultâneo com felicitações pela iniciativa, seguidas sempre de um veemente "conte connosco”.

O primeiro e mais importante passo estava assim dado. Mas muito mais havia para fazer e obviamente não cruzei os braços nem me deixei adormecer à sombra dos elogios…


José Coelho in Histórias do Cota
Obs: Esta narrativa não está publicada no livro