segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Faz-me o vento companhia...

Foto by José Coelho

Hoje vou escrever sobre ele. Um amigo que nunca vi mas conheço de toda a vida e de quem gosto bastante, pese embora às vezes seja mais agressivo do que a conta. Ainda assim, nem sempre pacífico nem sempre agreste, esteve sempre presente na minha vida, sempre nos demos bem e sempre gostei de o ouvir, principalmente nas noites de invernia a uivar zangado pelas frinchas de portas e janelas. O sinistro assobiar nunca me meteu medo. Pelo contrário. Fazia com que me sentisse ainda mais protegido, quentinho e aconchegado debaixo dos cobertores.

Sentados à lareira a ouvi-lo no cimo da chaminé, isso então, era a glória bendita. O crepitar da lenha no lume era indiferente ao furor com que ele embatia lá em cima nas tijoleiras e não perturbava minimamente o conforto da família instalada cá em baixo em seu redor. Pelo contrário, fazia-nos sentir seguros e abrigados. Hoje, a muitas décadas de distância, rodeado de conforto e mordomias, sinto saudades infinitas da importância que nesse tempo tinham estas coisas tão básicas e singelas.

À medida que fui crescendo e fui tomando rumo, tive também que ir aprendendo a lidar com ele em toda e qualquer circunstância sem nunca me deixar vencer. Fazer um lume para me aquecer ao relento em dias húmidos e frios sem ter que gastar a caixa de fósforos inteira, era uma odisseia. Mas aprendi como. Acender um lume no pico do verão para cozer o almoço no meio do restolho sem deitar fogo à tapada, era outra arte e prestígio. E nesse tempo não havia fogos assassinos de pessoas nem do ambiente.

Mais tarde aprendi segredos que ele nunca descobriu, como, por exemplo, porque consegue derrubar quase tudo, menos as sóchas. Ah pois… Leva telhas, leva coberturas inteiras, mas as sóchas ficam sempre de pé, impávidas e serenas, seja qual for a sua fúria. A forma cónica daqueles chapéus não permite que ele as agarre por onde quer, por isso, enrola-se à volta do cone, acaba por perder a impetuosidade e continua o seu caminho sem sequer as fazer tremer. O Homem, obviamente, estudou formas de o enganar e de se proteger do seu mau humor. E como ele de física e matemática nada entende…

Já homem feito, aprendi a procurá-lo nos dias menos bons, porque o seu murmúrio ao tocar nas folhas e nos ramos das árvores, acalma quase sempre a minha tristeza ou inquietação. De igual modo aprendi que não há nada mais belo e repousante do que subir a um monte, deitar-mo-nos de costas sobre o mato ou sobre uma pedra e olhar as brancas nuvens de algodão que viajam pelo infinito azul, levadas por ele.

É meu amigo e a minha mais velha companhia. Gosto dele. Respeito-o e ele respeita-me a mim. Se vejo que vem zangado, abrigo-me sem temor. Se, ao contrário, sinto que vem tranquilo, em forma de brisa, deixo que me afague o rosto e me refresque a alma. É que às vezes, para curar qualquer desassossego, por maior que seja, basta ficarmos em silêncio, procurar um sítio tranquilo e ouvir o seu sussurro benfazejo, bem mais eficaz que uma caixa inteira de xanax...

José Coelho, 01.10.18