Foto de José Coelho
27.10.2018 - 19,05 h
27.10.2018 - 19,05 h
Fiz esta imagem com o meu telemóvel no final da missa vespertina do 30º Domingo do Tempo Comum. Desde Setembro de 2016 que assim é. A escassez de sacerdotes e provavelmente também por sermos uma comunidade em vias de extinção que já quase nunca enche o templo, fez com que fosse decidido por quem de direito que a missa de domingo que se celebrava desde que a igreja foi construída há mais de 70 anos até esse mês de Setembro, passasse a ser celebrada às 18 horas de cada sábado.
Sinais dos tempos. Continuo a ir, é claro. O que não tem remédio, remediado está. Mas não fui nem um só sábado alegre e feliz. Levo sempre o coração triste. Cortar pela raiz um hábito que fazia parte da minha vida desde sempre, doeu. Dói ainda. Provavelmente doerá sempre. Ando de volta desta Senhora desde os meus 6 anos de idade. Desde que me conheço que nutro por ela um amor infinito, uma fé inabalável, uma devoção total. A Ela e ao Divino Filho que tem ao colo e habita no Sacrário que está sob os Seus pés, na forma de partículas consagradas.
Não sei quantas imagens d'Ela publiquei já. Sei que foram muitas e que todas foram imediatamente vistas pelos muitos Beiranenses que vivem um pouco por toda a parte. É também a pensar neles que o faço, para que nunca se esqueçam d'Ela. Há uma mística inexplicável de profundo amor a esta Senhora no coração de quem aqui nasceu e cresceu, ainda que muitos possam nem sequer frequentar já a igreja como frequentaram aqui. Algo ficou gravado na memória, no coração, na saudade, no que quer que seja, algo que não se apaga nem com a ausência nem com a distância.
Mas o mais complexo dessa inexplicável mística é que não só quem nasceu Beiranense ficou agarrado à Beirã, à Senhora do Carmo, a estes usos, costumes, gentes e lugar. Houve quem por cá passou e permaneceu pouco tempo, outros alguns anos, outros ainda algumas décadas, mas todos, todos, levaram a Beirã no coração para sempre. Provavelmente acontecerá o mesmo noutros lugares, não sei. Eu nasci aqui, moro (ainda) cá, faço o que posso para manter viva a memória de tudo isto, apesar de cada dia, cada semana, cada mês e ano que passa, mais se torne visível o despovoamento da aldeia e o consequente silêncio que vai tomando conta das ruas.
Naturalmente, a afluência à igreja é consonante com a afluência de gente nas ruas e nas casas. Pouca. Daí a não merecermos (digo eu) ter missa ao domingo como as comunidades maiores ainda têm. Jesus bem disse que "onde estiverem reunidos em Meu Nome dois ou três, Eu estarei no meio deles" mas se calhar (digo eu) não previu que iria haver uma União Europeia que iria concentrar tudo nas cidades do litoral despovoando o interior e que também deixaria de haver pastores suficientes para os Seus rebanhos de fiéis como está a acontecer. Já cheguei a pensar que a Beirã ia morrer diante os meus olhos e primeiro que eu, mas à velocidade a que vejo as pessoas a desaparecerem à minha volta, acho que qualquer dia me vai tocar a mim também e Deus queira que sim.
Para terminar, a propósito disso, tenho uma vizinha amorosa já velhinha que me viu nascer e adoro, a qual uma vez me disse algo que nunca mais esqueci. Foi num dia em que a vi andar a regar as suas laranjeiras (e são muitas) indo buscar a água ao chafariz público do outro lado da rua com dois pequenos baldes que não levariam mais de cinco litros cada um. Eram o que a sua força lhe permitia para assim mitigar a sede do seu querido pomar. Despejava dois baldes em cada laranjeira. E explicou-me, em poucas palavras, com duas lágrimas furtivas nos seus doces olhos, porque é que se dava a tanto trabalho: - Não quero que elas morram primeiro que eu...
Apesar do estado avançado de abandono em que se encontra já a minha Beirã, principalmente do lado de cá da linha, eu também não quero que ela morra primeiro que eu. Já me chega o barulho ensurdecedor do silêncio que campeia pela Rua Fernando Namora e por todas as outras adjacentes.
José Coelho, 27Out'18