As duas meninas a quem ofereci um dia o meu almoço
Angola é linda. Um sonho de terra. Conheci as cidades de Luanda e Cabinda, depois as
vilas do Caxito, Ambriz e Ambrizete. Independentemente da guerra e das suas
vicissitudes, África é um continente maravilhoso. O próprio Maiombe no exotismo
da sua diversificada fauna e luxuriante vegetação tem recantos de sonho.
A fauna nele existente é muito rica. Abundam as grandes jibóias e muitas outras cobras mais
pequenas mais ou menos venenosas mas todas elas vistosas, elefantes, pacaças, gorilas
e uma infinidade de raças de outros macacos também de diversos tamanhos, o mais
pequeno dos quais é o saguí, além de milhares de outros animais e aves exóticas.
E nos rios que por ele serpenteiam, abundavam ainda os crocodilos.
Também
os seus habitantes não são como os caricaturavam muitas vezes. São boa gente.
Conversávamos com eles pelas sanzalas principalmente com os mais idosos
que eram iguais aos anciãos das nossas terras, conselheiros sábios, prudentes e
experientes. As mulheres meigas e afáveis como as nossas, as crianças
irrequietas e curiosas, também.
Ali nós é que éramos os estranhos, os estrangeiros
na sua terra, apesar de na instrução militar nos terem feito a lavagem ao
cérebro para nos convencerem a vermos em cada um deles um “turra”, um inimigo
perigoso. Nos cenários de guerra há, sempre houve e sempre haverá infiltrados,
obviamente. Porque, tentar conhecer as fraquezas do lado oposto é uma das regras do
jogo, estrategicamente utilizada pelas partes em conflito.
Apesar de tudo isso, convivendo
de perto no dia a dia com a população, percebia-se perfeitamente que a
esmagadora maioria queriam apenas viver a sua vida em paz. E os habitantes
daquelas sanzalas isoladas no interior da floresta eram quase sempre tão
vítimas da guerra, como nós.
Demasiadas
vezes foram tratados pelo homem branco com uma superioridade que na realidade ele
nunca teve. São apenas pessoas e a diferença na cor da sua pele em nada os faz menos merecedores da consideração e do respeito devido a todo o ser humano.
Deixei amizades por lá, maioritariamente entre as jeitosas moças fiotes, uma das quais aquela que cuidou das minhas roupas durante os dois anos
que lá estive, mas não só. As amarguras que os militares portugueses por lá viveram e as marcas irreparáveis que a
guerra em muitos deixou, nada têm a ver com o povo africano ou com a sua terra.
São
marcas que ficaram na alma para sempre e foram deixadas por uma vida insana,
desumana e injusta que se vivia em tais condições, naquele tempo e lugar. Hoje
talvez até gostasse de lá voltar e poder ver como está tudo aquilo sem o espectro
da maldita guerra e o perigo a espreitar por todos os cantos.
José Coelho in Inferno verde
(do livro Histórias do Cota)