Nasceram como eu na aldeia e por isso irão ser como eu provincianos até morrerem, por mais finos que queiram parecer. A vida levou-os as grandes cidades e alguns anos depois regressaram.
Herdaram, compraram e restauraram as humildes casas dos pais ou dos avós, ou dos avós de um conterrâneo amigo na aldeia, para virem depois passar temporadas, férias, ou apenas fins de semana.
E trazem com eles os seus cãezinhos e cãezões.
Porque gostam de animais e porque é chique.
De dia passeiam-nos com a trela, para darem o tal ar de gente fina. À noitinha, matreiramente, quando as pessoas recolhem para jantar, soltam os ditos cãezinhos ou cãezões para vaguearem sozinhos por onde lhes apetece e para, deliberadamente longe dos olhares dos seus ilustres donos, cagarem onde lhes apetece.
E normalmente, o sítio escolhido por eles, é mesmo, mesmo, em frente à porta da casa, da garagem ou do portão dos vizinhos da mesma rua, da rua de trás, da rua do lado ou da rua da frente.
E os vizinhos, coitados, incautos e pouco ou nada habituados a tais porcarias, pisam inadvertidamente os montes de merda, ficando com os sapatos cagados para a seguir também inadvertidamente cagarem o tapete, a passadeira, os mosaicos ou o sobrado da sua casa a rogarem pragas mortais e excomungando não os bichos, porque eles obviamente, não têm culpa.
Eu também sou aldeão e com muito orgulho. A vida não me levou para a grande cidade apesar de ter saído uns bons anos da aldeia. E também comprei a humilde casinha dos meus pais. Só não faço dela apenas casa de férias ou de fins-de-semana porque a habito com carácter definitivo há mais de três décadas.
Felizmente, sim, felizmente, continuo o mesmo de sempre. Sem peneiras, sem manias de grandeza, sem me armar em fino. E curiosamente, também tive cães. Dois. Um caniche puro que cabia debaixo do meu braço e mais uma cãozorra rafeiro-alentejana cruzada de pastor alemão que se calhar por isso mesmo era quase do tamanho de um burro.
Como não sou nem quero parecer uma uma pessoa fina, não os ia passear de trela. Mas eles iam à rua e cagavam como todos os outros. A cãozorra andava à solta no quintal e cada cagalhão que fazia enchia uma pá que no momento seguinte era apanhado e colocado num saco para posteriormente ir para o lixo devidamente acondicionado a fim de não meter nojo nem incomodar ninguém com o aspecto ou o cheiro.
O caniche ia à rua duzentas e trinta vezes por dia para mijar e cagar. Mais mijão que cagão como todos os caniches, fazia apenas uns caganitos que quase nem se viam. Mas que eu apanhava SEMPRE de forma adequada no momento seguinte, com um saco de plástico. E depositava-os em seguida no contentor do lixo mais próximo.
Jamais alguém alguma vez pisou ou pisará um cagalhão dos meus canitos.
Porque sim!
Gosto de ser assim, nada, nadinha mesmo, igual ou parecido a pessoas que se armam em elegantes, mas depois não sabem respeitar o direito mais elementar ao asseio e à higiene públicas dos seus conterrâneos e vizinhos. Não estando perto dos cães quando eles cagam, permitem de forma tão deliberada como cobarde que os animais espalhem uma autêntica sementeira de montes de merda por tudo quanto é rua, largo, parque ou travessa, da aldeia.
E não estando a vigiá-los, podem até fingir na sua medíocre elegância, que não dão conta do que os bichos fazem quando os mandam dar uma volta sozinhos e à solta.
É caso para dizer, como dizem "nuestros hermanos Extremeños" aqui do lado, quando alguma coisa não lhes cai bem...
Madre que los parió.
José Coelho