sábado, 18 de março de 2023

Era uma vez a Páscoa

Fui sempre o Chef destas empreitadas, quando as havia. 
Foto antiga


Na roda imparável do tempo, mais uma festa de flores (como os nossos avós lhe chamavam) se aproxima a passos largos. A festa maior da primavera, outrora caracterizada por exéquias religiosas que enchiam de gente e fé as igrejas em solenes celebrações litúrgicas levadas muito a sério desde o domingo de ramos até sábado santo, era também como é ainda hoje, se bem que com muito menor expressão, pretexto para a visita quase obrigatória dos familiares distantes que juntava à mesa avós, pais, filhos e netos em festivos almoços. Porém, também ela, a minha velhinha páscoa, como quase tudo o resto que já conheci, está em passo acelerado a caminho da extinção. 

Pelo menos por aqui, neste mundo em que eu habito.

Não há muitos anos era nesta quadra que os comboios traziam de longe as carruagens cheias de familiares e gente amiga que cumprimentávamos e nos cumprimentavam com amizade na rua e se enchia a aldeia do doce aroma a bolos fintos a cozer nos fornos de lenha, assim como do balir de borregos ou cabritos a caminho do seu inevitável sacrifício em honra da familiar tradição pascal. Em Castelo de Vide, terra do meu pai e de ancestrais costumes de raiz judaica, até merecem esses animais honras de benzedura com água benta, horas antes de serem sacrificados.

Embora eu também aprecie o culto da família e muito, entendo que não deveria ser essa a parte mais importante de cada páscoa, porque a essência dela é muito mais além. Mas é irreversível o geral desinteresse pelo culto religioso que foi substituindo a solenidade do sacrifício de Jesus por estes novos e muito mais rentáveis valores do consumismo que têm transformando a semana santa (e um pouco também os nossos hábitos) em semana do sarapatel, ou do cabrito e do borrego, ou da chocalhada da aleluia, ou da procissão dos cavalos com muitas bandeiras e estandartes. 

E por aí fora. 

Para turista ver, claro. Fé? Não! Folclore do mais puro para gerar e alimentar os negócios da região. E pouco mais. É o que eu acho, mas respeito qualquer outra opinião, obviamente. 

Não sei como é noutros lugares mas na Beirã e na missa de quinta-feira santa comparecíamos... 8? ... 9 pessoas? Depois, na via sacra de sexta-feira santa, éramos... 10? 11 pessoas? Pois! É verdade! Na Beirã já não moram muitas mais. Seria então por isso. Em consequência desse modesto número de participantes, o revº pároco reuniu todas as celebrações da semana santa na paróquia da sede do concelho até à celebração da vigília pascal e ali nos reunimos os paroquianos que podem e querem estar presentes todos os anos desde então.

Pois... 

Mas na Vígília Pascal e chocalhada d'aleluia na vila ao lado e à mesma hora, juntam-se sempre pessoas aos milhares! Hotéis e restaurantes cheios, porque muita gente não está para ter trabalho com os tachos ao lume e a loiça para lavar. E outros tiram uns dias de férias para virem com o seu chocalho engrossar a multidão naquele  autêntico arraial que até termina com fogo de artifício e tudo. Se não fosse a crise, o desemprego e essas desgraças que todos conhecemos, a coisa seria ainda melhor! Tantos valores e princípios que herdámos dos nossos antepassados que tinham um incomensurável sentido de união e partilha mas que se foram sumindo para darem lugar a estes novos costumes atípicos, vazios de conteúdo quer humano quer religioso, por visarem apenas o protagonismo mediático e o lucro.

Já sei. Estou a ficar velho e ranzinza. Mas não consigo rever-me nem aceitar como boa a futilidade destas modernices em que transformaram os nossos costumes e tradições. Mais penso até que, se os meus antepassados (e se calhar os vossos também) cá voltassem, não iam gostar nada deste novo mundo em completa degeneração. 

E em protesto, ir-se-iam embora outra vez...

José Coelho