terça-feira, 19 de novembro de 2024

Finos o tanas...


 

De súbito, com ares de superioridade a olhar para todos nós como se fôssemos extraterrestres, entrou na sala de espera uma senhora com ares de diva indignada, porque “aquilo” (o mais conceituado hospital particular de Lisboa) mais parecia um hospital público! Quando foi chamada ao guichet pela ordem de chegada prescrita pela máquina das senhas, voltou a exaltar-se com a funcionária que a estava a atender, não percebi bem porquê – se calhar pensou que estaria a falar para a empregada na sua casa – e no meio da verborreia de falas finas misturadas com outras bem mal-educadas, vociferou um “sim, é que nós pagamos a pronto”.

E prosseguiu:

- É uma vergonha este hospital atender pessoal da ADSE.
Ninguém fez caso do seu histerismo mas a mim apeteceu-me dizer-lhe que não sendo beneficiário da entidade que tanto a incomodava mas de uma sua congénere, tal como ela tinha pago a pronto todos os exames que fizera na semana passada, do mesmo modo que iria pagar hoje a consulta do médico na sua totalidade dado que a “minha” entidade não tem acordo com o serviço de urologia daquela unidade de saúde, sendo que quer os meus direitos, quer o de todas as pessoas ali presentes, eram igualzinhos aos dela por mais que isso a indignasse.
Eis senão quando quando irrompe na sala de espera outro caricato personagem, aparentemente da mesma linhagem “fina” daquela diva, só que desta vez no masculino, o qual, sem sequer olhar para a máquina do atendimento por senhas como faz toda a gente quando chega, dirigiu-se de rompante a um dos guichets onde estava outra pessoa a ser atendida de quem se meteu à frente e aos berros vociferou “tenho de ser atendido já, porque venho à rasca”.
E a senhora do guichet, que, no entender de todos quantos ali estávamos à seca, deveria ter-lhe dito que ali não era o banco das urgências, amavelmente como sempre fazem, disse-lhe que fosse à máquina tirar uma senha prioritária, a última das opções que lá constava.
E ele foi.
E soube exatamente para o que era aquela “coisa” para a qual manhosamente não tinha sequer olhado quando chegou.
Mais caricato ainda e já com a senha prioritária na mão, foi imediatamente encaminhado para um dos gabinetes, provavelmente o do médico especialista "daquilo" que o punha à rasca, passando à frente de quem ali estava há mais de hora e meia a aguardar a sua vez.
Contudo, o mais revoltante daquela xico-espertice – porque outra coisa não foi – é que, após ter sido atendido “por estar à rasca” saiu do consultório fresco como uma alface e ficou na sala de espera a tagarelar com outra pessoa provavelmente sua conhecida, com a qual ainda continuava a conversar quando eu saí do consultório do Dr Urologista, onde entretanto tinha sido chamado e estivera meia hora.
Ninguém refilou, ninguém disse nada. Mas eu, incapaz de me conter mais, enquanto esperava a chamada ao guichet para pagar a consulta, dirigi-me ao “dondoca” e disse-lhe olhos nos olhos:
- É bem evidente a gravidade do seu problema de saúde e as mil razões que tinha para se sentir tão “à rasca” que nem podia esperar pela sua vez!
O gajo olhou para mim com o mesmo ar de superioridade com que a outra “tia” nos tinha mirado a todos ao chegar e perguntou enfaticamente:
- Mas quem é você?
Calmamente – curiosamente quando me sinto desafiado fico sempre estranhamente calmo – respondi num sussurro:
- Sou o José Coelho, do Alentejo, com toda a certeza uma pessoa muito mais bem formada do que o senhor!
Não obtive qualquer resposta.
E naturalmente mais nada disse também.
O gajo percebeu perfeitamente o meu reparo cara a cara e não quis mais conversa.
Entretanto fui chamado ao guichet para pagar a consulta e marcar os próximos exames. Quando de lá saí olhei em volta e já não o não vi na sala. Provavelmente eu teria feito melhor ter ficado calado como todas as outras pessoas, mas não gosto nada de ver estas coisas inaceitáveis.
Na sala de espera continuava uma senhora idosa acompanhada de uma sua filha para consulta com um Dr cujo nome dizia vezes sem conta e marcada para as dez da manhã. Eram onze e meia e ainda não tinha sido chamada. Levantava-se e ia ao guichet reclamar de vez em quando, perante a impaciência da filha.
E no guichet respondiam-lhe:
- A senhora tem de aguardar…
Mas um burgesso daqueles tão bem vestido como arrogante, fora imediatamente encaminhado para onde queria, bastando berrar que "vinha à rasca"…
Na minha terra, quando alguém diz que está à rasca, costumamos recomendar-lhe que vá cagar para aliviar.
E desde quando é que num piso de hospital exclusivamente para consultas se faz também serviço de urgência?

Texto e foto