Não sendo uma pessoa solitária, gosto da solidão que me envolve de paz e harmonia e só encontro nos meus passeios pelos campos, ou quando me sento no alto de um cerro a observar o horizonte e o por do sol.
Há tantos lugares de eleição por esta minha bonita freguesia!
Desde criança que os conheço. Até não há muito tempo visitava-os sozinho ou apenas acompanhado pelos meus cães. Agora menos e já sempre com a marida que passou à situação de reformada e gosta de caminhar comigo.
O decorrer dos anos torna-nos menos ágeis e não é de todo aconselhável embrenhar-se uma pessoa sozinha por esses ermos onde dantes passava gente por todo o lado, mas hoje não passa ninguém. Imperam o mato e o silêncio quebrados apenas pela fuga inopinada de algum javali, raposa ou saca-rabos quando pressentem a nossa proximidade.
Amo a minha terra. Por isso aqui reconstruí a casa em que nasci e onde tencionava passar o resto dos meus dias. Mas já não tenho hoje tanta certeza nisso. Sempre que me ausento uns dias, no regresso invade-me uma inevitável tristeza porque o lugar que amo já não é nem voltará a ser, o que eu queria que fosse para sempre.
O silêncio que outrora só se "ouvia" pelos campos, invadiu todas as ruas e vielas da aldeia.
Num tom tão alto, que faz doer os ouvidos.
E a alma.
Só não decidi ainda o que fazer.
Resignar-me e esperar mais dois ou três anos até ir para o lar onde com certeza vou terminar os meus dias e se, entretanto, a Vida não decidir algum fim prematuro como tem decidido para com tanta gente conhecida e amiga?
Ou revoltar-me, fazer as malas e ir embora de vez, viver os anos que me restarem noutro lugar e com outras condições?
A opção primeira seria regressar a Nisa, a Vila onde vivemos oito maravilhosos anos com as melhores pessoas que conhecemos na nossa vida, ainda que, falando com pessoas Nisenses amigas do peito que não raramente encontramos por aí, elas se queixem do mesmo que nós.
- Também por lá, já nada é como era antes!
O abandono em massa do interior não afeta só a minha Beirã, é certo. Mas – acho eu – Nisa ainda tem alguma qualidade de vida. Superfícies comerciais, unidades de saúde, farmácias, jardins e um Cine-Teatro onde se desenvolvem atividades lúdicas ou de lazer, e, o melhor de tudo, gente boa, generosa e hospitaleira.
Já na Beirã, se a marida necessitar de um pacote de sal, ou de açúcar, lá temos de ir de automóvel comprá-lo a cinco, dez ou doze quilómetros. E o pão - do mal o menos - vêm os padeiros trazê-lo a nossa casa todos os dias. Até quando? Não sei. Provavelmente enquanto os clientes justificarem a sua deslocação. Mas quando eu deixar de ter aptidão para conduzir como faremos?
Difícil é decidir e resolver porque sempre que a lógica me sussurra ao ouvido "sai daqui Zé, há mais mundo", logo a razão se intromete e contrapõe "onde queres tu ir Zé, se o teu lugar no mundo é este?"
E assim o tempo tem ido passando monótono, nostálgico, cheio de incógnitas e sem o brilho da felicidade.
Reafirmo a terminar o que escrevi no primeiro parágrafo. Sem ser uma pessoa solitária, gosto da solidão. Porém, não era só da paz e do silêncio dos campos que eu necessitava. Também me fazia feliz o bulício da aldeia, as luzes acesas nas janelas das casas, o som das vozes e conversas das pessoas lá dentro, os gritos da gaiatada a correrem pelas ruas, o cheiro dos jantares ao lume, o fumo a sair das chaminés, enfim, todos esses indícios da gente boa que cá vivia, amigos, conhecidos, vizinhos e família querida.
José Coelho
Foto Pedro Coelho