Já não era dia, mas também não tinha anoitecido completamente quando fui ao quintal verificar se estava tudo em ordem em redor da casa e fechar as portas da cozinha fumeiro, do forno e o portão da rua.
Imediatamente me vi rodeado pela suave luminosidade do lusco-fusco e do tal absoluto silêncio de findar do dia, que tantas vezes descrevo. É impressionante como as alvoradas podem ser tão animadas com o alegre e movimentado despertar da natureza inteira, mas como tudo se recolhe e emudece com a aproximação da noite. Simplesmente maravilhoso. Senti, como sinto sempre, que a existir o tal Céu para onde dizem que vão as almas boas, só poderá ser assim.
A oriente, o azul-turquesa da noite a aproximar-se da aldeia. A ocidente e sobre o telhado da nossa casa, o vermelho alaranjado deixado pelo sol poente.
Já fui mais crente do que sou hoje mercê de tanta maldade que grassa sobre o Mundo que habito, tanta coisa ruim a suceder em catadupa cada uma mais inquietante do que a anterior. A ingenuidade de acreditar que o sofrimento redime o pecador tem sido substituída por uma descrença galopante e provada pelos sucessivos, indesmentíveis e ainda mais incompreensíveis factos que nos entram olhos dentro todos os dias.
Ainda assim, continuo a sentir no mais fundo do meu íntimo um cada vez mais ténue reflexo daquela fé que me acompanha desde que me lembro de ser gente, mas cuja convicção é cada dia menor.
Contudo, nestes quase indescritíveis momentos a sós com o universo, envolto no mais absoluto silêncio neste mundo muito meu e muito particular, sinto uma tranquilidade, uma leveza, uma harmonia e uma paz tão reais que quase posso tocar-lhes com as mãos, tal é a sua intensidade e encanto.
São momentos que harmonizam alguns desequilíbrios emocionais que me afetam, reconfortam carências afetivas que me atormentam e me levam até junto de todos os entes queridos que habitam na minha saudade.
É realmente algo mágico, tão doce e inexplicável, que em muitos destes momentos ao longo da minha vida ingenuamente pensei e acreditei que as magníficas cores do céu, o silêncio e a quietude tão reais que nem a aragem tenta mover as folhas das árvores, só podem significar a Natureza inteira a saudar o seu Criador.
Apesar dos tantos tombos que já dei, dos tantos pontapés que levei, das tantas decepções que apanhei, continuo a não encontrar uma explicação melhor, mais plausível, mais explícita ou entendível, para decifrar "isto" que hoje ao fim do dia e uma vez mais me rodeou, me arrepiou e encantou...