É apenas uma imagem da net da qual não conheço o autor mas gosto dela porque me transporta àquelas tardes em que chegava do trabalho, lanchava qualquer coisa e saía logo a seguir com o nosso Rex, um cão de raça Labrador cujo perfil era igualzinho ao da imagem e que olhava dessa mesma forma para mim inúmeras vezes enquanto caminhávamos - e conversávamos - juntos até ao anoitecer pelo sossego dos campos da minha Beirã.
Era lindo, o Rex. Negro como uma amora madura e mais inteligente do que algumas pessoas. E era também amigo, até à medula. Conosco viveu feliz uns bons anos até a leshmaniose aparecer em meados dos anos 90 para o infetar e provocar prematuramente a sua morte por eutanásia, em virtude de nesse tempo ainda não haver vacinas e a perigosidade ser desconhecida causando natural receio ao veterinário que a diagnosticou, pela pouca informação então existente.
Adorado por todos nós, foi deveras traumatizante. A família fugiu toda para o primeiro andar para não assistirem a nada. De coração triste mas entendendo ser o melhor que havia a fazer quer para acabar com o sofrimento do nosso querido amigo já com várias feridas incuráveis, quer por razões sanitárias para proteger a nossa saúde, chamei pelo Rex, já debilitado, mas que obedientemente veio ter comigo sem hesitar.
Sentei-me no chão da tapada que faz parede com a nossa casa indicando-lhe o chão ao meu lado e o meu colo, dizendo:
- Rex, deita aqui!
E ele deitou-se no chão ao meu lado e pousou a cabeça no meu colo tranquilamente, nada desconfiado com a presença do Dr Veterinário que entretanto ia preparando a seringa. Tentei ser forte mas não consegui. As lágrimas como punhos começaram a correr-me cara abaixo enquanto lhe acariciava a cabeça como que a pedir-lhe desculpa.
O Dr colocou o garrote elástico na pata para lhe salientar a veia sem dizer nada, com profissional precisão introduziu a agulha e muito lentamente começou a premir o êmbolo da seringa. Ainda o fatal líquido ia a meio e já o Rex aparentemente dormia. Deu um suspiro longo e descansado e quando o injetável chegou ao fim já ele estava morto. O nó na minha garganta não me deixava quase respirar e era incapaz de falar.
O Dr percebeu a minha incapacidade e disse apenas:
- Vou-me embora, falamos depois.
Fiquei sozinho com o meu inseparável amigo até ele arrefecer. Por detrás das cortinas da janela do primeiro andar os filhos e a mulher espreitavam e choravam também. Por fim fui buscar uma enxada, cavei uma cova funda o suficiente para o sepultar ali mesmo onde ainda permanece, cortei um braçado grande de silvas e cobri a cova colocando em sua volta uma fileira de pedras grandes para impedir que os javalis, os saca-rabos ou outros predadores selvagens que por aqui abundam o tentassem desenterrar para devorar.
Depois do Rex veio a Sacha uma cadela da mesma raça e talvez por isso menos corpulenta, veio também um caniche - o Bolinhas - rejeitado pela família que o comprou mas depressa se fartou dele e tencionava mandar abater. Ambos morreram já velhotes. Finalmente, depois desses dois bons amigos, veio a estouvada Suri, uma cadela gigante Labrador cruzado com Pastor alemão que esteve conosco treze anos e teve de ser eutasanada também com um tumor maligno gigante numa pata traseira.
Mais um desgosto e a decisão definitiva de não querermos passar nunca mais por problemas desses. Mas confesso que sentimos a sua falta, principalmente por não existir nenhum ser humano capaz de ser amigo como o são os de quatro patas. Por isso, desde que a Suri se foi na Sexta-Feira Santa da Quaresma de 2022, nunca mais tive amigos a sério...