Aos 07 de Março de 2015 nasce este blogue que tal como o seu antecessor TocadosCoelhos pretende apenas ser um ponto de encontro e de entretenimento pautando-se sempre pelas regras da isenção, da boa educação e do civismo em geral. Sejam bem-vindos.
quarta-feira, 30 de novembro de 2022
segunda-feira, 28 de novembro de 2022
sábado, 26 de novembro de 2022
Contrabandistas
Curiosamente, esses caminhos eram o sustento de todos. De uns e dos outros.
sexta-feira, 25 de novembro de 2022
quinta-feira, 24 de novembro de 2022
Um amigo de verdade
- E eu?
quarta-feira, 23 de novembro de 2022
Contos da lua cheia...
Gosto da lua. E a prová-lo, tenho duas réplicas dela cá em casa. A de barro que ilustra este escrito e outra mais sofisticada a sorrir para três estrelas no outro lado do "seu" céu, num espelho dourado pintado à mão que tem por função compor a chaminé da lareira na nossa sala. Nunca tive receio dos lobisomens ou dos vampiros que ressuscitam nas noites de lua cheia e se alimentam de gente. Pelo contrário. Sempre adorei passear à sua límpida e suave luminosidade que faz a noite parecer dia e conseguir vislumbrar-se quase tudo até ao longe. Cresci a saltar pedras e barrancos à sua luz, primeiro na "retouça" quando gaiato, depois a fazer alguns biscates de contrabando já zagal, e, por fim, nas visitas semanais a casa das namoradas antes de ir p'ra tropa.
Há outras histórias. Tantas histórias mais. Vou contar só mais uma. E desta ainda gosto mais. Nunca me canso de a recordar.
Foi com o meu filho caçula, o Pedro, tinha ele a idade que tem agora a sua filhota, a nossa linda Francisca. Era também uma noite de lua cheia. De Julho. E de festa na aldeia. Fomos todos ao baile. Mas às tantas, o João Pestana começou a atormentar o pequenito Pedro. O mano Manel já um homem com sete anitos, a mãe, a avó e as tias obviamente não queriam ir para a cama tão cedo. Era a festa. E só havia uma vez por ano.
- Upssss...
Passo a explicar melhor:
Em casa dos meus progenitores sempre houve animais domésticos. Cães, gatos, aves de capoeira, suinos para a matança e até uma cabrita que seguia o meu pai para todo o lado como se fora um cão. Era por isso comum, a nossa convivência com essa bicharada toda. Mas não só. Como o nosso quintal faz a sua divisão com as tapadas cheias de canchos e matos que se estendem por aí fora até Espanha, é normal vermos alguns animais selvagens do outro lado da parede.
Naquela noite, a da festa, não sabendo nada do baile nem do soninho do Pedro, a raposa degustava tranquilamente o petisco que a amiga Florinda ali lhe tinha deixado. De súbito e inesperadamente surgimos nós na entrada da varanda. Eu vi-a logo, porque o luar banhava por completo todo o quintal. A raposa viu-nos também, mas, apesar de ali ir jantar todas as noites, não era dada a confianças. E não tinha mais por onde fugir senão por onde nós entrávamos. De um pulo atirou-se por entre as nossas pernas provocando-me na pressa um arranhão no tornozelo. O Pedrito deu um grito sem perceber o que era aquilo, nem o que estava a acontecer.
Um dia destes, quando me lembrar, contar-vos-ei mais coisas da lua cheia. Até lá sejam felizes, que a vida é curta. Ah! Faltou dizer apenas que, ainda hoje, já meio gasto pelo passar de tantíssimas luas, continuo a gostar muito de me sentar na varanda a olhar para a tapada quando ela está toda banhada pelo luar. Nas noites geladas do inverno então parece que o seu brilho é ainda mais intenso e quase por magia os cristais da geada refletem-no como se fossem diamantes...
terça-feira, 22 de novembro de 2022
Coisas que leio e gosto
A cidade erguia as suas paredes de pedras escuras. O céu
estava alto, desolado, cor de frio. Os homens caminhavam empurrando-se uns aos
outros nos passeios. Os carros passavam depressa.
Deviam ser quatro horas da tarde de um dia sem sol nem
chuva.
Havia muita gente na rua naquele dia. Eu caminhava no
passeio, depressa. A certa altura encontrei-me atrás de um homem muito
pobremente vestido que levava ao colo uma criança loira, uma daquelas crianças
cuja beleza quase não se pode descrever. É a beleza de uma madrugada de Verão,
a beleza de uma rosa, a beleza do orvalho, unidas à incrível beleza de uma
inocência humana.
Instintivamente o meu olhar ficou um momento preso na cara
da criança. Mas o homem caminhava muito devagar e eu, levada pelo movimento da
cidade, passei à sua frente. Mas ao passar voltei a cabeça para trás para ver
mais uma vez a criança.
Foi então que vi o homem. Imediatamente parei. Era um homem
extraordinariamente belo, que devia ter trinta anos e em cujo rosto estavam
inscritos a miséria, o abandono, a solidão. O seu fato, que tendo perdido a cor
tinha ficado verde, deixava adivinhar um corpo comido pela fome. O cabelo era
castanho-claro, apartado ao meio, ligeiramente comprido. A barba por cortar há
muitos dias crescia em ponta. Estreitamente esculpida pela pobreza, a cara
mostrava o belo desenho dos ossos. Mas mais belos do que tudo eram os olhos, os
olhos claros, luminosos de solidão e de doçura. No próprio instante em que eu o
vi, o homem levantou a cabeça para o céu.
Como contar o seu gesto?
Era um céu alto, sem resposta, cor de frio. O homem levantou
a cabeça no gesto de alguém que, tendo ultrapassado um limite, já nada tem para
dar e se volta para fora procurando uma resposta: A sua cara escorria
sofrimento. A sua expressão era simultaneamente resignação, espanto e pergunta.
Caminhava lentamente, muito lentamente, do lado de dentro do passeio, rente ao
muro. Caminhava muito direito, como se todo o corpo estivesse erguido na pergunta.
Com a cabeça levantada, olhava o céu. Mas o céu eram planícies e planícies de
silêncio.
Tudo isto se passou num momento e, por isso, eu, que me
lembro nitidamente do fato do homem, da sua cara, do seu olhar e dos seus
gestos, não consigo rever com clareza o que se passou dentro de mim. Foi como
se tivesse ficado vazia olhando o homem.
A multidão não parava de passar. Era o centro do centro da
cidade. O homem estava sozinho, sozinho. Rios de gente passavam sem o ver.
Só eu tinha parado, mas inutilmente. O homem não me olhava.
Quis fazer alguma coisa, mas não sabia o quê. Era como se a sua solidão
estivesse para além de todos os meus gestos, como se ela o envolvesse e o
separasse de mim e fosse tarde de mais para qualquer palavra e já nada tivesse
remédio. Era como se eu tivesse as mãos atadas. Assim às vezes nos sonhos
queremos agir e não podemos.
O homem caminhava muito devagar. Eu estava parada no meio do
passeio, contra o sentido da multidão.
Sentia a cidade empurrar-me e separar-me do homem. Ninguém o
via caminhando lentamente, tão lentamente, com a cabeça erguida e com uma
criança nos braços rente ao muro de pedra fria.
Agora eu penso no que podia ter feito. Era preciso ter
decidido depressa. Mas eu tinha a alma e as mãos pesadas de indecisão. Não via
bem. Só sabia hesitar e duvidar. Por isso estava ali parada, impotente, no meio
do passeio. A cidade empurrava-me e um relógio bateu horas.
Lembrei-me de que tinha alguém à minha espera e que estava
atrasada. As pessoas que não viam o homem começavam a ver-me a mim. Era
impossível continuar parada.
Então, como o nadador que é apanhado numa corrente desiste
de lutar e se deixa ir com a água, assim eu deixei de me opor ao movimento da
cidade e me deixei levar pela onda de gente para longe do homem.
Mas enquanto seguia no passeio rodeada de ombros e cabeças,
a imagem do homem continuava suspensa nos meus olhos. E nasceu em mim a
sensação confusa de que nele havia alguma coisa ou alguém que eu reconhecia.
Rapidamente evoquei todos os lugares onde eu tinha vívido.
Desenrolei para trás o filme do tempo. As imagens passaram oscilantes, um pouco
trémulas e rápidas. Mas não encontrei nada. E tentei reunir e rever todas as
memórias de quadros, de livros, de fotografias. Mas a imagem do homem
continuava sozinha: a cabeça levantada que olhava o céu com uma expressão de
infinita solidão, de abandono e de pergunta.
E do fundo da memória, trazidas pela imagem, muito devagar,
uma por uma, inconfundíveis, apareceram as palavras:
– Pai, Pai, por que me abandonaste?
Então compreendi por que é que o homem que eu deixara para
trás não era um estranho. A sua imagem era exactamente igual à outra imagem que
se formara no meu espírito quando eu li:
– Pai, Pai, por que me abandonaste?
Era aquela a posição da cabeça, era aquele o olhar, era
aquele o sofrimento, era aquele o abandono, aquela a solidão.
Para além da dureza e das traições dos homens, para além da
agonia da carne, começa a prova do último suplício: o silêncio de Deus.
E os céus parecem desertos e vazios sobre as cidades escuras.
Voltei para trás. Subi contra a corrente o rio da multidão.
Temi tê-lo perdido. Havia gente, gente, ombros, cabeças, ombros. Mas de repente
vi-o.
Tinha parado, mas continuava a segurar a criança e a olhar o
céu.
Corri, empurrando quase as pessoas. Estava já a dois passos
dele. Mas nesse momento, exactamente, o homem caiu no chão. Da sua boca corria
um rio de sangue e nos seus olhos havia ainda a mesma expressão de infinita
paciência.
A criança caíra com ele e chorava no meio do passeio,
escondendo a cara na saia do seu vestido manchado de sangue.
Então a multidão parou e formou um círculo à volta do homem.
Ombros mais fortes do que os meus empurram-me para trás. Eu estava do lado de
fora do círculo.
Tentei atravessá-lo, mas não consegui. As pessoas apertadas
umas contra as outras eram como um único corpo fechado. À minha frente estavam
homens mais altos do que eu que me impediam de ver. Quis espreitar, pedi
licença, tentei empurrar, mas ninguém me deixou passar. Ouvi lamentações,
ordens, apitos. Depois veio uma ambulância. Quando o círculo se abriu, o homem
e a criança tinham desaparecido.
Então a multidão dispersou-se e eu fiquei no meio do
passeio, caminhando para a frente, levada pelo movimento da cidade.
**
Muitos anos passaram. O homem certamente morreu. Mas
continua ao nosso lado. Pelas ruas.
Sophia de Mello Breyner Andresen - In Contos Exemplares
segunda-feira, 21 de novembro de 2022
De volta
segunda-feira, 14 de novembro de 2022
Boa semana
Excertos...
sexta-feira, 11 de novembro de 2022
quinta-feira, 10 de novembro de 2022
Boa noite...
Lugares, usos e costumes, que povoam a minha memória
Pelo S.Martinho, castanhas e vinho...
Longe vai já o tempo
em que nesta casa e nesta noite nos juntávamos mais de trinta comensais na sala de
jantar para celebrarmos a Noite de S. Martinho. Sopa da pedra, vinho novo da casa, maçãs assadas no forno de lenha,
marmelos cozidos em calda de açúcar, dióspiros, nozes e avelãs, biscoitos escaldados,
castanhas e jeropiga. E um grande lume na lareira para aquecer e tornar ainda
mais acolhedor o ambiente de festa e de harmonia. Mas, sobretudo, aquela união
de toda a família próxima e distante desde os progenitores que já partiram, às
irmãs, cunhados, sobrinhos e primos até à terceira geração. Porque é que as
coisas realmente boas têm de ser sempre assim tão breves?
José Coelho - Texto e fotos