Ponte Pedonal Sobre o Rio Tâmega - Chaves
Foi em meados do verão de 71 que esta já longa caminhada teve início, quando, estando eu a prestar serviço militar em Elvas, ficámos noivos. Seguiu-se um longo período de ausência com a mobilização para a guerra em outubro desse mesmo ano e consequente embarque para Angola em março de 72, até ao regresso em junho de 74.
Aqui teve início outra complicada odisseia. A de encontrar um emprego estável para constituirmos a nossa família. Orfã de mãe desde julho de 71, vivia a noiva "de favor" em casa de uma irmã, tendo o noivo de imigrar para longe em busca do pão de cada dia. E foi nessas precárias condições - uma a viver em casa alheia, o outro a centenas de quilómetros de casa - que em 76 decidimos casar.
Porque sim.
E mais não digo.
Inconformada com a minha situação profissional tão longínqua e algo perigosa, não descansou a já então minha esposa e logo depois mãe do nosso primeiro filho enquanto não me convenceu a mudar de rumo. Teve, para essa sua vitória, a cumplicidade da sogra e senhora minha mãe que também não se conformava que "o seu Zéi "andesse" lá debaixo do chão como as toupeiras".
- Nã morreste na guerra, vais morrer algum dia nesse malçoado buraco!
Sentenciava prudentemente, cada vez que eu cá vinha.
Conseguiram. Saí de um buraco escuro e lamacento para ingressar numa profissão nunca antes imaginada e cujas mentalidades na altura (1974/1979) eram mais bafientas e cheias de mofo que as galerias das minas onde labutara durante cinco felizes anos. Aguardava-me um sem fim de dificuldades, armadilhas, humilhações tendenciosas para me desmotivarem e fazerem desistir.
Não foram capazes. Ou melhor dizendo. Não tiveram tomates para isso. Pelas boas, sou capaz de dar a camisa. Pelas tortas, não admito que ninguém seja mais torto que eu. Em vez de desanimar e de desistir como eles queriam, agarrei-me às matérias com unhas e dentes e arranquei as melhores notas do curso do primeiro ao último teste.
A seguir concorri ao curso de cabos e depois ao de sargentos.
Foi a resposta que me propus e empenhei dar, a quantos acharam que eu seria um alvo fácil de abater.
E cheguei lá. Por mérito próprio.
A duras penas, mas cheguei.
Na noite em que o Lusitânia-Comboio-Hotel me trouxe de Santa Apolónia para casa já com o Diploma de Encarte de Sargento da Guarda Nacional Republicana na pasta, chorei até o dia nascer abraçado à minha aflita companheira que não estava nada à espera de me ver assim e só sussurrava para me acalmar:
- Pronto, pronto, não chores mais!
Não tive ajudas nem favores de ninguém, a não ser a impagável ternura e paciência desta admirável mulher e mãe que ficou sozinha em casa a cuidar de dois meninos pequenos durante três longos e consecutivos anos - um do curso de cabos e dois do curso de sargentos - longe da nossa família e também sem ajudas nenhumas, porque eu chegava nas sextas-feiras à uma e meia da madrugada para voltar a partir nos domingos às seis e meia da tarde.
No fundo, terá sido também uma conquista sua, por ter sido ela que me meteu naquelas "alhadas" quando me convenceu a sair das Minas para entrar na GNR. Caminhamos por isso mesmo juntos, cúmplices e amigos, há já cinquenta e um anos. Nem tudo terão sido rosas, mas nem tudo foram também espinhos.
Como em todos os caminhos de todas e quaisquer vidas.
Das nossas e das vossas.
Caminhar juntos é isso mesmo. Dias muito bons, dias assim-assim, e dias menos bons. Mas nesse caminho não se deve nunca parar. Nem desistir. Há que seguir caminhando, tentando vencer um a um, todos os obstáculos.
Sempre!
Prestem agora um bocadinho mais de atenção à foto que ilustra este "escrito". Vamos, eu e a minha companheira a caminhar juntos, de costas para quem nos fotografou casualmente, por sua iniciativa e sem nós nos apercebermos, completamente descontraídos, tranquilos, em paz com a vida e com o mundo inteiro, sobre uma das pontes que une as duas margens do Rio Tâmega na Cidade de Chaves.
A harmonia que nos acompanhava era de tal modo perfeita que... reparem bem... caminhávamos ao lado um do outro... com o passo certo!
Pura casualidade?
Talvez!
Mas também há quem diga que...
... nada acontece por acaso.
Será?
José Coelho
15.06.2022