Andamos neste pandémico sobressalto desde Fevereiro de 2020. Primeiro
foi-nos dito que o vírus andava lá para a China mas dificilmente iria cá chegar – ouvi-o pessoalmente na tv à Doutora Graça Freitas
da DGS. Porém, em menos de um ai, o mundo inteiro gemia aflito com milhares de
mortos e centenas de milhares de infetados à escala global numa assustadora,
descontrolada e alucinante escalada diária. Em Espanha e na Itália então, foi pura
e simplesmente indescritível.
Assistimos estupefactos ao encerramento de toda a atividade
aérea, marítima e terrestre, de todos os serviços públicos e particulares, fomos
mandados ficar fechados em casa e proibidos de circular nas vias públicas numa
reviravolta total do quotidiano nas nossas vidas. Parece que foi há muito tempo,
mas tão só e apenas há dois meses estávamos encerrados nos domicílios pelos
desmandos natalícios que eclodiram ferozmente em fevereiro e quase provocaram a
rotura do SNS.
Dificilmente serão esquecidas as dramáticas imagens de pirilampos
de mais de cinquenta ambulâncias a esperar longuíssimas horas pelo atendimento à
portas das urgências dos maiores hospitais das nossas cidades. Deu para
perceber que a coisa era mesmo séria, perigosa, letal. Mas como sempre, só nos
lembramos de Santa Bárbara quando ouvimos trovões. Assim que o controlo afrouxa
um pouco, lá vamos aos magotes para todo o lado, descurando displicentemente a
maior parte das medidas preventivas.
Não há volta a dar. Viu-se quanto nos esquecemos dos dias
ruins quando o nosso clube do coração alcança um título. Vimos, não tão
descontrolado mas também em Fátima ontem, quando no recinto de oração se cumpriam
sim senhor as regras, mas em redor do santuário ficaram aos magotes e sem
qualquer controlo outros sete mil e quinhentos peregrinos ou mais. E a responsabilidade
não pode ser imputada só ao governo, às autoridades, à organização dos eventos.
Ela é dever de todos nós.
Se em nossas casas, nas nossas famílias sabemos gerir o dia a
dia por forma a que todos vivamos bem, confortáveis e protegidos, na vida em
sociedade temos que fazer exatamente o mesmo. Respeitar e cumprir as regras,
preocuparmo-nos uns com os outros e seguir as indicações sobejamente
difundidas para que o bem-estar comum seja um facto adquirido, extensivo a
todos e a cada um. Se tal tivesse sido cumprido, seguramente teria havido menos
fatalidades, menor necessidade de estados de emergência, menos transtornos.
Mais de um ano de solidão para tantos idosos que se viram
impedidos de contactar pessoalmente com os seus entes queridos, familiares, vizinhos
ou conhecidos nossos que partiram inesperadamente atingidos pela letal infeção,
vidas suspensas, negócios e empregos afetados, enfim um mar de problemas que
deveriam ter-nos alertado para a nossa frágil condição humana, para o quanto
somos vulneráveis e expostos a qualquer inesperada adversidade, vinda assim, ninguém
sabe muito bem quando ou de onde, como sucedeu com a Covid19.
Vivemos no século XXI, o mundo e a ciência evoluíram
extraordinariamente mas a verdade que mais se evidenciou é que este mesmo mundo
e ciência foram apanhados de surpresa e ficaram perplexos não só com a letalidade
do novo coronavírus, como ainda com a rapidez como se propagava por todo o
planeta, no espaço de apenas pouquíssimas semanas. Não havia, manifestamente,
forma de conter a sua propagação pandémica, nem de impedir que chegasse a todos
os continentes como chegou. Nunca antes, repito, a fragilidade da nossa
condição humana tinha sido tão evidenciada.
No silêncio que se abateu sobre as nossas cidades, vilas e
aldeias durante os longos confinamentos a que fomos submetidos, deveríamos ter
aprendido alguma coisa, deveríamos ter refletido na forma como vivemos e nos nossos
comportamos quer em família quer em sociedade, tirar ilações do que fazemos menos
bem e deveríamos tentar fazer melhor, que não vivemos isolados mas em comunidade
e por isso necessitamos todos uns dos outros.
Pela parte que me tocou e em longos passeios pelos campos,
refleti bastante. A solidão nunca me perturbou, muito pelo contrário, gosto
mais do silêncio puro da natureza do que do ruído de falsas falas e duvidosas
intenções que tantas vezes nos cercam. Patriarca desta Família Coelho, herdei
dos meus antepassados valores e princípios que sempre tentei seguir, só não sei
se sempre os consegui cumprir, mas sei, tenho a certeza que, pelo menos, sempre
me esforcei por isso. E um dos valores que me foi entranhado, foi precisamente
o da Família.
Habituado a ter em casa os meus comigo regularmente, o que
mais me custou foi a sua constante ausência durante meses a fio. Jamais poderia
imaginar que iríamos passar duas páscoas e um natal longe uns dos outros sem nos
podermos abraçar e confraternizar. Do mal o menos, apenas um dos filhos foi
ligeiramente atingido pela infeção tendo que fazer a obrigatória quarentena
mas sem ter contagiado quer a esposa quer a filha e também sem quaisquer outras
consequências em termos do seu bem-estar físico. Não passou de um sobressalto
que nos causou alguma apreensão, mas apenas isso.
Cumprimos responsavelmente de comum acordo e sem hesitar todas as regras e recomendações das autoridades. Por isso me custa tanto entender
porque carga d’água tantos outros não foram capazes de fazer como nós. Não por
medo de morrer mas pelo respeito às indicações de quem geria a situação, pela nossa saúde e pela dos outros, pelos mais
elementares deveres cívicos e de cidadania que a cada um de nós é exigido. Esperemos que desta vez as coisas corram
melhor e não tenhamos que regredir. Porém, suceda o que suceder, é minha profunda
convicção que a sociedade em geral continua a navegar num profundo défice em
termos de aprendizagem.
José Coelho
14.05.2021