sexta-feira, 14 de maio de 2021

Não aprendemos nada

Foto José Coelho

Andamos neste pandémico sobressalto desde Fevereiro de 2020. Primeiro foi-nos dito que o vírus andava lá para a China mas dificilmente iria cá chegar – ouvi-o pessoalmente na tv à Doutora Graça Freitas da DGS. Porém, em menos de um ai, o mundo inteiro gemia aflito com milhares de mortos e centenas de milhares de infetados à escala global numa assustadora, descontrolada e alucinante escalada diária. Em Espanha e na Itália então, foi pura e simplesmente indescritível.

Assistimos estupefactos ao encerramento de toda a atividade aérea, marítima e terrestre, de todos os serviços públicos e particulares, fomos mandados ficar fechados em casa e proibidos de circular nas vias públicas numa reviravolta total do quotidiano nas nossas vidas. Parece que foi há muito tempo, mas tão só e apenas há dois meses estávamos encerrados nos domicílios pelos desmandos natalícios que eclodiram ferozmente em fevereiro e quase provocaram a rotura do SNS.

Dificilmente serão esquecidas as dramáticas imagens de pirilampos de mais de cinquenta ambulâncias a esperar longuíssimas horas pelo atendimento à portas das urgências dos maiores hospitais das nossas cidades. Deu para perceber que a coisa era mesmo séria, perigosa, letal. Mas como sempre, só nos lembramos de Santa Bárbara quando ouvimos trovões. Assim que o controlo afrouxa um pouco, lá vamos aos magotes para todo o lado, descurando displicentemente a maior parte das medidas preventivas.

Não há volta a dar. Viu-se quanto nos esquecemos dos dias ruins quando o nosso clube do coração alcança um título. Vimos, não tão descontrolado mas também em Fátima ontem, quando no recinto de oração se cumpriam sim senhor as regras, mas em redor do santuário ficaram aos magotes e sem qualquer controlo outros sete mil e quinhentos peregrinos ou mais. E a responsabilidade não pode ser imputada só ao governo, às autoridades, à organização dos eventos. Ela é dever de todos nós.

Se em nossas casas, nas nossas famílias sabemos gerir o dia a dia por forma a que todos vivamos bem, confortáveis e protegidos, na vida em sociedade temos que fazer exatamente o mesmo. Respeitar e cumprir as regras, preocuparmo-nos uns com os outros e seguir as indicações sobejamente difundidas para que o bem-estar comum seja um facto adquirido, extensivo a todos e a cada um. Se tal tivesse sido cumprido, seguramente teria havido menos fatalidades, menor necessidade de estados de emergência, menos transtornos.

Mais de um ano de solidão para tantos idosos que se viram impedidos de contactar pessoalmente com os seus entes queridos, familiares, vizinhos ou conhecidos nossos que partiram inesperadamente atingidos pela letal infeção, vidas suspensas, negócios e empregos afetados, enfim um mar de problemas que deveriam ter-nos alertado para a nossa frágil condição humana, para o quanto somos vulneráveis e expostos a qualquer inesperada adversidade, vinda assim, ninguém sabe muito bem quando ou de onde, como sucedeu com a Covid19.

Vivemos no século XXI, o mundo e a ciência evoluíram extraordinariamente mas a verdade que mais se evidenciou é que este mesmo mundo e ciência foram apanhados de surpresa e ficaram perplexos não só com a letalidade do novo coronavírus, como ainda com a rapidez como se propagava por todo o planeta, no espaço de apenas pouquíssimas semanas. Não havia, manifestamente, forma de conter a sua propagação pandémica, nem de impedir que chegasse a todos os continentes como chegou. Nunca antes, repito, a fragilidade da nossa condição humana tinha sido tão evidenciada.

No silêncio que se abateu sobre as nossas cidades, vilas e aldeias durante os longos confinamentos a que fomos submetidos, deveríamos ter aprendido alguma coisa, deveríamos ter refletido na forma como vivemos e nos nossos comportamos quer em família quer em sociedade, tirar ilações do que fazemos menos bem e deveríamos tentar fazer melhor, que não vivemos isolados mas em comunidade e por isso necessitamos todos uns dos outros.

Pela parte que me tocou e em longos passeios pelos campos, refleti bastante. A solidão nunca me perturbou, muito pelo contrário, gosto mais do silêncio puro da natureza do que do ruído de falsas falas e duvidosas intenções que tantas vezes nos cercam. Patriarca desta Família Coelho, herdei dos meus antepassados valores e princípios que sempre tentei seguir, só não sei se sempre os consegui cumprir, mas sei, tenho a certeza que, pelo menos, sempre me esforcei por isso. E um dos valores que me foi entranhado, foi precisamente o da Família.

Habituado a ter em casa os meus comigo regularmente, o que mais me custou foi a sua constante ausência durante meses a fio. Jamais poderia imaginar que iríamos passar duas páscoas e um natal longe uns dos outros sem nos podermos abraçar e confraternizar. Do mal o menos, apenas um dos filhos foi ligeiramente atingido pela infeção tendo que fazer a obrigatória quarentena mas sem ter contagiado quer a esposa quer a filha e também sem quaisquer outras consequências em termos do seu bem-estar físico. Não passou de um sobressalto que nos causou alguma apreensão, mas apenas isso.

Cumprimos responsavelmente de comum acordo e sem hesitar todas as regras e recomendações das autoridades. Por isso me custa tanto entender porque carga d’água tantos outros não foram capazes de fazer como nós. Não por medo de morrer mas pelo respeito às indicações de quem geria a situação, pela nossa saúde e pela dos outros, pelos mais elementares deveres cívicos e de cidadania que a cada um de nós é exigido. Esperemos que desta vez as coisas corram melhor e não tenhamos que regredir. Porém, suceda o que suceder, é minha profunda convicção que a sociedade em geral continua a navegar num profundo défice em termos de aprendizagem.

 

José Coelho

14.05.2021