sábado, 11 de abril de 2020

... Somos nada!

Velho amigo que conheci cheio de ramos e folhas
Foto José Coelho - Março 2020

Quando me parecia já pouco haver na vida que me surpreendesse, eis que irrompe, vindo do outro lado do mundo, este inimigo invisível e letal que se propaga quase tão veloz como o vento indiferente a qualquer fronteira, credo, raça, cor, ou condição social.

E o Ser Humano, convencidíssimo de tudo ser capaz de dominar, de tudo saber, de tudo conseguir alcançar, vê-se subitamente impotente perante a cruel realidade que sobre si desaba tão perigosamente agressiva, atípica, difícil de combater e vencer.

Diferente das outras pandemias conhecidas e combatidas a Covid 19 veio provar em toda a linha o quanto somos frágeis e fáceis de exterminar, o quanto desconhecemos o universo de que julgamos ser donos e senhores.

Em pouco mais de um mês o mundo inteiro quase parou, oitenta por cento da humanidade refugiou-se em casa, dez por cento luta pela vida ligada a ventiladores, cinco por cento são os que na linha da frente abastecem a cadeia alimentar e serviços imprescindíveis, enquanto os outros cinco por cento tratam dos infectados que entopem os hospitais e morgues.

Maior que o medo da morte é o espanto de todos nós. Como é possível uma coisa assim? E tanta, mas tanta coisa é posta em causa. No topo delas, a pequenez e fragilidade humanas. Superpotências mundiais que todos sabemos quem são fazem gala em exibir o seu poderio militar bélico capaz de arrasar continentes inteiros, mas não estão minimamente preparadas para impedir que um minúsculo vírus extermine em massa os seus concidadãos.

Mais caricato ainda tem sido assistirmos à degradante situação de alguns desses poderosos países desviarem para seu próprio consumo aviões carregados de material sanitário destinado a outros países mais necessitados que os tinham encomendado. Roubar para matar a fome não deveria ser considerado crime em parte alguma do mundo. Mas roubar porque, como a cigarra, não se cuidou do que se poderia precisar em épocas de crise, mais que imoral, é, como alguém recentemente afirmou num contexto análogo, re-pug-nan-te.

Na fatalidade se vê quem é quem. E para além da mortandade que se abateu sobre a aparentemente frágil humanidade na forma de um invisível vírus, há que lamentar também a sua decadência em valores e princípios, o poder do dinheiro e a falta de carácter de quem, dele tendo os bolsos cheios, de tudo seja capaz. Talvez o Universo esteja a querer dizer-nos algo. Talvez este seja um sinal vermelho para todos.

Infelizmente e não sendo as únicas, a esmagadora maioria de vítimas pelo mundo inteiro têm sido aqueles que dedicaram as suas vidas ao Bem, os nossos pais e avós. Os mais velhos. Deles recebemos valores que davam prioridade à pessoa humana, ao respeito pela vida e sua dignidade desde o nascimento até à morte. Não há muitas semanas pré-pandemia Covid 19 debatíamos a eutanásia. Se calhar já não fará falta.

Não sendo velho ainda muito velho, vivi já o suficiente para ter passado por muitas vicissitudes. Melhores e menos boas. Piores e menos más. Mas nunca me dei por vencido, jamais me sentei à beira do caminho a chorar e à espera que alguém passasse para ter pena de mim. Jamais. Tal como os velhos sobreiros que conheço de toda a minha vida por estes campos que amo, afrontei os ventos por mais agrestes e violentos que tivessem sido, quebrei alguns galhos é verdade, mas permaneci de pé.

Também não tenciono render-me agora. Respeito as regras porque aprendi a ser respeitador, não por medo da morte mas porque não quero ser causa da morte de ninguém. Entristeceu-me sobremaneira esta quadra festiva longe dos que mais amo, guardarei para sempre na retina as imagens dantescas desta quaresma com centenas de mortos a serem transportados em camiões militares por falta de espaço nos cemitérios locais, ruas vazias e o silêncio ensurdecedor do Papa Francisco sozinho na imensidão daquela escadaria numa praça de Roma habitualmente a transbordar de gente.

Anda pela net um “post” do qual desconheço o autor mas que entendo hoje melhor do que nunca.

Reza assim:

“Somos instantes e num instante somos nada”

Nunca a paz fez tanto sentido. Oxalá se iluminem o coração e a mente dos tais ricos e poderosos do nosso mundo para reconhecerem que não há maior riqueza do que a vida. Para quê tanto poderio bélico se já somos tão frágeis que basta um microscópico coronavírus para sermos… 

Nada!

Tenham, na medida do possível e se possível, uma boa Páscoa.

José Coelho
11.04.2020